Nulidade de cláusula normativa que reduz indiretamente a proteção da pessoa com deficiência

TST invalida cláusula de Convenção Coletiva nesse sentido

Avatar


18 de agosto4 min. de leitura

É notório que o legislador adota uma série de medidas para promover a inclusão de diversas pessoas no mercado de trabalho de maneira a consagrar a igualdade material. Trata-se de políticas afirmativas no âmbito do Direito do Trabalho.

O estabelecimento de reserva de vagas para contratação de pessoas com deficiência ilustra uma concretização dessa política e se encontra previsto no art. 93, caput, da Lei 8.213/91:

“Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I – até 200 empregados………………………………………………2%;
II – de 201 a 500………………………………………………………..3%;
III – de 501 a 1.000…………………………………………………….4%;
IV – de 1.001 em diante……………………………………………..5%.”

    No entanto, surge uma questão interessante: poderia uma norma coletiva excluir da base de cálculo mencionada no preceito transcrito determinadas funções? Poderia, por exemplo, a norma coletiva informar que determinadas vagas de emprego para certas funções não podem ser computadas na quantidade total de empregados?

É fato que, em diversas matérias, o negociado pode prevalecer sobre o legislado, conforme se constata no art. 611-A da CLT, o qual apresenta um rol exemplificativo. No entanto, não se pode esquecer que normas coletivas somente podem afetar os interesses daqueles que são representados pelo sindicato obreiro signatário.

Por outro lado, a proteção que é dirigida pela lei às pessoas com deficiência não cuida de direito limitado a um grupo ou uma categoria. Pelo contrário, trata-se de um interesse difuso. Interessam a toda a sociedade a tutela e inserção social da pessoa com deficiência, reforçando a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho.

Logo, não se insere na representação sindical dos signatários de uma convenção coletiva afastar a tutela que interessa a todos os membros do corpo social. Assim, falta à entidade sindical convenente capacidade para tratar desse tema, além de haver uma ilicitude do objeto negociado, por afastar uma proteção criada por norma de ordem pública.

Registre-se que, ainda que se admita a intervenção mínima na autonomia privada coletiva, os elementos de validade do negócio jurídico devem estar presentes, conforme preceitua o art. 8º, § 3º, da CLT:

“Art. 8º (…)
§ 3º No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.”

    Diante desse quadro, deve-se reconhecer a invalidade da norma coletiva. Aliás, nesse ponto, o Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a nulidade dessa cláusula, como se nota no seguinte recente julgado da Seção de Dissídios Coletivos:

“(…) CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA – CONTRATAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. A norma impugnada encontra-se fixada em instrumento normativo que vigorou pelo período de 1/1/2018 a 31/12/2018, portanto, já na vigência da Lei nº 13.467/2017. Quando instada pela via da ação anulatória, compete à Justiça do Trabalho, por meio dos seus Tribunais, apreciar o teor das normas firmadas em instrumento normativo autônomo, à luz do ordenamento jurídico vigente. E, se for o caso, extirpar do diploma negociado pelos seres coletivos as regras que retiram direitos assegurados por norma estatal de caráter indisponível. O art. 7º, XXVI, da Constituição Federal de 1988, assegura o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, que são elaborados e firmados pelos entes coletivos. A autonomia de vontade dos seres coletivos, manifestada mediante os instrumentos normativos autônomos, encontra limite nas normas heterônomas de ordem cogente, que tratam de direitos de indisponibilidade absoluta e normas constitucionais de ordem e de políticas públicas. O art. 611 da CLT dispõe que “Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho”. Efetivamente, a autonomia coletiva dos sindicatos, assegurada pela Carta Magna, abrange a elaboração de normas de natureza coletiva, atinentes às condições aplicadas no âmbito das relações bilaterais de trabalho. No caso, a primeira questão que deve ser examinada nesta ação anulatória é se a matéria objeto da cláusula tem natureza coletiva. Observa-se que, ao excluir ” copeira, limpador de vidro, porteiro/controlador de acesso/fiscal de piso, zeladoria em próprios públicos, dedetizador/assemelhado, técnico em desentupimento, auxiliar em desentupimento, auxiliar de manutenção, hidrojatista, operador de varredeira motorizada, operador de vácuo (caminhões limpa fossa), coveiro/sepultador, tratador de animais em zoológico, varredor de áreas públicas privadas (pátios/ruas), agente de higienização, auxiliar de limpeza e assemelhados ” do cômputo na base de cálculo da cota prevista no artigo 93 da lei nº 8.213/91 e artigo 141 do Decreto nº 3.048/99, a norma impugnada trata de matéria que envolve interesse difuso (direito indivisível em que são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato), no caso, interesse das pessoas com deficiência. Ou seja, a regra ora atacada transpassa o interesse coletivo das categorias representadas, para alcançar e regular direito difuso, tratando-se, inclusive, de matéria de ordem e de políticas públicas, e, por isso, não é passível de regulação pela via da negociação coletiva. Há, portanto, flagrante violação do art. 611 da CLT, que autoriza a pactuação de instrumento normativo autônomo (convenção coletiva de trabalho) entre dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais, a fim de fixar condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho. Nessa condição, contata-se que a cláusula não atende os requisitos de validade estabelecidos no art. 104 do CCB, notadamente quanto à falta da capacidade dos agentes convenentes, para consentir e de dar função à regra, cujo objeto, repita-se, ultrapassa os interesses coletivos das categorias representadas, avançando sobre interesse de caráter difuso, que não são passíveis de negociação coletiva. Esta SDC já se pronunciou algumas vezes no sentido de declarar a nulidade de cláusula que trata de matéria estranha ao âmbito das relações bilaterais de trabalho, por afronta ao art. 611 da CLT (há julgados da SDC). Acrescente-se que, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proibição de discriminação no tocante ao salário e aos critérios de admissão do trabalhador com deficiência (art. 7º, XXXI, da CF), da isonomia (art. 5º, “caput”, da CF) e da valorização do trabalho (art. 170, III, da CF), a jurisprudência desta Corte Superior orienta-se no sentido de que o art. 93 da Lei nº 8.213/91, estabeleceu cota mínima para contratação de pessoas com deficiência ou reabilitados pela Previdência Social com base no percentual de incidência sobre o número total de empregados da empresa, não estabelecendo nenhuma ressalva ou exceção de cargos ou atividades para o cômputo do cálculo. Recurso ordinário a que se nega provimento. (…)” (ROT-1001078-69.2019.5.02.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 20/05/2021).

Avatar


18 de agosto4 min. de leitura