O desenvolvimento sustentável, em termos atuais, é uma ideia consagrada tanto no plano internacional quanto no plano da ordem interna dos países.
Com efeito, desde as discussões iniciais a respeito da matéria no início dos anos 1970, quando se começou a falar em ecodesenvolvimento, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (Estocolmo, 1972), até a sua consagração definitiva na Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992), a noção de desenvolvimento sustentável foi se afirmando no âmbito internacional e no âmbito interno dos países, tendo sido reafirmada, mais recentemente, em outra conferência das Nações Unidas sobre o tema (Rio de Janeiro, 2012)[1]. Pode-se, inclusive, dizer que, hoje, o desenvolvimento sustentável constitui um verdadeiro programa de ação, a ser implementado pelas diversas nações.
E esse é, sem dúvida, o principal desafio, no presente, na matéria: implementar e tornar efetivo o desenvolvimento sustentável, com atenção aos seus três pilares fundamentais já conhecidos — pilar social, pilar ambiental e pilar econômico —, ao qual se agregou, ainda, o pilar cultural[2].
Nesse ponto, a maior dificuldade está, segundo se tem entendido, na indeterminação do conceito de desenvolvimento sustentável, que se presta a interpretações diversas e variadas, frequentemente não coincidentes.
De fato, aquela conceituação inicial do desenvolvimento sustentável, trazida pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, como o desenvolvimento capaz de satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, com a busca de um estado de harmonia entre os seres humanos e entre o homem e a natureza, sempre com destaque àquelas dimensões aludidas (social, ambiental, cultural e econômica)[3], não se mostra mais satisfatória, já que ela deu lugar a visões antagônicas do mesmo fenômeno.
Basta lembrar, aqui, a título ilustrativo, que a visão sobre o desenvolvimento sustentável dos ambientalistas, que tendem a privilegiar o pilar ambiental, não é a mesma dos empresários, os quais tendem a privilegiar o pilar econômico, na vertente crescimento econômico, e tampouco é a mesma visão, em geral, dos governos, que tendem ora a privilegiar o pilar social, se tiverem um programa mais voltado às questões sociais, ora a privilegiar o pilar econômico, se tiverem um perfil mais liberal ou neoliberal.
Daí as inúmeras incertezas e controvérsias na concretização do ideal subjacente à noção de desenvolvimento sustentável e na implementação de programas de ação a ele relacionados, bem como os diversos conflitos que surgem na prática, quando se está diante de atividades, obras e empreendimentos, públicos ou privados, de alcance social e econômico, mas potencialmente causadores de degradações ambientais.
Isso explica, inclusive, em larga medida, a razão pela qual os juízes e tribunais, com frequência cada vez maior, têm sido chamados a dirimir os conflitos que evidenciam, na prática, essa tensão que no final das contas acaba existindo entre as variadas dimensões do desenvolvimento sustentável (social, ambiental, cultural e econômica).
Porém, para que se possa obter a tão desejada implementação concreta do desenvolvimento sustentável, notadamente nas hipóteses de litígios judiciais que dizem respeito ao tema, é preciso um mínimo de objetividade e coerência na análise da matéria.
Bem por isso, duas questões importantes, sob o prisma jurídico, necessitam ser discutidas e definidas.
A primeira questão diz respeito à discriminação daquilo que se poderia denominar de estatuto jurídico do desenvolvimento sustentável. Vale dizer: do ponto de vista jurídico, o desenvolvimento sustentável é um simples conceito operacional, é um programa de ação ou é um verdadeiro princípio?
A segunda questão refere-se ao significado jurídico do conceito ou princípio do desenvolvimento sustentável, que vai repercutir na forma como deve ser tratada, na prática, sob a ótica do Direito, a relação entre as suas dimensões já mencionadas.
Com relação à primeira questão — definição do estatuto jurídico do desenvolvimento sustentável —, é interessante observar que, no Brasil, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido de que o desenvolvimento sustentável é um princípio jurídico e de natureza constitucional, à luz do disposto nos artigos 170, VI, e 225, da Constituição Federal, representando, na visão da nossa corte suprema, fator de justo equilíbrio entre as exigências da economia e da ecologia[4].
Dessa forma, o princípio do desenvolvimento sustentável, como princípio constitucional, tem valor jurídico autônomo, do que resulta a possibilidade de sua aplicação direta sem o suporte de qualquer regulamentação específica que discrimine o seu conteúdo e as condições de sua incidência. Consequentemente, o princípio do desenvolvimento sustentável deve ser direta e obrigatoriamente aplicado por todos aqueles que se encontram na posição de tomadores de decisões, sejam agentes públicos (incluindo os juízes e tribunais), sejam as pessoas privadas, notadamente no âmbito das atividades empresariais[5].
No tocante à segunda questão — significado jurídico do princípio do desenvolvimento sustentável —, o que parece importante compreender, desde logo, é que se trata de um princípio acima de tudo ligado à necessidade de proteção jurídica do meio ambiente, aqui sempre incluído o patrimônio cultural.
Embora o desenvolvimento sustentável esteja fundado em três, ou agora quatro, pilares fundamentais — social, ambiental, cultural e econômico —, o princípio do desenvolvimento sustentável é acima de tudo um princípio de integração da questão ambiental nas estratégias e políticas de ordem social e econômica[6]. Tanto é assim que, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em que se deu a consagração oficial do desenvolvimento sustentável, ficou estabelecido, no princípio 4 da declaração então emitida, que, “para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste”.
