Jurisprudência Comentada: As garantias advindas do princípio da presunção da não culpabilidade sob a óptica de um Processo Penal Constitucional

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presunção da não culpabilidadePor: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
O princípio da presunção da não culpabilidade ou presunção da inocência surgiu, durante o Iluminismo, da necessidade de proteção contra a arbitrariedade estatal, opondo-se ao sistema processual penal inquisitório e à vontade estatal, que buscava, em regra, a condenação do acusado. Na época, via de regra, o cidadão era presumido culpado, e não inocente.
Com a influência do sistema processual penal acusatório, a proteção à inocência do acusado foi consagrada como princípio pela Declaração dos Direitos do Homem, em 1789.
Posteriormente, o postulado foi reafirmado no art. 26 da Declaração Americana de Direitos e Deveres (22.05.1948) e no art. 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Assembleia das Nações Unidas (Paris, 10.12.1948).
Na carta política brasileira de 1988, estabelece o art. 5º, inciso LVII, da Constituição da República, in verbis:
“Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
Pelo princípio em estudo, restam ao indiciado ou acusado as seguintes garantias:

a) no caso de dúvida (no momento da decisão), aplica-se o princípio in dubio pro reo, indiscutivelmente sua matriz é buscada no estado jurídico de inocência e acolhida pelo nosso Código de Processo Penal, no art. 386, VII;

b) somente uma decisão irrecorrível pode declarar a culpabilidade do acusado depois de provada durante a instrução criminal. Fica garantida a observância do devido processo legal;

c) uso de algemas é medida excepcional, e não regra;

Sobre o tema, vejamos a Súmula vinculante 11 do STF:
“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”

d) o juiz está obrigado a verificar, acuradamente, a estrita necessidade de constrição de liberdade antecipada, sujeitando-se a fundamentação obrigatória de sua decisão, sob pena de nulidade (CRFB de 1988, art. 93, IX);

Cuidado! Com fulcro no postulado, a execução provisória de pena deveria ser rechaçada no Brasil, todavia o Supremo Tribunal Federal, no HC  126.292/SP, em 17 de fevereiro de 2016, alterou o seu entendimento anterior (HC 84.078/MG) e considerou ser possível a execução provisória da pena após o julgamento pela 2ª instância.
Assim, passou o pretório excelso a entender que, por razões inclusive de eficácia no combate à impunidade e à criminalidade, o princípio da presunção da inocência (ou da não culpabilidade) se exaure com a confirmação da sentença penal condenatória em 2ª instância, afastando-se a exigência constitucional do trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Hodiernamente, ao julgar um habeas corpus, no dia 8 de agosto de 2017, o ministro Gilmar Mendes (2ª Turma do STF) sinalizou uma mudança de entendimento em relação à possibilidade de a execução da pena se dar após condenação em segunda instância.
Segundo o Ministro, o cumprimento da sentença condenatória deverá passar a ser permitido a partir de decisão do Superior Tribunal de Justiça, antes do encerramento do processo.
A nosso ver, mesmo assim afronta o texto constitucional, uma vez que admite a execução provisória da pena. Há uma prisão sem requisitos de cautelaridade, antes do trânsito em julgado.

e) a revogação do art. 393, incisos I e II (revogado pela Lei n. 12.403/2011), que determinava, como efeito da sentença penal recorrível, lançar o nome do réu no rol dos culpados, uma vez que, pelo princípio constitucional do estado jurídico de inocência, impede-se que se lance o nome do réu no rol dos culpados enquanto não tiver transitado em julgado a decisão condenatória.

f) o ônus da prova caberia exclusivamente à acusação (para parte da doutrina nacional);

Para esta linha doutrinária, incumbirá à acusação provar tudo o que alegar, de forma ampla.
Assim, deverá provar a autoria e materialidade do crime, bem como a inexistência de qualquer causa excludente de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade alegada pelo acusado.
Nessa linha, entende o doutrinador Paulo Rangel:
“Em observância aos princípios da presunção de inocência e ao art. 386 do CPP, o ônus da prova da culpa do réu compete ao órgão ministerial que deve provar a existência do fato típico, ilícito e culpável, narrado na denúncia e praticado pelo réu. A este não incumbe demonstrar a sua inocência que, se vislumbrada, deve levar o Ministério Público, como custos legis, a pedir a absolvição do réu”. (RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2015).

g) a recusa de produzir prova contra si não pode acarretar nenhuma hipótese de presunção de culpabilidade nem nenhuma espécie de sanção por parte do Estado, pois ninguém poderá ser forçado a produzir provas contra si próprio.

Assim, impede-se que as pessoas sejam obrigadas a se autoacusarem e garante-se também o chamado direito ao silêncio. Lembre-se de que o Pacto de São José da Costa Rica – CADH – prevê, em seu art. 8º, número 2, alínea g, “que toda a pessoa tem direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem declarar-se culpada”.
Assim, deve-se obedecer à regra do nemo tenetur se detegere.
Por óbvio, em um processo penal acusatório, ninguém tem que se descobrir para contribuir na sua própria punição criminal, seja prestando declarações, fornecendo padrão gráfico para exame grafotécnico, soprando bafômetro para constatar embriaguez no volante ou participando obrigatoriamente da reconstituição do crime.
O Estado é a parte mais forte na persecutio criminis, possuindo agentes e instrumentos aptos a buscar e descobrir provas contra o autor do crime. Prescinde-se, pois, da colaboração do acusado.
Essa é a regra, pois existe o instituto da colaboração premiada.
Bons estudos e muito sucesso!


José-CarlosJosé Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.
 
 


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