Por Celso Cintra Mori
A palavra “ética” tem diferentes conotações e em várias épocas e culturas tem sido extremamente banalizada. Fala-se em ética para significar o bom comportamento que se espera do outro. E, frequentemente, para indicar um qualificativo de conduta humana vago, quase excêntrico, reservado para uma minoria, indefinidamente situado entre a moral e o Direito. Quando associada à atividade profissional dos advogados, a ética chega a tomar tons pejorativos. Em muitos lugares do mundo e em algumas sociedades mais sarcásticas a ética dos advogados chega a alimentar anedotas e pequenas estórias de mau gosto. Alguns advogados, felizmente a absoluta minoria, fazem por merecer. Muitos clientes, e o público em geral, não raras vezes elegem como preferido o advogado que produz resultados, sem maior atenção para as conotações éticas ou antiéticas dos meios utilizados.
Entretanto, a ética é fundamental para o Direito. O Direito, como ciência de comportamentos humanos voltados para a coexistência social harmoniosa e para a busca do justo, se inspira e se fundamenta na ética. Quando se enunciam como preceitos do Direito o viver honestamente, não ofender ninguém, dar a cada um o que lhe pertence,1 esses tanto podem ser preceitos do Direito como preceitos da ética. A ética é o sentimento da necessidade de buscar o justo. O Direito é o conjunto de conceitos e normas desenvolvidos e organizados para dar efetividade à realização do justo. A ética se situa em uma ordem anterior ao Direito, que a pressupõe. Direito sem ética é um paradoxo. Ética sem direito é uma incompletude. Mas a ética, para efetivamente merecer o nome, deve ser espontânea. O Direito pode ser compulsório. Ética compulsória não é ética. É direito voltado para a realização de externalidades comportamentais éticas. Disso decorrem duas conclusões.
A primeira é a de que a advocacia tem um interesse intrínseco fundamental na ética. Ainda que fosse apenas por necessidades corporativas e de defesa do mercado de trabalho, todo advogado deveria ser profundamente ético e ter comportamento profissional compatível. Porque ainda que a falta de ética possa produzir no curto prazo alguns resultados favoráveis ao cliente ou ao advogado, a médio e longo prazos a falta de ética desorganiza o Estado de Direito e a convivência social, tornando desacreditada, inútil e improdutiva a atividade do advogado.
A segunda conclusão é a de que a expressão “código de ética” não pode ser levada ao pé da letra. Código, em linguagem de advogado, é um conjunto fechado de normas compulsórias. Ética é um sentimento determinante de comportamentos que levam em boa consideração o interesse do outro e o bem comum. Portanto, em rigor terminológico não poderia haver um código de ética, porque o sentimento ético dispensaria qualquer regramento compulsório.
Um código de ética só pode ser visto como um conjunto de enunciações sobre a ética, compilado com o propósito de destacar e ressaltar princípios, ênfases e prioridades.
As condutas éticas, em uma sociedade pluralista e multiordenada, são infinitas. Mesmo em determinada profissão, e em especial na advocacia, é totalmente impossível, e até desaconselhável, que se tente enumerar exaustivamente todas as situações que comportarão escolhas éticas. Mais difícil ainda será a tentativa de normatizar essas escolhas em regras preestabelecidas de comportamento. Portanto, um código de ética é um roteiro de amostragem exemplificativa de comportamentos esperados. Essa afirmação é absolutamente relevante para que não ocorra a ninguém buscar justificar-se por um comportamento antiético com o pretexto de que tal situação não estava prevista expressamente em determinado código.
Direito sem ética é um paradoxo. Ética sem direito é uma incompletude.
