Segundo Kiyoshi Harada (2009), os crimes de sonegação fiscal definidos na Lei n. 4.729/1965 deram lugar aos chamados crimes contra a ordem tributária, definidos na Lei n. 8.137/1990.
Inquérito Policial
Conforme a jurisprudência e a doutrina, a circunstância de não conclusão do procedimento administrativo fiscal visando à constituição do crédito tributário impede a investigação policial e a instauração de inquérito policial do crime contra a ordem tributária sobre o mesmo fato.
Vejamos o que decidiu o STF:
Ementa: Habeas corpus. Denegação de medida liminar. Súmula nº 691/STF. Situações excepcionais que afastam a restrição sumular. Crimes Contra a Ordem Tributária (Lei nº 8.137/1990, art. 1º). Crédito tributário ainda não constituído definitivamente. Procedimento administrativo‑fiscal ainda em curso quando oferecida a denúncia. Ajuizamento prematuro da ação penal. Impossibilidade. Ausência de tipicidade penal. Reconhecimento da configuração de conduta típica somente possível após a definitiva constituição do crédito tributário. Inviabilidade da instauração da persecução penal, mesmo em sede de inquérito policial, enquanto a constituição do crédito tributário não se revestir de definitividade. Ausência de justa causa para a persecutio criminis, se instaurado inquérito policial ou ajuizada ação penal antes de encerrado, em caráter definitivo, o procedimento administrativo‑fiscal. Ocorrência, em tal situação, de injusto constrangimento, porque destituída de tipicidade penal a conduta objeto de investigação pelo poder público. Consequente impossibilidade de prosseguimento dos atos persecutórios. Invalidação, desde a origem, por ausência de fato típico, do procedimento judicial ou extrajudicial de persecução penal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus conhecido, em parte, e, nessa parte, deferido. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, sempre em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, hic et nunc, da Súmula nº 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade. Precedentes. Hipótese ocorrente na espécie. Enquanto o crédito tributário não se constituir, definitivamente, em sede administrativa, não se terá por caracterizado, no plano da tipicidade penal, o crime contra a ordem tributária, tal como previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/1990. É que, até então, não havendo sido ainda reconhecida a exigibilidade do crédito tributário (an debeatur) e determinado o respectivo valor (quantum debeatur), estar‑se‑á diante de conduta absolutamente desvestida de tipicidade penal. A instauração de persecução penal, desse modo, nos crimes contra a ordem tributária definidos no art. 1º da Lei nº 8.137/1990 somente se legitimará, mesmo em sede de investigação policial, após a definitiva constituição do crédito tributário, pois, antes que tal ocorra, o comportamento do agente será penalmente irrelevante, porque manifestamente atípico. Precedentes. Se o Ministério Público, no entanto, independentemente da “representação fiscal para fins penais” a que se refere o art. 83 da Lei nº 9.430/1996, dispuser, por outros meios, de elementos que lhe permitam comprovar a definitividade da constituição do crédito tributário, poderá, então, de modo legítimo, fazer instaurar os pertinentes atos de persecução penal por delitos contra a ordem tributária. A questão do início da prescrição penal nos delitos contra a ordem tributária. Precedentes.” [1]
Ação Penal
De acordo com a Súmula 609 do STF, é pública incondicionada a ação penal por crime contra a ordem tributária. Nestes crimes, o oferecimento de denúncia depende da conclusão de procedimento administrativo fiscal, mesmo que se trate de ação penal pública incondicionada.
No sítio do Supremo Tribunal Federal, foi veiculada a seguinte notícia:
PSV 29 – Necessidade de lançamento definitivo do tributo para tipificar crime tributário. A Proposta de Súmula Vinculante (PSV 29) foi a mais debatida em Plenário, a partir da intervenção da vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat. A representante do Ministério Público alertou que embora houvesse condições formais para a aprovação da súmula, a matéria não estava madura o suficiente para tornar-se vinculante. A PSV foi aprovada por maioria de votos, vencidos os ministros Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Marco Aurélio. A maioria dos ministros, entretanto, aprovou a nova súmula no sentido de que não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo. Relator da PSV, o ministro Cezar Peluso afirmou que a jurisprudência do STF atualmente não admite processo-crime sem que esteja predefinido o crédito, embora a posição da Corte esteja baseada em fundamentos concorrentes – a respeito da condição de procedibilidade e da inexistência de elemento normativo do tipo penal, por exemplo. “Nós temos um conjunto de fundamentos, mas isto não é objeto da súmula. O objeto da súmula é a conclusão da Corte de que não há possibilidade de exercício de ação penal antes da apuração da existência certa do crédito tributário que se supõe sonegado”, explicou Peluso. Verbete: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”.
