Doutrina OAB: sobre a obrigatoriedade de adesão à carta de direitos fundamentais da união europeia

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03 de setembro3 min. de leitura

Caras e caros colegas,

Dando continuidade ao tema da proteção dos direitos humanos/fundamentais em âmbito regional, falaremos hoje sobre a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que assumiu a forma de uma proclamação solene do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, sendo levada a cabo no dia 7 de dezembro de 2000.

Antes de adentrarmos ao conteúdo da Carta, convém ressaltar um pouco do contexto histórico para o seu surgimento. O objetivo da Carta foi o de codificar os direitos já consagrados em outros documentos, como a Carta das Nações Unidas, o CEDH e seus protocolos, nos Tratados da União e das Comunidades, além da jurisprudência, tanto do Tribunal de Justiça Europeu quanto do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, considerando, ainda, as tradições constitucionais comuns aos Estados-membros.

Com isso, o texto da Carta compila simultaneamente direitos civis, políticos, sociais, culturais e econômicos já reconhecidos, o que possibilita a afirmação da incindibilidade desses direitos, além de atualizar a formulação dos direitos já previstos, ampliando-os e complementando-os com novos direitos (QUADROS, 2013, p. 204-205).

Dentre os direitos arrolados pela Carta, destacamos a menção da dignidade da pessoa humana como um direito autônomo e absolutamente inviolável pelo art. 1º, o que possui um papel simbólico muito relevante, que se coaduna aos paradigmas do constitucionalismo contemporâneo.

Antes do Tratado de Lisboa, existia intensa discussão sobre a judicialidade da Carta, pois alguns defendiam que se tratava apenas de uma carta política, portanto, sem normatividade. Após o mencionado tratado, ficou claro que a Carta consiste num acordo de natureza jurídica (Tratado), sendo obrigatória e vinculante para os seus destinatários, conforme previsão do art. 6º, n.º 1. Resta saber, contudo, quais seriam esses destinatários.

A Carta obriga, segundo previsão expressa do art. 51º, n.º 1, todos os órgãos, instituições e organismos da União, aplicando-se de forma limitada aos Estados-membros, pois estes só estão obrigados pela Carta apenas quando aplicam o Direito da União. Também todas as pessoas que estiverem sob a jurisdição dos Estados-membros são destinatários da Carta, excluídos apenas os direitos intrinsecamente ligados à cidadania da União.

O preâmbulo das suas Anotações (uma espécie de preâmbulo) deixa claro que, embora não tenha força de lei, seu texto constitui valioso instrumento de interpretação, destinado a tornar mais claras as disposições contidas na Carta. A própria Carta, em seu art. 52º, n.º 7, impõe que a interpretação dos direitos fundamentais tenha em conta as Anotações, fazendo com que alguns autores defendam o valor jurídico desses escritos (QUADROS, 2013, p. 215).

O principal obstáculo formal à adesão da União Europeia à CEDH, apontado pelo Parecer n. 2/94 do TJ, era o fato dos Tratados não reconhecerem às Comunidades e à União atribuições em matérias de direitos fundamentais. Isso muda com a aprovação do Tratado de Lisboa, que incluiu no referido tratado a obrigação de adesão à CEDH por parte da União.

Algo que se deve levar em consideração é a possibilidade de que, sem a adesão, haja uma Europa a “duas velocidades” no que se refere aos direitos fundamentais. Sobre essas duas Europas em velocidades distintas, transcrevo relevante trecho do Manual de Direito da União Europeia, do Dr. Fausto de Quadros:

(…) uma, a da CEDH, englobando particularmente a Europa do Leste; outra, a da Carta. À partida trata-se de uma realidade inevitável: por um lado, não é possível a aplicação da Carta a Estados partes na CEDH e não membros da União Europeia; por outro lado, não é legítimo impedir-se aos Estados-membros da União Europeia de, como decorre do citado art. .52º n.º 3, da Certa, acolherem e adotarem na Carta um nível de proteção dos direitos fundamentais superior ao fornecido pela CEHD (…) A solução está em, por um lado, se interpretar a Carta e a CEDH, somadas às tradições constitucionais comuns aos Estados-membros, como um conjunto entre si complementar, harmonioso e coerente e, por outro lado – o que não costuma ser referido -, em se atualizar, para se aperfeiçoar, a CEHD (…) (QUADROS, 2013, p. 227-228).

No sistema global de proteção dos direitos fundamentais, se entrelaçam, portanto, três fontes: a Carta, a CEDH e as tradições constitucionais dos Estados-membros. A complementariedade dessas disposições possibilitam a construção da ideia de um “Direito da União Europeia sobre Direitos Fundamentais” ou “Direito da União Europeia sobre Direitos do Homem” (QUADROS, 2013, p. 234).

Por fim, ressalte-se que a principal crítica que pode ser feita à Carta reside no fato de esta não prever os deveres dos cidadãos. Pois, como bem afirma Quadros: ”Não há liberdade sem deveres, não há democracia sem civismo, não há cidadania sem responsabilidade – e a Carta deve, desde logo por razões de pedagogia política, acolher e passar esta mensagem” (QUADROS, 2013, p. 234-235).

E vocês, o que acham sobre o tema?

Até breve,

Chiara Ramos

Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012. Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.

 

QUADROS, Fausto. Direito da União Europeia. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2013.

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