A ética é individual e heterogênea porque, como comportamento derivado diretamente de um sentimento, existe, ou não existe, em diferentes graus ou níveis em diferentes indivíduos. Convicções filosóficas ou crenças religiosas podem sustentar a teoria de que a ética seja uma inclinação natural e necessária do ser humano. Assim como outras tantas convicções filosóficas e crenças religiosas podem sustentar a existência de um Direito natural, como inclinação natural e necessária do ser humano para o justo e o equânime. Mesmo que se evitem as discussões religiosas e considerações sobre um direito sobrenatural que anteceda o homem e se imponha a ele, há que se reconhecer que o instinto de sobrevivência do indivíduo e sua espécie e as capacidades de escolha ditadas pelo livre-arbítrio estão na raiz comum da ética e do Direito.
O ser humano nasce egoísta e egocêntrico, com a percepção de si próprio como o centro do universo. Mesmo com o crescimento e a descoberta do outro, o narcisismo será pela vida toda um forte impulsionador. Não é exagero dizer que a ética, que tem como pressuposto a preocupação com o outro, com diferentes grupos sociais e com a sociedade como um todo, conflita com traços primários do individualismo. A superação desse conflito intenso entre o eu-eu e o eu-nós não é fácil nem simples. Muitas explicações já foram dadas, das quais as mais conhecidas são as clássicas teorias contratualistas de John Locke, David Hume e J. J. Rousseau. Essas, entretanto, são formulações teóricas hipotéticas sobre a história da formação da sociedade, severamente contestadas por Hobbes em seu Leviatã, sobre os motivos pelos quais o ser humano abriu mão de algumas vantagens do individualismo para construir uma sociedade que o abriga, mas na qual sua vontade e seus interesses individuais nem sempre são prevalecentes.
Ética e Direito compartilham simultaneamente dificuldades similares ditadas pela distância entre a teoria e a prática. As teorias da ética e do Direito, os processos de conhecimento dos princípios, racionalidades, sistemas e conceitos que constituem a ética e o Direito podem ser objeto de aprendizado pela via de diferentes metodologias educativas. Mas, isso tem muito pouco a ver com a prática da ética e a prática do Direito. O comportamento ético assim como o comportamento jurídico decorrem de uma escolha emocional, que não é decorrência natural e necessária do processo racional de conhecimento ético ou jurídico.
O conhecimento da ética, no qual esta não é senão o objeto da intelecção humana, é diferente da consciência ética, que é o conhecimento potencializado por um sentimento, uma crença de adesão a ela pela convicção da sua indispensabilidade. Conhecimento e consciência, por suas vezes, se diferenciam do comportamento ético. Alguém que tenha amplos conhecimentos sobre a ética, seu significado, sua história, sua importância, ou mesmo alguém que tenha consciência ética, pode se comportar, frequente ou eventualmente, sem consideração pela ética. Como se ela não existisse.
Para um indivíduo ter, ou não, uma preocupação e/ou um comportamento éticos são determinantes vários fatores, dos quais alguns estão, em alguma medida, fora de seu próprio controle, ou do controle de qualquer pessoa. Não se podem menosprezar as heranças atávicas, as condicionantes genéticas, a ambiência cultural, os fatores concorrentes com a educação formal, ou com a falta dela, e, muito especial e enfaticamente, os processos individual e coletivo de construção de valores.
Mas se esses fatores não estão inteiramente sob controle, também não há motivos ou fundamentos para acreditar que estejam inteiramente fora de controle e que o indivíduo não deva responder pelos seus comportamentos antiéticos. Um forte, organizado e persistente processo de educação e conscientização dos valores éticos certamente irá construir estímulos em favor do comportamento ético.
Por todos esses motivos se deve festejar a iniciativa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de rever o seu Código de Ética. Mesmo que nenhuma modificação tivesse sido introduzida em relação ao Código de Ética anterior, que datava de 1995, o simples debate do assunto e a revivescência do Código provocam um ambiente favorável ao cultivo de uma consciência ética e o incentivo a práticas com ela compatíveis.