Assim foi editada a Súmula Vinculante 24:
Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.
Em relação ao crime de descaminho, não há necessidade de conclusão do procedimento administrativo fiscal, como fora decidido pela 5ª Turma do STJ:
É desnecessária a constituição definitiva do crédito tributário por processo administrativo-fiscal para a configuração do delito de descaminho (art. 334 do CP). Isso porque o delito de descaminho é crime formal que se perfaz com o ato de iludir o pagamento de imposto devido pela entrada de mercadoria no país, razão pela qual o resultado da conduta delituosa relacionada ao quantum do imposto devido não integra o tipo legal. A norma penal do art. 334 do CP– elencada sob o Título XI: “Dos Crimes Contra a Administração Pública” – visa proteger, em primeiro plano, a integridade do sistema de controle de entrada e saída de mercadorias do país como importante instrumento de política econômica. Assim, o bem jurídico protegido pela norma é mais do que o mero valor do imposto, engloba a própria estabilidade das atividades comerciais dentro do país, refletindo na balança comercial entre o Brasil e outros países. O produto inserido no mercado brasileiro fruto de descaminho, além de lesar o fisco, enseja o comércio ilegal, concorrendo, de forma desleal, com os produzidos no país, gerando uma série de prejuízos para a atividade empresarial brasileira. Ademais, as esferas administrativa e penal são autônomas e independentes, sendo desinfluente, no crime de descaminho, a constituição definitiva do crédito tributário pela primeira para a incidência da segunda. HC 218.961-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 15/10/2013.
Vale lembrar que, mesmo havendo o pagamento do débito tributário por parte do contribuinte, haverá a responsabilização do funcionário público que cometeu o crime contra a Administração Pública Fazendária:
Em se tratando de crimes funcionais contra a ordem tributária, mesmo que o tributo seja pago, ou que haja a extinção da punibilidade do contribuinte, remanesce (persiste) a responsabilidade penal do funcionário público, já que os crimes previstos no art. 3º da Lei 8.137/90 não ofendem apenas a ordem tributária, mas também a moralidade administrativa, constituindo verdadeiros delitos contra a administração Pública previstos em Legislação Penal Especial. (HC 137.462/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 17/11/2011)
Representação Fiscal
O STF entende que os crimes previstos na Lei n. 8.137/1990 são de ação penal pública incondicionada e que a representação fiscal nada mais é do que peça de informação endereçada ao Ministério Público:
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 83 da Lei nº 9.430, de 27/12/1996. 3. Arguição de violação ao art. 129, I, da Constituição. Notitia criminis condicionada “à decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário”. 4. A norma impugnada tem como destinatários os agentes fiscais, em nada afetando a atuação do Ministério Público. É obrigatória, para a autoridade fiscal, a remessa da notitia criminis ao Ministério Público. 5. Decisão que não afeta orientação fixada no HC nº 81.611. Crime de resultado. Antes de constituído definitivamente o crédito tributário não há justa causa para a ação penal. O Ministério Público pode, entretanto, oferecer denúncia independentemente da comunicação, dita “representação tributária”, se, por outros meios, tem conhecimento do lançamento definitivo. 6. Não configurada qualquer limitação à atuação do Ministério Público para propositura da ação penal pública pela prática de crimes contra a ordem tributária. 7. Improcedência da ação. [2]
Condição Objetiva de Punibilidade ou Condição de Procedibilidade
O exaurimento do processo administrativo fiscal não é condição de procedibilidade da ação penal, mas sim condição objetiva de punibilidade do crime tributário, senão vejamos o que decidiu o STJ:
Processual penal. Habeas corpus. Delito tributário. Lançamento condição objetiva de punibilidade. Ministério Público. Ação penal. Início. Impossibilidade. Requisição. Informações bancárias e fiscais. Intervenção judicial. Inexistência. Prova ilícita. Ordem concedida.
