Conservação dos “autos digitais”

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05 de maio3 min. de leitura

O ambiente online é a regra no ambiente forense, desde a audiência de conciliação, passando pelo atendimento via “balcão virtual” e com a tramitação do processo em novos procedimentos, como, por exemplo, o Juízo 100% digital ou os Núcleos de Justiça 4.0 – iniciativas necessárias ao contexto tecnológico vigente, adaptadas a um Poder Judiciário que, apenas em 2021, recebeu mais de 96,9% de processos em formato eletrônico, passando por ampla transformação digital a olhos vistos.

O processo inteiramente físico agora é a exceção; inclusive, a regra é clara: a partir de 1º de março de 2022, com base na Resolução n. 420, de 29 de setembro de 2021, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, tem-se a exigência obrigatória do recebimento apenas de processos em formato eletrônico nos Tribunais.

A conservação dos autos digitais, desde a inauguração do paradigma da informatização processual, nunca foi excludente. Pelo contrário, sempre permitiu a adaptação dos documentos a serem apresentados em juízo, de modo físico, sem qualquer óbice. Ademais, faz-se necessário o cuidado de documentos, provas e demais instrumentos probatórios que não são ou podem vir a ser digitalizáveis, seja pelo grande volume, por motivo de ilegibilidade ou em razão do meio em que foi produzido (papéis antigos e desgastados, radiografias, mídias, plantas e assemelhados).

A premissa supramencionada tem sua validação na Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que previa a entrega dos documentos físicos na unidade judicial (secretaria ou cartório) em até 10 dias após o peticionamento informando o fato – o que foi alterado pela Lei n. 14.318, de 29 de março de 2022, com o objetivo de atender e facilitar o encaminhamento desses documentos por advogados e cidadãos.

Fazendo uso do recente ditame, pretende-se complementar as atividades forenses com a criação do “protocolo integrado judicial”, que deverá ter caráter nacional e com vacatio legis de 730 dias – período um tanto quanto adequado.

De início, vale compreender o que não mudou e o que pode mudar? A Lei do Processo Eletrônico (Lei n. 11.419/2006), de modo inteligente, determinou que o detentor do documento original a ser inserido no processo deverá guardá-lo até o trânsito em julgado ou até o prazo da ação rescisória – e isto permanece. O atual modelo de inserção de documentos, vídeos e fotos ou documentos nato-digitais não mudou, mas sim, deve ser continuado pela via disponível (ex: PJe, e-Saj, e-Proc e demais) por cada Tribunal e sua equipe técnica.

Nesse viés, mantem-se o formato atual de protocolo eletrônico em Tribunais de jurisdição estadual ou nacional, com a entrega em juízo nos casos tão somente já especificados em que há inviabilidade técnica. Portanto, em nada muda o protocolo eletrônico ou uma nova necessidade de aditamento com o encaminhamento físico de documento já inserido nos autos digitais.

O que pode vir a mudar é o modo como se dará a entrega, pois, a alteração legislativa previu um protocolo de caráter nacional, isto é, pode haver uma nova modalidade de entrega e guarda de documentos pelos Poder Judiciário que, em perspectiva, atenderia as partes e aos Tribunais de forma alternativa via protocolo integrado judicial nacional, conforme preconiza o art. 3º, § 5º, da Lei n. 14.318/2022, in verbis:

 

Art. 3º O § 5º do art. 11 da Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006, passa a vigorar com a seguinte redação:

[…].

  • 5º Os documentos cuja digitalização seja tecnicamente inviável devido ao grande volume ou por motivo de ilegibilidade deverão ser apresentados ao cartório ou secretaria ou encaminhados por meio de protocolo integrado judicial nacional no prazo de 10 (dez) dias contado do envio de petição eletrônica comunicando o fato, os quais serão devolvidos à parte após o trânsito em julgado.

[…].

Ainda no campo das ideias, ante o prazo de implementação, as questões sobre o encaminhamento, a remessa dos documentos, a manutenção das informações e o gerenciamento nacional do sistema devem, em breve, passar por regulamentação, para que sejam padronizadas e funcionem de forma integrada à Plataforma Digital do Poder Judiciário – desenvolvida pelo CNJ.

Sem dúvida, a janela de oportunidades está aberta às inúmeras demandas, também necessárias, como, por exemplo, a regulamentação da citação eletrônica, do domicílio eletrônico; as comunicações em formato digital, inclusive, com a disponibilização do Diário de Justiça Eletrônico Nacional – DJEN e demais iniciativas em prol do aprimoramento, da evolução e da modernização do Poder Judiciário.

Também considerando a fluidez da temática “provas”, tem-se o atual desafio das provas digitais – sua integridade, guarda e criptografia, estreganografia e criptoanálise (tópicos apropriados para outros artigos).

De fato, importante consolidação do processo judicial eletrônico no Brasil se dará por meio desses reparos, para que não se criem empecilhos às necessárias mudanças e que atendam aos jurisdicionados excluídos digitalmente, em prol de substancial promoção de melhorias que estão por vir com o amplo Programa Justiça 4.0.

 

 

Tiago Carneiro Rabelo

Analista Judiciário do TJDFT.

Professor de Processo Judicial eletrônico (PJe) e Resoluções do CNJ (GranCursos).

Autor de diversos artigos sobre “Justiça Digital”.

Apresentou programa “Saber Direito” da TV Justiça (STF).

Rede social: @prof.tiagorabelo (instagram)

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