Nessa perspectiva, uma ampliação do debate e sua capilarização pelos diferentes órgãos e entidades institucionais da advocacia por todo o território nacional, e um alongamento do tempo de maturação e sedimentação das ideias sobre o novo Código de Ética teriam certamente agregado maior consistência e maior efeito de educação, consciência e aderência aos princípios codificados. Os benefícios de uma suposta urgência em reeditar o Código de Ética não foram maiores do que seriam os benefícios de uma profunda e extensa discussão nacional sobre a própria ética, sobre o papel de vanguarda social dos advogados e sobre as contribuições éticas que a advocacia poderia aportar ao seu exercício e à sociedade.
Independentemente do momento político institucional que o país atravessa, e que é notoriamente intenso nos temas relacionados à ética, teria sido desejável e interessante se o debate não se tivesse restringido à própria comunidade de advogados. A consulta e a provocação de manifestações opinativas não apenas de outros segmentos de profissionais do Direito, mas especialmente da população em geral, sem dúvida poderiam fornecer rico material para reflexão. Os advogados presumivelmente sabem quais são os temas de ética profissional que mais os preocupam ou afligem, e em sua grande maioria pensam de maneira uniforme quanto a esses temas. Mas, a consulta popular e o induzimento à discussão pública do tema poderiam trazer o conhecimento das percepções predominantes entre os destinatários dos serviços de advocacia. Dizia já o notável Antônio Machado que o caminho se faz ao caminhar. O processo de construir um código de ética é, sem dúvida, um processo de criar conhecimento, consciência e adesão de comportamento em relação a princípios éticos. Portanto o seu adensamento corresponderia a maior conhecimento, maior consciência e maior adesão.
Em sua maior parte o novo Código de Ética repete o Código anterior, o que não deve ser visto com juízos críticos depreciativos. A própria ética tem sentido e natureza de perenidade dos valores que a inspiram. Portanto, a repetição de conceitos consagrados e já emitidos em códigos anteriores da advocacia é apenas o saudável reconhecimento de que esses conceitos continuam válidos e necessários.
O novo Código, naquilo em que inovou, cuidou de (i) ampliar a configuração e disciplina de situações de conflitos de interesse; (ii) abrandar rigores com que o Código anterior tratava das questões relativas a honorários de advogados, e (iii) abrandar os rigores com que o Código anterior tratava das questões relativas à publicidade. Cuidou de alguns outros temas em tom ou ênfase diferentes do Código anterior, como se verá a seguir.
No que se refere às repercussões éticas dos conflitos de interesses, o novo Código revisitou os conceitos de independência e transparência nas relações cliente-advogado. Além de recomendar expressamente a renúncia ao mandato quando lhe falte a confiança do cliente (art. 10), o novo Código trata das divergências entre cliente e advogado quanto à estratégia da causa. Diz o novo Código:
“Art. 11 – O advogado, no exercício do mandato, atua como patrono da parte, cumprindo-lhe, por isso, imprimir à causa orientação que lhe pareça mais adequada, sem se subordinar a intenções contrárias do cliente, mas, antes, procurando esclarecê-lo quanto à estratégia traçada”.
O processo de construir um código de ética é um processo de criar conhecimento.
Não há dúvida de que, como especialista em Direito, presume-se que o advogado tenha, mais do que o cliente, conhecimento da estratégia juridicamente mais adequada. E quanto a esta não pode efetivamente o advogado se subordinar a eventuais determinações do cliente. É até mesmo difícil imaginar quais poderiam ser as “intenções contrárias do cliente” no que se refere à definição de estratégias jurídicas da causa.
Entretanto, na causa há outros aspectos além das estratégias jurídicas, e nestes o cliente, como titular do direito questionado, é quem não pode se subordinar às intenções contrárias do advogado. Suponha-se, exemplificativamente, que o cliente, consideradas todas as peculiaridades pessoais, relacionais, econômicas ou de qualquer natureza, resolva que a alternativa mais adequada seja fazer um acordo e encerrar o processo. Mas, o advogado, porque acredite nas possibilidades de maior sucesso no prosseguimento da causa, prefira continuar litigando. Evidentemente, nessa situação a subordinação se inverte. Se, informado de eventuais riscos e consequências, e das reais possibilidades alternativas, o cliente resolve fazer acordo, espera-se que o advogado se subordine às determinações do cliente.
