Exibição de documentos e multa cominatória

Poderia a multa diária ser imposta à parte contrária que se recusa a entregar o documento?

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14 de agosto3 min. de leitura

Muitas vezes, a parte sabe que uma prova importante (às vezes cabal) de seu direito está em um documento que se encontra nas mãos da parte contrária. Assim, é comum ver pedidos de exibição de documentos. Neste caso, constatado que a parte tem grande probabilidade de possuir o referido documento, poderia o juiz determinar a exibição cumulada com multa diária?

Classicamente, quando se trata de direitos disponíveis, a jurisprudência não admitia essa possibilidade. Um dos motivos decorria do fato de que a lei já estabelecia uma consequência, qual seja a presunção de veracidade dos fatos que se queria provar com o documento. Veja o art. 359 do antigo do CPC de 1973:

“Art. 359. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar:
I – se o requerido não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração no prazo do art. 357;
II – se a recusa for havida por ilegítima.”

    Além disso, o juiz poderia determinar a busca e apreensão do documento.

Quanto ao tema, o Superior Tribunal de Justiça inclusive possui a Tese do Tema 705 da Lista de Repercussão Geral:

“Descabimento de multa cominatória na exibição, incidental ou autônoma, de documento relativo a direito disponível.”

    Apenas para fixar, veja um julgado desta Corte Superior sobre o tema:

“Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, na ação de exibição de documentos não cabe aplicar multa cominatória (Súmula 372 do STJ). Esse entendimento aplica-se, pelos mesmos fundamentos, para afastar a cominação de multa diária para forçar a parte a exibir documentos em medida incidental no curso de ação ordinária. Precedentes. (…)” (AgRg no REsp 1310944/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, 4ª T., julgado em 17/09/2015, DJe 24/09/2015)

    Parte significativa da jurisprudência trabalhista também admitia essa regra, mesmo sendo boa parte dos direitos trabalhistas imantados de indisponibilidade relativa ou até mesmo absoluta. Observe esse julgado do Tribunal Superior do Trabalho:

“(…) O CPC de 1973, legislação em vigor à época da decisão recorrida, ao tratar da exibição de documentos, estabeleceu medidas judiciais específicas quando do descumprimento injustificado de decisão que determina a exibição de documentos, quais sejam: a) presunção relativa de veracidade dos fatos alegados pela parte que pretendia fazer prova com os documentos não apresentados (artigo 359); e b) determinação de busca e apreensão do documento sonegado, inclusive quando estiver em poder de pessoa diversa da requerida (artigo 362). Em vista disso, não há lugar para a aplicação da multa cominatória (astreintes) quando a parte deixa de cumprir determinação de exibição de documentos, seja em ação principal, como medida incidental, ou em ação cautelar autônoma. Precedentes de Turmas deste Tribunal Superior e do STJ. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento” (RR-1782-27.2013.5.12.0002, 5ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 01/07/2016).

    No entanto, na prática, a ausência de multa, muitas vezes, estimulava indiretamente o réu a não exibir o documento. Isso porque, para aquele réu que possui o documento parecia ser mais interessante esconder o documento (que, se mostrado, comprovaria o direito do autor e traria a certeza da derrota para o réu) e, com isso, criar dificuldade para o juiz julgar o processo. De fato, como a presunção de veracidade é relativa, o réu ainda teria uma chance de sair vitorioso se convencesse o juiz do contrário.

Ocorre que tudo está para mudar. O art. 400 do CPC de 2015 ampliou substancialmente as medidas judiciais passíveis de serem adotadas. Leia o preceito inteiro:

“Art. 400. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se:
I – o requerido não efetuar a exibição nem fizer nenhuma declaração no prazo do art. 398 ;
II – a recusa for havida por ilegítima.
Parágrafo único. Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido.”

    Nesse novo contexto normativo, será que não poderia o juiz estabelecer uma multa pelo descumprimento da exibição com base no parágrafo único? Muitos doutrinadores passaram a defender essa possibilidade.

Na verdade, a adoção de multa seria uma espécie de medida coercitiva. Neste ponto, vale lembrar de que a fixação de multa se insere nos poderes do juiz com base no art. 139, IV, do CPC, o qual possui redação muito similar ao art. 400, parágrafo único, do CPC:

“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;”

    A grande novidade, em termos de precedente, veio com o Superior Tribunal de Justiça, que julgou o Tema 1000 da Lista de Repetitivos e admitiu, em 2021, a possibilidade de imposição de multa. Leia a tese fixada:

“Desde que prováveis a existência da relação jurídica entre as partes e de documento ou coisa que se pretende seja exibido, apurada em contraditório prévio, poderá o juiz, após tentativa de busca e apreensão ou outra medida coercitiva, determinar sua exibição sob pena de multa com base no art. 400, parágrafo único, do CPC/2015”.

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