1. O lançamento definitivo é conditio sine qua non para a constituição do crédito tributário, de modo que, sem ele, não há que se falar em supressão de tributo e, portanto, inexiste a necessária legitimidade para instauração da ação penal;
2. Sendo o exaurimento do processo administrativo‑fiscal de lançamento condição objetiva de punibilidade do delito tributário, a sua falta configura‑se barreira intransponível ao Parquet para iniciar a persecutio in judicio, pois além de ensejar constrangimento ilegal, será de todo inútil;
3. O Ministério Público não detém o poder de, per se, determinar a quebra de sigilo fiscal e bancário, mas somente quando for precedida da devida autorização judicial, pena de macular de ilícita a prova obtida e, assim, imprestável para o fim de sustentar a ação penal ou decisão condenatória;
4. Ordem concedida para trancar o processo criminal.[3]
Recurso em habeas corpus. Direito Penal e Direito Processual Penal. Crime Contra a Ordem Tributária. Quebra de sigilo. Prova ilícita. Inocorrência. Exaurimento da instância administrativa. Condição objetiva de punibilidade. Ausência de justa causa.
A representação fiscal, dirigida ao Ministério Público para fins penais, substancia cumprimento de dever legal, compreendendo, por certo, o de instrução adequada com os elementos documentais que certificam o ilícito penal tributário, no caso, as declarações do imposto de renda do imputado autor. 2. A falta de decisão definitiva do processo administrativo, em tema de crimes contra a ordem tributária, porque condição objetiva de punibilidade, na luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, impede a propositura da ação penal, com suspensão do prazo prescricional. 3. Recurso improvido. Habeas corpus de ofício. [4]
Conclusão do Procedimento Administrativo Fiscal e Ação Penal
De acordo com a jurisprudência do STF, o Ministério Público não poderá ajuizar ação penal no crime de sonegação fiscal enquanto não estiver encerrado o processo administrativo fiscal e lançado o crédito tributário. Vejamos:
Recurso em habeas corpus. Crime Contra a Ordem Tributária e outros crimes. Sonegação. Procedimento administrativo. Exaurimento. Condição de procedibilidade. Ação penal.
Na linha do que vem delineando o Supremo Tribunal Federal, somente é possível o início da ação penal em relação a crime de sonegação quando o procedimento administrativo em curso for definitivamente concluído, já que discutível, ainda, o lançamento tributário. In casu, comprova‑se nos autos a controvérsia administrativo‑fiscal, por onde a nova interpretação da Suprema Corte vem autorizando o trancamento da ação penal. Recurso provido para trancar a ação penal em relação ao crime de sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/1990), sem prejuízo da futura ação penal, com o término do procedimento administrativo, HC nº 37.401/SP prejudicado. [5]
Ementa: Penal. Processual penal. Crime Contra a Ordem Tributária. Lei nº 8.137/1990, art. 1º. I – Condenação fundada em representação fiscal que demonstra que o paciente teria omitido nas declarações de renda bens sem origem justificada, com a finalidade de burlar o fisco. II – Falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137, de 1990, enquanto não constituído, em definitivo, o crédito fiscal pelo lançamento. HC nº 81.611/DF, Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, 10/12/2003. II – No caso, o crédito fiscal já está constituído, visto que o procedimento administrativo fiscal instaurado contra o paciente foi concluído em 1994. III – HC indeferido. [6]
Ementa: habeas corpus. Penal. Processual penal. Crime Contra a Ordem Tributária. Representação fiscal. Suspensão do curso da ação penal. Decisão definitiva do procedimento administrativo fiscal. Condição de procedibilidade da ação penal. Lavagem de dinheiro. Crime autônomo. 1. Denúncia carente de justa causa quanto ao crime tributário, pois não precedeu da investigação fiscal administrativa definitiva a apurar a efetiva sonegação fiscal. Nesses crimes, por serem materiais, é necessária a comprovação do efetivo dano ao bem jurídico tutelado. A existência do crédito tributário é pressuposto para a caracterização do crime contra a ordem tributária, não se podendo admitir denúncia penal enquanto pendente o efeito preclusivo da decisão definitiva em processo administrativo. Precedentes. 2. O crime de lavagem de dinheiro, por ser autônomo, não depende da instauração de processo administrativo‑fiscal. Os fatos descritos na denúncia, se comprovados, podem tipificar o crime descrito na norma penal vigente, devendo, quanto a este, prosseguir a ação penal. Precedentes. 3. Habeas corpus parcialmente concedido. [7]
Da Extinção de Punibilidade
Magistral a lição de Kyioshy Harada (2009) sobre a questão da extinção da punibilidade:
O art. 14 da Lei nº 8.137/1990, em sua redação original, versava sobre extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia, a exemplo do que prescrevia o art. 2º da Lei nº 4.729/1965.