A relação de conflito de interesse entre cliente e advogado pode se tornar mais sensível em situação de que o novo Código não cuidou expressamente, quando o advogado represente o cliente ausente em audiência de conciliação. Imagine-se a parte vencedora e o respectivo advogado beneficiário potencial de bons honorários de sucumbência decretados em sentença. Realiza-se audiência de conciliação no tribunal e o cliente, embora urgentemente necessitado do valor objeto da condenação que o favoreceu, é dispensado pelo advogado de comparecer à audiência de conciliação. E o advogado, excepcionalmente abastado, sem pressa de receber os honorários, recebe a oferta de pagamento imediato pelo devedor mediante um desconto de 30% sobre o principal e sobre os honorários. Haverá um indiscutível conflito de interesse que impede o advogado de decidir pelo cliente a realização, ou não realização, do acordo. A melhor solução ética seria, sempre que possível, o advogado se fazer acompanhar pelo cliente nas audiências de conciliação.
Nessa e em outras situações similares os enunciados de potenciais conflitos de interesse entre cliente e advogado poderiam ter sido expandidos e aprofundados. Na solução deles os advogados e as partes continuarão a se valer de interpretação dos princípios gerais de ética, constantes ou não do Código.
Nos arts. 31 e seguintes o novo Código de Ética cuidou de disciplinar várias potenciais situações de conflitos de interesses entre o advogado e as instituições da advocacia de cuja gestão participe. São, sem dúvida, prescrições saudáveis e que devem ser interpretadas no sentido que melhor preservar os interesses dessas instituições.
Ressente-se, entretanto, o novo Código da falta de duas linhas de considerações éticas restritivas de comportamentos abusivos. Uma é a que diz respeito à exploração do prestígio do cargo para o próprio administrador insinuar-se como candidato à vaga em tribunal. Não se quer dizer que o advogado que teve prestígio suficiente para galgar posição de liderança e comando em órgãos de classe não se possa qualificar para integrar tribunal. Entretanto, como há maneiras éticas e maneiras antiéticas de fazê-lo, teria sido muito benéfico que o Código de Ética tivesse tratado aberta e largamente desse tema.
A segunda linha de consideração análoga à primeira é a possibilidade de exploração do prestígio do cargo institucional para a captação de clientela. Considere-se que não é razoável exigir que o líder de classe que se elegeu, muitas vezes por méritos administrativos e de gestão, e não por méritos jurídicos, mas também muitas vezes por justo prestígio de competência jurídica, pare de advogar. Também não é admissível pressupor que o cargo tenha acrescentado notável saber jurídico a advogado anteriormente pouco procurado, a ponto de causar súbita ampliação da clientela. Como tais circunstâncias podem ter profundas implicações éticas, era de se supor que um novo Código de Ética da OAB fosse cuidar minuciosamente delas.
Ainda no capítulo dos possíveis conflitos de interesses relacionados à gestão institucional, o Código de Ética faz uma ligeira menção ao processo eleitoral da Ordem quando se refere à urbanidade de tratamento entre os concorrentes (art. 27, § 1º). O processo eleitoral comportaria outras considerações relacionadas à ética concorrencial, além daquelas que digam respeito apenas à urbanidade.
Ao tratar de honorários de advogado, o novo Código introduziu, em notável abrandamento de posições anteriores da OAB, a possibilidade da advocacia pro bono (art. 30). Trata-se de previsão extremamente saudável e necessária, muito compatível com a realidade social de um país em que a população menos habilitada a pagar serviços de advocacia é, frequentemente, a que mais tem necessidade de acesso ao Poder Judiciário.
