A nova LINDB e o consequencialismo jurídico como mínimo essencial

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Por Floriano de Azevedo Marques Neto e Rafael Véras de Freitas

Em 25 de abril deste ano, foi publicada a Lei 13.655, que alterou a LINDB, denominada Lei da Segurança para a Inovação Pública, que não foi aprovada na “calada da noite”. O projeto é resultado de pesquisas acadêmicas imparciais e empíricas. É um esforço para o incremento da segurança jurídica[1]. Aprovado com ampla maioria nas casas legislativas (desde a apresentação do PLS 349/2015 até a ampla discussão a propósito da aprovação do PL 7.448/2017). Foi permeado por audiências públicas e por debates a propósito de seus termos em diversas instituições brasileiras (universidades, Procuradorias, entidades públicas).
A Lei 13.655/2018 já observou, em sua gestação, o que prescreve. Em vez de ser fruto de abstrações como os princípios da “supremacia do interesse público”, da “dignidade da pessoa humana” ou do “princípio da licitação”, resultou do trespasse de uma ampla fundamentação empírica para um diploma normativo. E é disso que se cogita, a partir da vigência do seu artigo 20, de acordo com o qual se prescreve que “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. A ratio é a de interditar a utilização indiscriminada de abstrações nas razões de decidir — as quais, nos últimos anos, serviram para ampliar o espectro de poder de instituições.
Não se olvida que os quadrantes de um Estado regulador (que resulta de substituição do government by law para o government by policies), pautado pela densificação técnica de políticas públicas, impõem a observância de matizes outrora consideradas como exógenas aos sistema jurídico (a exemplo de dados econômicos, e de imputs da Sociologia e da Psicologia). Porém, isso não importa dizer que todas as entidades públicas sejam reguladores ou que tenham a capacidade institucional para o exercício da função de equilibrar subsistemas jurídico-econômicos. Mais que isso, que possam se valer dessa função, sem os ônus que lhe são inerentes.
A permeabilidade do sistema jurídico a normas de caráter mais aberto e a realidade da interpretação e aplicação do Direito ser balizado por princípios é uma realidade. Contudo, a decisão baseada em “valores jurídicos abstratos”, ou seja, não apoiados em normas concretas ou em prescrições normativas cerradas, não pode servir como uma cláusula mágica, transcendente. Não podem se prestar a ser um argumento de autoridade hermenêutica sem que o decisor tenha o dever (ônus) de perquirir os efeitos desta decisão. Mais do que uma deferência ao consequencialismo, o dispositivo presta homenagem à responsavidade da decisão. Prospectar os efeitos da decisão não é irrelevante. O dever de motivar (geral a toda decisão) passa a ser reforçado, nos casos de decisão baseada em valores abstratos, com o dever de indicar as consequências antevistas pelo decisor. Mais do que isso, o dispositivo obriga a que as consequências possíveis sejam avaliadas e sopesadas. E assim exigindo, torna a decisão baseada na aplicação de princípio controlável (e censurável) quando falhar em vir acompanhado da análise das consequências.
Daí a razão pela qual o parágrafo único do novel diploma prescreve que “a motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas”. Não se trata de prescrição antípoda aos entendimentos dos decisores. De fato, tanto assim é que as cortes brasileiras se utilizaram de parâmetros consequencialistas para fundamentar suas decisões. Exemplo é da decisão proferida na ADI 1.946, na qual se questionou os efeitos da fixação do valor do benefício previdenciário para gestantes e do RE 407.688-8. Do mesmo modo, o Tribunal de Contas União, em diversas decisões, exigiu que o regulador melhor evidenciasse os fundamentos técnicos dos quais se valeu para tomar decisões notadamente no âmbito de procedimentos de revisões tarifárias. O exemplo pode ser encontrado nos acordão 1.201/2009 e 384/2014, dentre outros).
A prescrição é um tanto mais sofisticada. Estabelece um devido processo legal decisório, mais interessado nos fatos, por intermédio do qual os decisores terão de explicitar se: (i) dispõem de capacidade institucional para tanto, ou se, excepcionalmente, estão exercendo uma função que lhe é atípica, mas por uma necessidade pragmática, porém controlável; (ii) a decisão que será proferida é a mais adequada, considerando as possíveis alternativas e o seu viés intrusivo; e (iii) se as consequenciais de suas decisões são predicadoras de medidas compensadoras, ou de um regime transição. Cuida-se de uma motivação para além da exigida pelo disposto no artigo 50 da Lei 9.784/1999. Não se trata de um dever de utilização de uma “retórica das consequências”, como já se cogitou, nem, tampouco, tem o propósito de tornar o controle mais lasso. Quem exerce o controle não pode descurar o seu autocontrole.
Na verdade, trata-se de dispositivo que visa estabilizar e a conferir exequibilidade às decisões do controlador. E, de outro bordo, estabelecer parâmetros a partir dos quais tais decisões poderão ser controladas. Assim é que, caso se trate de decisão na esfera administrativa, a inobservância dessa exigência poderá importar na sua invalidação, por ausência de motivos, como determina o disposto no artigo 2º, d e parágrafo único, d, ambos da Lei 4.717/1965 (Lei da Ação Popular)[2]. De outro lado, caso tal inobservância seja observada em provimento jurisdicional, tratar-se-á de decisão considerada sem fundamentação, nos termos do artigo 489, parágrafo 1º, do CPC 2015[3], o que pode ensejar a sua nulidade (nos termos do artigo 1.013, parágrafo 3º, I, do CPC 2015[4]). O dispositivo, portanto, não só é compatível com sistema normativo já vigente como, de resto, com ordenamento constitucional brasileiro.
Exigir motivação robusta e compromisso com os efeito é, no Estado Democrático de Direito, nada menos do que o mínimo essencial.


[1] Como demostrado pela sempre precisa e brilhante Juliana Bornacosi de Palma in http://www.sbdp.org.br/wp/wp-content/uploads/2018/04/PALMA-Juliana-A-proposta-de-lei-da-seguran%C3%A7a-jur%C3%ADdica.pdf.
[2] Confira-se: Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: d) inexistência dos motivos; grafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas: d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido.
[3] Veja-se: Art. 489, § 1º, § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
[4] Eis o dispositivo: Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: IV – decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.
 

Fonte: Conjur
 
 

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