À luz desse dispositivo formou‑se a jurisprudência no STF segundo a qual somente o pagamento da última parcela do crédito tributário fracionado tem o condão de extinguir a punibilidade, podendo em consequência, quando for o caso, ser recebida a denúncia: RTJ nº 163/885.
Esse art. 14 veio a ser revogado pelo art. 98 da Lei nº 8.383/1991. Porém, por força do princípio da ultratividade das normas penais, aquela disposição do art. 14 continuou sendo aplicada em relação aos fatos ocorridos durante a sua vigência. Aliás, é nosso entendimento de que o pagamento antes da denúncia exclui a responsabilidade nos termos do art. 138 do CTN. E mais, nos crimes contra a ordem tributária o bem jurídico tutelado é o Erário. Não se trata de retirar de circulação elemento que represente ameaça à sociedade.
Posteriormente, o art. 34 da Lei nº 9.249/1995 reintroduziu a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária pelo pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia. Em face do princípio da retroatividade da lei benigna (art. 5º, XL, da CF) o preceito do art. 34 tem aplicação a todos os casos, inclusive, àqueles já definitivamente julgados. […]
Na vigência do art. 14 da Lei nº 8.137/1990 e do art. 34 da Lei nº 9.249/1995 firmou‑se a Jurisprudência no sentido de que somente com a extinção total do crédito tributário é possível reconhecer a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária, não bastando a existência de mero parcelamento em curso: RTJ nº 171/505 e RTJ nº 177/1321.
Na vigência dos diplomas legais retro referidos nenhum efeito provocava na esfera penal o acolhimento do pedido de parcelamento do crédito tributário. Não cogitava a jurisprudência de suspensão da pretensão punitiva do Estado na pendência de parcelamento. Os dispositivos legais pertinentes (arts. 14 da Lei nº 8.137/1990 e 34 da Lei nº 9.245/1995) eram aplicados literalmente, sem qualquer flexibilização. Entretanto, não se permitia a instauração de ação penal na pendência de processo administrativo tributário originário de impugnação do lançamento tributário, por força do art. 83 da Lei nº 9.430/1996, que proíbe a representação penal enquanto não encerrado definitivamente o processo administrativo tributário. Essa norma, impugnada pelo MPF, foi considerada constitucional pelo Plenário do STF (Adin nº 1571-1-DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 19/12/2003).
A suspensão da pretensão punitiva do Estado só veio a ser prevista no art. 15 da Lei nº 9.964/2000, que instituiu o Refis. Incluídos os créditos tributários no regime de parcelamento antes do recebimento da denúncia opera‑se a suspensão da pretensão punitiva concomitantemente com a suspensão da prescrição criminal (§ 1º do art. 15). A extinção de punibilidade, todavia, só ocorrerá com o pagamento integral dos tributos sob o regime de parcelamento (§ 3º do art. 15). Com a quitação total do crédito tributário a suspensão da pretensão punitiva convola‑se em extinção da punibilidade. Nesse sentido a jurisprudência do STF: RHC nº 89.618-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio.
Atualmente, vigora o art. 9º da Lei nº 10.684, de 30/5/2003, vazado nos seguintes termos: “Art. 9º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto‑Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período da suspensão da pretensão punitiva.
§ 2º Extingue‑se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”.
O caput do art. 9º suspende a pretensão punitiva do Estado com a adesão do contribuinte inadimplente ao regime de pagamento parcelado (Refis I, Refis II, Paex etc.). Não mais existe a restrição do diploma legal anterior que condicionava a adesão ao programa de parcelamento antes do recebimento da denúncia. O § 1º, de forma lógica e harmônica, suspende igualmente a prescrição criminal porque a extinção da punibilidade dar‑se‑á apenas com o pagamento total da dívida tributária. Nesse sentido, a jurisprudência do STF: HC nº 90.591/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; RHC nº 89.152/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.
Se o contribuinte for excluído do regime de pagamento parcelado, a pretensão punitiva do Estado fica ipso fato reativada, podendo prosseguir o inquérito policial, bem como ocorrer o recebimento da denúncia e a instauração da ação penal. Entretanto, se do ato de exclusão tiver sido interposto recurso administrativo, por força do princípio constitucional do contraditório e ampla defesa, enquanto em tramitação o respectivo processo administrativo tributário, a pretensão punitiva do Estado continuará suspensa.