Apesar dessa importante mudança, e em certa contradição com ela, o Código não perdeu um viés histórico de tratar o advogado como um hipossuficiente e impor patamares mínimos de honorários que deva cobrar. Dividido entre os velhos conceitos de honorários obrigatórios e os novos conceitos de possibilidade da advocacia gratuita, o art. 2º, inciso VIII, f, repetindo a norma do art. 41 do Código anterior, revela-se de difícil interpretação e sugere questionamentos:
“Art. 2º- […]
Parágrafo único – São deveres do advogado: […]
VIII – Abster-se de: […]
f) contratar honorários advocatícios em valores aviltantes”.
Posto que é possível prestar serviços gratuitos aos efetivamente necessitados, dentro dos novos preceitos do pro bono, pressupõe-se que em matéria de honorários se possa cobrar pouco de quem possa pagar pouco. “Valores aviltantes” é um conceito de múltiplas alternativas de compreensão embora a intenção pareça ter sido a de evitar valores baixos. Cobrar valores simbólicos de quem tenha muita dificuldade, mas faça questão de pagar algo, nada tem de aviltante. Por outro lado, cobrar 30, 40 ou até 50% de honorários sobre um relativamente pequeno crédito que muitas vezes é a única fortuna que o cliente vai ver na vida pode ser muito aviltante.
O novo Código (art. 2º, parágrafo único, inciso VI), repetindo norma do Código anterior (art. 2º, parágrafo único, inciso VI), considera a busca da conciliação um dever do advogado. A nova redação inclui a mediação entre os procedimentos conciliatórios alternativos. Mas, inexplicavelmente, o art. 48, § 5º, proíbe que o advogado cobre honorários proporcionalmente menores em casos que se resolvam por acordo:
“Art. 48 – […]
§ 5º – É vedada, em qualquer hipótese, a diminuição dos honorários contratados em decorrência da solução do litígio por qualquer mecanismo adequado de solução extrajudicial”.
Não pode existir advocacia continuada para violadores contumazes e intencionais da lei, em nenhum nível social.
O art. 49 determina que os honorários levem em conta a intensidade do trabalho, o valor da causa e as responsabilidades do advogado. Na hipótese de acordo, o trabalho vinculado ao resultado será menos intenso, porque o advogado será liberado do que seriam os andamentos ulteriores do processo. O valor do caso será provavelmente menor, posto que acordo implica transigência. E a responsabilidade do advogado por um resultado que o cliente considerou aceitável para conciliação é muito menor que a responsabilidade por um resultado de julgamento ou de cronologia que o advogado absolutamente não controla. Portanto, e por todos os critérios do art. 36, os honorários, em caso de acordo, deveriam ser menores do que os honorários para conduzir a mesma causa ao litígio infinito. A ratio dessa proibição para a cobrança de honorários menores em caso de acordo é de difícil entendimento.
Embora tenha tratado de direitos de compensação entre honorários a que faça jus e despesas processuais que o advogado tenha antecipado (art. 48, § 3º), o novo Código pouco ou quase nada falou dos deveres de prestação de contas pelo advogado. Salvo equívoco estatístico, as omissões e os deslizes de advogados na prestação de contas ao cliente constituem a maior causa de processos disciplinares em todo o país. Teria sido adequado que o novo Código se debruçasse com paciência e proficiência sobre esse tema.
Isso para não falar na prestação de contas sobre os deveres morais. O cliente tem o direito de saber exatamente por que perdeu a causa e o advogado tem a obrigação ética de assumir os erros de condução tática ou jurídica que tenha praticado.
Além dos temas anteriormente destacados, o novo Código incluiu um capítulo, o Capítulo II, com apenas um artigo, o 8º, sobre a advocacia pública. Repetem-se aí para a advocacia pública os conceitos de urbanidade e independência profissional valorizados para a advocacia privada. Arrisco dizer que essa inserção teve muito maior significado como ato de demarcar território, para defender a ideia de que os advogados de empresas ou entidades públicas também estão abrangidos pelos regimes e competência da OAB. Mas, não houve um cuidado artesanal dedicado ao exame dos temas éticos que mais frequentemente ocorrem na advocacia pública.
