A Reforma da Previdência e o art. 149 da CF/1988 (EC 103/2019): as novas possibilidades de instituição de contribuições sociais previdenciárias

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A reforma da previdência alterou a chamada “norma matriz da competência tributária” das contribuições, contida no art. 149 da CF.

As disposições do art. 149 da CF atribuem competência tributária para a instituição de tributos da espécie “contribuições”, que podem ser: contribuições sociais, contribuições interventivas (ou de intervenção no domínio econômico) e contribuições coorporativas (ou de interesse das categorias profissionais).

As contribuições sociais representam a ação positiva do Estado no sentido de trazer segurança social; assim, por exemplo, eventos como o acidente de trabalho não deixarão os familiares do acidentado desamparados ou dependentes de assistencialismo. O Estado cria um sistema de segurança ou de seguridade social, cujo ‘tripé’ é a assistência, a saúde e a previdência. As contribuições sociais fazem frente aos gastos nessas áreas (dentre outras, que também podem ser custeadas pelas contribuições sociais).

Para que haja um sistema de previdência social, haverá custeio mediante o pagamento de tributo da espécie contribuição social previdenciária. No ponto, a reforma da previdência abriu algumas possibilidades. Vejamos como ficou a redação do §1º do art, 149 e dos §§ que foram acrescentados:

  • Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
  • 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por meio de lei, contribuições para custeio de regime próprio de previdência social, cobradas dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, que poderão ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões.
  • 1º-A. Quando houver deficit atuarial, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo.
  • 1º-B. Demonstrada a insuficiência da medida prevista no § 1º-A para equacionar o deficit atuarial, é facultada a instituição de contribuição extraordinária, no âmbito da União, dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas.
  • 1º-C. A contribuição extraordinária de que trata o § 1º-B deverá ser instituída simultaneamente com outras medidas para equacionamento do deficit e vigorará por período determinado, contado da data de sua instituição.

Para uma melhor compreensão, vamos comparar as duas redações do §1º do art. 149, primeiro a antiga e depois a nova (as partes grifadas são as novidades):

  • 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.
  • A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por meio de lei, contribuições [“contribuições”, no plural] para custeio de regime próprio de previdência social, cobradas dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, que poderão ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da base de contribuição ou dos proventos de aposentadoria e de pensões.

Vamos, ponto a ponto.

Qual é a razão de ser desse dispositivo? Antes da Reforma da Previdência, ele representava uma ‘exceção’. Digo isso porque, se olharmos o ‘caput’ do art. 149, acima transcrito, ele atribui competência para a UNIÃO instituir contribuições. Então, o §1º vinha e esclarecia: os demais entes federativos – Estados, Municípios e o DF – também tem uma competência tributária, para instituir contribuições sociais previdenciárias.

Desse modo, a União pode instituir contribuições sociais, interventivas e coorporativas; já os Estados, os Municípios e o DF somente podem instituir contribuições sociais previdenciárias, com a finalidade específica: custear os seus respectivos ‘RPPS’ (regimes próprios de previdência social).

Sabemos que existem basicamente três sistemas de previdência. A previdência dos militares, o regime próprio dos servidores públicos, e o regime geral de previdência (este, dos celetistas e também de empregados públicos celetistas). Pois bem, se um Estado ou um Município não institui o seu regime próprio, seus servidores se submetem ao regime geral (dos celetistas). Caso o Estado e o Município resolva instituir seu regime próprio, ele pode instituir, por conseguinte, a respectiva contribuição social previdenciária.

Essa era a função do §1º do art. 149 da CF, atribuir aos Estados, os Municípios e o DF a competência tributária para uma contribuição social previdenciária.

E agora, como fica? Pois bem, vamos falar das inovações ponto a ponto.

1 – O §1º acrescenta a “União”; ou seja, as novidades da reforma da previdência para o dispositivo passam a alcançar todos os entes federativos;

2 – O dispositivo agora fala em “contribuições”; porque os §1º-A, B e C, passam a dividir a contribuição social previdenciária que custeia o regime de previdência dos servidores em dois tipos:

A) Contribuição social previdenciária ORDINÁRIA, que poderá ser PROGRESSIVA;

B) Contribuição social previdenciária EXTRAORDINÁRIA;

A CONTRIBUIÇÃO ORDINÁRIA é aquela que será paga pelos servidores que estejam filiados ao respectivo regime próprio.

Duas novidades para a CONTRIBUIÇÃO ORDINÁRIA.

Primeiro, ELA PODE SER PROGRESSIVA. A progressividade é uma técnica de aplicação do princípio da capacidade contributiva aos tributos, fazendo com que a alíquota varie (aumente) conforme vá aumentando a base de cálculo. Com isso, passamos a ter “faixas” de incidência: até o valor 100X a alíquota é de 1%; na faixa de valor 101X até 200X, a alíquota é de 5%; na faixa de valor 201X até 500X, a alíquota é de 15%. Enfim, podem ser estabelecidas faixas de incidência, fazendo com que quem ganha mais pague mais.

Essa técnica de progressividade já é aplicada ao Imposto de Renda; há uma ação direta na STF questionando a aplicação da progressividade para as contribuições sociais previdenciárias; é preciso ficar atento e acompanhar o julgamento. Contudo, a controvérsia em torno dessa questão é um tema lateral, no qual não quero enveredar para não perder o fio do raciocínio e do meu objetivo.

Segundo, essa alíquota ordinária, para pensões e proventos da inatividade, pode passar a ter incidência a partir de um salário mínimo. Essa é a disposição do art. 149, §1º-A.

  • 1º-A. Quando houver deficit atuarial, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo.

Para a melhor compreensão dessa novidade, precisamos transcrever o art. 40, §18, da CF:

  • 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.

Vejam que a CF permite que haja a incidência de contribuição previdenciária sobre os proventos da inatividade e pensões, mas somente ACIMA do “limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social” (RGPS).

Excepcionalmente, portanto, em casos de déficit, a Reforma da Previdência permite aumentar a cobrança, em termos de valor de base de cálculo, fazendo com que a contribuição incida a partir dos valores que superem UM SALÁRIO MÍNIMO.

A CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA poderá ser instituída nos casos em que a medida do §1º-A se revelar insuficiente para cobrir o déficit previdenciário, e será necessariamente temporária bem como terá que se fazer acompanhar de outras medidas capazes de equacionar financeiramente o sistema de previdência. Essa contribuição extraordinária vem prevista nos §§1º-B e C do art. 149.

  • 1º-B. Demonstrada a insuficiência da medida prevista no § 1º-A para equacionar o deficit atuarial, é facultada a instituição de contribuição extraordinária, no âmbito da União, dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas.
  • 1º-C. A contribuição extraordinária de que trata o § 1º-B deverá ser instituída simultaneamente com outras medidas para equacionamento do deficit e vigorará por período determinado, contado da data de sua instituição.

Portanto, essas são as novidades inseridas no art. 149 da CF pela reforma da previdência! Certamente serão objeto de atenção, daqui para frente, pois os sistemas de previdência estão em conhecido déficit orçamentário.

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