Por derradeiro, cumpre analisar o disposto no § 2º do art. 9º da Lei nº 10.684/2003, que tem uma abrangência maior que a norma do caput que tem natureza temporária. A extinção da punibilidade proclamada pelo § 2º não está vinculada ao pagamento integral de débitos tributários incluídos no Refis II. O texto refere‑se, com lapidar clareza, ao pagamento de “débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”. Não mais existe a relação entre a adesão ao programa de parcelamento e a extinção da punibilidade, como estava no § 3º do art. 15 da Lei nº 9.964/2000, que instituiu o Refis I.
Agora, o pagamento integral do débito tributário, a qualquer tempo, incluído ou não no programa de parcelamento, extingue a pretensão punitiva do Estado. O legislador partiu para a despenalização completa na hipótese de pagamento integral do débito tributário, com o que se tem por satisfeito o interesse público tutelado. Seria uma iniquidade não reconhecer a extinção da punibilidade ao contribuinte devedor que paga, de uma só vez, a totalidade do débito tributário e, ao mesmo tempo, reconhecer essa extinção da pretensão punitiva do Estado em relação ao contribuinte devedor que paga a última prestação decorridos mais de dez anos. Nesse sentido evoluiu a Jurisprudência da Corte Suprema: HC nº 81.929-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso; HC nº 83.414-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa.
Por oportuno, esclareça‑se que a norma do § 2º do art. 9º da Lei nº 10.684/2003 – extinção da punibilidade pelo pagamento a qualquer tempo – tem aplicação aos casos presentes, futuros e passados. Quem estiver cumprindo pena decorrente de condenação por crime contra ordem tributária poderá obter alvará de soltura mediante pagamento integral do tributo devido acrescido de acessórios.
Concluímos que, nos crimes contra a ordem tributária, extingue‑se a punibilidade ainda que o agente promova o pagamento integral da dívida depois do oferecimento da denúncia.
Vejamos o que já decidiu o STJ:
Habeas corpus. Falsidade ideológica e crime contra ordem tributária. Falso praticado exclusivamente com a finalidade de reduzir o tributo a ser recolhido. Crime‑meio absorvido pelo crime‑fim. Princípio da consunção. Pagamento integral do débito tributário antes do recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Ordem concedida.
1 – Caracterizado que a redução do imposto a ser recolhido era o objetivo pretendido pelos pacientes, sendo a declaração falsa o meio empregado à consumação do delito, constituindo, assim, fase obrigatória e necessária do iter criminis, deve a falsidade ser absorvida pelo crime contra a ordem tributária. 2 – Deve ser extinta a punibilidade da ação penal que apura o ilícito tributário quando estiver demonstrado nos autos que houve o recolhimento do imposto devido, com os respectivos acréscimos, antes do recebimento da denúncia. Precedentes. 3 – Ordem concedida para trancar a ação penal em relação aos pacientes, estendendo‑se, de ofício, os efeitos da decisão ao corréu Valério Binazzi, nos termos do art. 580 do CPP.[8]
Por fim, o pagamento do débito tributário realizado mesmo após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória também extingue a punibilidade do agente.
QUESTÃO DE CONCURSO
(FGV/PC-RJ/INSPETOR DE POLÍCIA/2008/QUESTÃO 75) O Supremo Tribunal Federal decidiu que os crimes previstos no art. 1º da Lei n. 8.137/1990 são crimes materiais. Isso significa que:
- a) é preciso aguardar o término do procedimento administrativo-fiscal em que seja constatada a efetiva redução ou supressão do tributo para ajuizar a ação penal por crime de sonegação fiscal.
- b) é preciso que a denúncia venha acompanhada de laudo pericial subscrito por dois peritos oficiais atestando a falsificação da Certidão Negativa de Débitos Fiscais.
- c) o autor do crime terá a pena aumentada em 1/3 a 2/3.
- d) não será instaurado inquérito para apuração da conduta do funcionário que patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público.
- e) a lei foi revogada.
Gabarito: a
Comentário: A alternativa a está de acordo com a Súmula Vinculante 24 do STF:
Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.