O novo Código não trata, por exemplo, de orientar o advogado público, ou de lhe sugerir os comportamentos eticamente adequados, em face das políticas públicas de sempre recorrer de qualquer decisão. Não seria totalmente um exagero falar-se em um suposto e estranho dever funcional de procrastinar a possibilidade de cumprimento das decisões contra o Estado. A apresentação sucessiva de recursos, mesmo quando descabidos, que aliás não é privilégio exclusivo da advocacia pública, não foi tratada diretamente no Código.
Alguns preceitos excessivamente vagos do Código anterior, apesar de extraordinariamente importantes, continuam excessivamente vagos no Código atual. Tome-se, por exemplo, o art. 2º, parágrafo único, inciso VIII, c, que aproximadamente repete o que já constara do artigo do Código anterior e no qual se diz que o advogado se deve abster de “[…] emprestar concurso aos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana”.
A melhor interpretação que se pode fazer desse dispositivo não é a de proibição de serviços jurídicos para os culpados da prática de atos dessa natureza. Até porque, em outro dispositivo (art. 23, parágrafo único), se diz que todo infrator tem o direito de ser assistido por advogado, o que é natural.
Emprestar concurso aparentemente significa prestar serviços em bases contínuas, de forma a concorrer para a continuidade da prática incriminada. Se for essa a significação, e seria bom que fosse, caberia desdobrar o conceito para lhe dar efetividade. Caberia indagar, e esclarecer, se na perspectiva ética o sonegador habitual, o ladrão reincidente, o político corrupto contumaz e outros praticantes reiterados de atos que atentem contra a ética, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana poderiam ser repetidas vezes atendidos pelo mesmo advogado.
O art. 34 cuida de compromisso do advogado que se candidate a vaga do quinto constitucional no sentido de, uma vez assumindo a magistratura, prestigiar as regras de urbanidade no trato com advogados. Compreende-se a intenção, mas é de se perguntar se o Código de Ética dos advogados consegue reger comportamentos que, quando ocorrerem, serão os comportamentos de um magistrado, embora ex-advogado.
No trato da publicidade permitida aos advogados e escritórios de advocacia (arts. 39/47), o novo Código avançou rendendo-se à necessidade de divulgação da prestação de serviços jurídicos, com manutenção das restrições quanto a exageros que signifiquem a mercantilização da advocacia.
Por fim, deve-se destacar que as disposições do Código de Ética não são exaustivas. É verdade que a Lei 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados) obriga o advogado a obedecer ao Código de Ética de sua profissão. Portanto, pode-se dizer que esse conjunto de enunciados éticos acaba se configurando como um conjunto de regras coercitivas de Direito. Embora a compulsoriedade desnature a espontaneidade da conduta, que é intrínseca à conduta ética, também não se pode esquecer que a ética não pode, por sua própria natureza, ser confinada em algumas fórmulas normativas. Portanto, quando a lei obriga o advogado a observar o Código de Ética, está na realidade dizendo que o advogado precisa ser ético, em toda a acepção do termo. Disso decorre que, quando agir de forma não ética, mesmo que a sua conduta não esteja tipificada no Código de Ética, poderá ser punido.
Ética e Direito se alinham em sentido e direção. Toda conduta de advogado que busque realizar o Direito é ética. Na via inversa, é antiética a atuação profissional que procure evitar a concretização do Direito ou hostilizar os seus protagonistas. Este texto não tem a arrogante pretensão de dominar ou esgotar todas as verdades sobre a ética do advogado. Mas terá alcançado sua finalidade se alimentar a preocupação pela ética como uma das prioridades dignificantes da advocacia.
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1 Eneo Domitius Ulpianus: Juris Praecepta Sunt haec: Honeste Vivere, Alterum Non Laedere, Suum Cuique Tribuere.
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*O artigo foi publicado na Revista do Advogado, da AASP, Ano XXXVI, de Abril de 2016, nº 129.
Fonte: Migalhas
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