Essa parece ser a visão original, autêntica, do princípio do desenvolvimento sustentável, que é, essencialmente, vale insistir, um princípio de integração da questão ambiental no processo de desenvolvimento, e não, propriamente, um princípio de conciliação entre meio ambiente e economia.
É claro que o desenvolvimento é sempre social, ou seja, é sempre voltado às necessidades da população no concernente à saúde, à alimentação, à educação, ao trabalho e, no caso dos países periféricos como o Brasil, no tocante à luta contra a pobreza. É certo, ainda, que o desenvolvimento pressupõe, igualmente, o crescimento econômico, com o progresso material de todos.
Contudo, o desenvolvimento somente pode ser sustentável se ele integrar, na devida medida, a variável ambiental. Nesse contexto, a proteção do meio ambiente é a base do desenvolvimento sustentável[7].
Portanto, o significado jurídico do princípio do desenvolvimento sustentável se extrai, na realidade, da sua função, que é garantir, pela via do Direito, a proteção do meio ambiente em face das pressões, sobretudo de ordem econômica, que pesam sobre a qualidade ambiental[8].
Não por outra razão, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento antes referido, decidiu que a aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável, quando presente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, está subordinada a uma condição inafastável, qual seja, a de que a observância do princípio em questão não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais, que é o direito à preservação do meio ambiente. Por outras palavras, na visão do STF, a aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável não pode, em hipótese alguma, comprometer a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sinal claro de que, para a nossa suprema corte, a proteção do meio ambiente é o elemento central do desenvolvimento sustentável.
Essa é, também, a visão do Superior Tribunal de Justiça, que, inegavelmente, nos últimos 15 anos, tem sido cada vez mais enfático e rigoroso na aplicação do Direito Ambiental. De fato, o exame da jurisprudência do STJ ao longo da última década e meia — com repercussão evidente sobre os demais tribunais do país e a atuação dos órgãos e agentes públicos e privados — permite verificar que existe, cada vez mais, a compreensão de que o Direito Ambiental é um Direito voltado à efetiva proteção do meio ambiente e que o tão desejado desenvolvimento sustentável pressupõe o reforço na aplicação desse conjunto de normas protetivas do meio ambiente.
Nesses termos, a aplicação em todas as esferas — judicial e extrajudicial, pública e privada — do princípio do desenvolvimento sustentável, com a preeminência que assume a integração da proteção do meio ambiente no processo de desenvolvimento social e econômico do país, faz com que haja a necessidade do reforço na aplicação do Direito Ambiental. Somente com o fortalecimento da aplicação do Direito Ambiental é que se terá a realização concreta do desenvolvimento sustentável.
Eis, portanto, a realidade da qual não se pode fugir: sem o reforço na aplicação do Direito Ambiental não se pode falar em proteção do meio ambiente e sem adequada proteção do meio ambiente não se pode falar em desenvolvimento sustentável. Daí o enorme desafio que se tem na atualidade no sentido de tornar cada vez mais efetiva a aplicação do direito ambiental, a fim de que se possa implementar o quanto antes, e antes que seja tarde, o desenvolvimento sustentável.
[2] Sobre o aspecto cultural como um quarto pilar do desenvolvimento sustentável, ver DRON, Dominique. Origine du développement durable. In: EUZEN, Agathe; EYMARD, Laurence; GAILL, Françoise (Coord.). Le développement durable à découvert. Paris: CNRS Éditions, 2013, p. 24; PRIEUR, Michel. Droit de l’environnement, droit durable. Bruxelles: Bruylant, 2014, p. 20; MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Meio ambiente e avaliação de impactos ao patrimônio cultural (artigo veiculado nesta mesma coluna Ambiente Jurídico, em 14/5/2016).
[3] COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988, p. 09-10.
[4] STF – Tribunal Pleno – MC na ADI 3.540-1 – j. 01.09.2005 – rel. min. Celso de Mello. Na doutrina, ver, entre outros, NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Pagamentos por serviços ambientais: sustentabilidade e disciplina jurídica. São Paulo: Atlas, 2012, p. 135-137, e SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Princípios do Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 89-103.
[5] Nesse sentido, também, NUSDEO, Ana Maria de Oliveira, op. cit., p. 136-137; FREITAS, Juarez, op. cit., p. 67-68.
[6] PRIEUR, Michel, op. cit., p. 20, 32 e 51; MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. Le role du juge dans le développement des principes d’intégration et de développement durable – presentation. In: LECUCQ, Olivier; MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. Le rôle du juge dans le développement du droit de l’environnement. Bruxelles: Bruylant, 2008, p. 195-199.
[7] WINTER, Gerd. Um fundamento e dois pilares: o conceito de desenvolvimento sustentável 20 anos após o relatório Brundtland. In: WINTER, Gerd. Desenvolvimento sustentável, OGM e responsabilidade civil na União Europeia. trad. Carol Manzoli Palma. Campinas: Millennium, 2009, p. 04. Para o autor, no contexto do desenvolvimento sustentável a proteção da biosfera é a base sobre a qual se assentam os dois pilares do bem-estar social e da economia. No mesmo sentido: VEIGA, José Eli da, op. cit., p. 21, e NUSDEO, Ana Maria de Oliveira, op. cit., p. 136-137.
[8] PAPAPOLYCHRONIOU, Sophia. Le rôle du juge dans la consécration d’un droit fondamental à l’environnement: le cas Grec. In: LECUCQ, Olivier; MALJEAN-DUBOIS, Sandrine. Le rôle du juge dans le développement du droit de l’environnement. Bruxelles: Bruylant, 2008, p. 135.
Fonte: Conjur
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