De acordo com a jurisprudência do STF, o Ministério Público não poderá ajuizar ação penal no crime de sonegação fiscal quando estiver encerrado o processo administrativo fiscal e o crédito tributário lançado. Senão, vejamos:
Recurso em habeas corpus. Crime Contra a Ordem Tributária e outros crimes. Sonegação. Procedimento administrativo. Exaurimento. Condição de procedibilidade. Ação penal. Na linha do que vem delineando o Supremo Tribunal Federal, somente é possível o início da ação penal em relação a crime de sonegação quando o procedimento administrativo em curso for definitivamente concluído, já que discutível, ainda, o lançamento tributário. In casu, comprova-se nos autos a controvérsia administrativo-fiscal, por onde a nova interpretação da Suprema Corte vem autorizando o trancamento da ação penal. Recurso provido para trancar a ação penal em relação ao crime de sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/1990), sem prejuízo da futura ação penal, com o término do procedimento administrativo, HC nº 37.401/SP prejudicado. 11 Ementa: Penal. Processual penal. Crime Contra a Ordem Tributária. Lei nº 8.137/1990, art. 1º. I – Condenação fundada em representação fiscal que demonstra que o paciente teria omitido nas declarações de renda bens sem origem justificada, com a finalidade de burlar o fisco. II – Falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da Lei nº 8.137, de 1990, enquanto não constituído, em definitivo, o crédito fiscal pelo lançamento. HC nº 81.611/DF, Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, 10/12/2003.
II – No caso, o crédito fiscal já está constituído, visto que o procedimento administrativo fiscal instaurado contra o paciente foi concluído em 1994. III – HC indeferido. 12 Ementa: habeas corpus. Penal. Processual penal. Crime Contra a Ordem Tributária. Representação fiscal. Suspensão do curso da ação penal. Decisão definitiva do procedimento administrativo fiscal. Condição de procedibilidade da ação penal. Lavagem de dinheiro. Crime autônomo. 1.Denúncia carente de justa causa quanto ao crime tributário, pois não precedeu da investigação fiscal administrativa definitiva a apurar a efetiva sonegação fiscal. Nesses crimes, por serem materiais, é necessária a comprovação do efetivo dano ao bem jurídico tutelado. A existência do crédito tributário é pressuposto para a caracterização do crime contra a ordem tributária, não se podendo admitir denúncia penal enquanto pendente o efeito preclusivo da decisão definitiva em processo administrativo. Precedentes. 2. O crime de lavagem de dinheiro, por ser autônomo, não depende da instauração de processo administrativo-fiscal. Os fatos descritos na denúncia, se comprovados, podem tipificar o crime descrito na norma penal vigente, devendo, quanto a este, prosseguir a ação penal. Precedentes. 3. Habeas corpus parcialmente concedido.
[1] STF. HC nº 90.957, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, julgado em 11/9/2007, DJe-126. Divulg. 18/10/2007; Public. 19/10/2007. DJ 19/10/2007. PP-00087 Ement. Vol-02294-02 PP-00335.
[2] STF. ADI nº 1.571, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 10/12/2003, DJ 30/4/2004, PP-00027 Ement. Vol-02149-02 PP-00265.
[3] STJ. HC nº 31.205/RJ, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Rel. p/ Acórdão Ministro Paulo Medina, 6ª Turma, julgado em 2/9/2004, DJ 26/11/2007, p. 247.
[4] STJ. RHC nº 15.382/RS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, julgado em 9/5/2006, DJ 5/2/2007, p. 379.
[5] STJ. RHC nº 16.750/SP, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma, julgado em 16/12/2004, DJ 14/3/2005, p. 386.
[6] STF. RHC nº 85.513, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, julgado em 4/10/2005, DJ 11/11/2005, PP-00048 Ement. Vol-02213-03 PP-00431 RTJ Vol-00196-01 PP-00302 LEXSTF v. 28, n. 325, 2006, p. 417-422.
[7] STF. HC nº 85.949, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, julgado em 22/8/2006, DJ 6/11/2006, PP-00038 Ement. Vol-02254-02 PP-00407 RTJ VOL-00199-03 PP-01132.
[8] STJ. HC nº 120.551/SP, Rel. Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ‑CE), 6ª Turma, julgado em 18/8/2009, DJe 8/9/2009.
Sérgio Bautzer
Delegado da Polícia Civil do Distrito Federal. Bacharel em Direito, Professor de Legislação Especial e Direito Processual Penal, Professor de cursos preparatórios, graduação e pós-graduação.
O Gran Cursos Online, em parceria inédita com a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal e sua Escola Nacional dos Delegados de Polícia Federal (EADelta), elaborou e têm a grata satisfação em informar à comunidade jurídica adepta a concurso público, mormente para a carreira de Delegado de Polícia, que estão abertas as matrículas para os cursos preparatórios para Delegado de Policia Federal e Delegado de Policia Civil dos Estados e DF, com corpo docente formado em sua maioria por Delegados de Polícia Federal e Civil, mestres e doutores em Direito, com obras publicadas no meio editorial, além do material didático. Não perca a oportunidade de se preparar com quem mais aprova em cursos há 27 anos. Matricule-se agora mesmo!
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