Por: André Ricardo Dias da Silva
Necessidade e efetividade na proteção aos direitos fundamentais dos vulneráveis
INTRODUÇÃO
Tramitam no Congresso Nacional diversos projetos de lei que permitem ao Delegado de Polícia adotar medidas protetivas aos vulneráveis (crianças, adolescentes, idosos e mulheres vítimas de violência doméstica) que, se convertidos em lei, promoverão melhor tutela dos direitos fundamentais daqueles, tutela esta a qual o Brasil se comprometeu a garantir em diversos documentos internacionais. Analisar alguns destes projetos que buscam rapidez na solução do sofrimento e da angústia, sempre sob o enfoque do moderna doutrina humanista, é o objetivo que se persegue.
2- A IMPRESCINDIBILIDADE DO DELEGADO DE POLÍCIA AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
A origem histórica do termo “delegado” remonta ao século XIX. Segundo Perazzoni2, em 1808 com a vinda da família real para o Brasil foi criada a Intendência Geral de Polícia administrada pelo Intendente Geral de Polícia, o qual poderia autorizar outra pessoa a representá-lo nas províncias, surgindo, assim, o uso do termo “delegado”. As funções exercidas eram amplas: administrativas, investigativas e judiciais. A denominação Delegado de Polícia, contudo, veio somente com a Lei nº 261/1841 e a separação definitiva entre as funções judiciais e policiais surgiu com a Lei nº 2033/1871.
O Delegado de Polícia é quem primeiro toma conhecimento da situação fática que se lhe apresenta, cabendo a ele observar com rigor os direitos fundamentais do preso ou investigado, tornando-o imune a uma perseguição desmedida pelo Estado. Não por outra razão o Ministro Celso de Melo em seu voto no HC 84548/SP o definiu como o “primeiro garantidor da legalidade e da justiça”.
A necessidade de conhecimento técnico-jurídico pelo Delegado é reconhecida por vários Estados brasileiros, os quais destacam a carreira jurídica como inerente ao cargo, a saber: Santa Catarina, São Paulo, Amapá, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, Maranhão, Goiás, Pará, Paraná, Amazonas e Tocantins3. Em 2013, a Presidência da República e o Congresso Nacional, através da Lei nº 12.830 reconheceram a relevância da atividade do Delegado, verbis:
Art. 2° As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
Art. 3° O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.
Também a atuação federal, através da Lei nº 13.047/2014, foi objeto de atenção legislativa. Dispositivos específicos tratam do tema:
Art. 2º-A (…) Parágrafo único. Os ocupantes do cargo de Delegado de Polícia Federal, autoridades policiais no âmbito da polícia judiciária da União, são responsáveis pela direção das atividades do órgão e exercem função de natureza jurídica e policial, essencial e exclusiva de Estado.
Art. 2o-B O ingresso no cargo de Delegado de Polícia Federal, realizado mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, é privativo de bacharel em Direito e exige 3 (três) anos de atividade jurídica ou policial, comprovados no ato de posse.”
O Supremo Tribunal Federal, em 2007, já apontava a juridicidade do cargo4, através do Ministro Carlos Ayres Britto:
De se ver que, desde o primitivo §4º do art. 144 da Constituição Federal, o cargo de Delegado de Polícia vem sendo equiparado àqueles integrantes das chamadas “carreiras jurídicas”, a significar maior rigor na seletividade técnico-profissional dos pretendentes ao desempenho das respectivas funções. E essa exigência constitucional tem a sua explicação no fato de que incumbe aos delegados de polícia exercer funções de polícia judiciária, além de presidir as investigações para a apuração de infrações penais, o que requer amplo domínio do ordenamento jurídico do país.
Marques5, apoiado nas lições de Basileu Garcia e citado por Garcez, anota que “o delegado de polícia é o guardião da sociedade e das leis penais. Ele verifica, in loco, no calor dos fatos, os verdadeiros problemas sociais. Verificando uma infração penal, consubstancia pela entrega ao judiciário dos fatos, do autor, da materialidade, dos motivos, condições e circunstâncias do delito, a fim de auxiliar na prática da justiça. Ele é polícia judiciária.”
O moderno Delegado de Polícia é um garante dos direitos fundamentais, dentre os quais se sobrepõe a dignidade da pessoa humana6. Referido princípio sofreu forte influência do cristianismo (Amarás o teu próximo como a ti mesmo), uma vez que cada pessoa deve ser respeitada enquanto tal. A dignidade da pessoa humana foi violentamente rechaçada durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mas, após o contexto bélico, ressurgiu fortalecida. No Brasil, assume tão grande relevância que foi alçada a fundamento da República (artigo 1º, III, da Constituição Federal de 1988).
Os direitos fundamentais são situações jurídicas essenciais à realização humana sem o que a pessoa não consegue conviver e talvez sobreviver.7 Não diferem, na essência, dos direitos humanos, sendo certo que por clareza e precisão costumam ser considerados direitos humanos positivados, enquanto os direitos da pessoa humana antes da constitucionalização são descritos como humanos simplesmente8.
Willliam Garcez9 traça o perfil do atual Delegado: “Assim, moldado a partir da Constituição Federal de 1988, surge o “delegado de polícia do século XXI”. Esse novo ator do sistema de persecução criminal possui um perfil que é fruto dos valores que sustentam a democracia substancial e o Estado de Direito. Atua ciente do seu direito-dever de aplicar a lei observando todas as suas diretrizes e de conduzir as investigações criminais de acordo com as suas convicções, zelando tanto pela elucidação do fato criminoso como pelo respeito aos direitos do investigado, constituindo-se, a toda evidência, em um garantidor de direitos.”
Embora notória a essencialidade do Delegado à sociedade e ao Estado, é verdade que o exercício do cargo carece de prerrogativas e garantias, como as que possuem juízes e membros do Ministério Público. Neste sentido lapidar a lição de David Queiroz10, para quem a existência de interesses escusos e o poder repressivo de algumas instituições tornam as prerrogativas uma necessidade iminente.
Ao Delegado de Polícia, seja Civil ou Federal, titular do Estado-investigação, incumbe tripla função: a) proteger os bens jurídicos mais caros e ameaçados por condutas lesivas; b) apurar os delitos informados com denodo, imparcialidade e compatível com os ditames de um sistema processual de partes, portanto democrático e; c) proteger o preso/suspeito/investigado dos excessos punitivos estatais, uma vez considerado o princípio da dignidade humana e a titularidade de direitos fundamentais11.
Dotar o Delegado de Polícia de prerrogativas e garantias será um facilitador a sua atividade, exercida com denodo e dedicação nas searas estadual e federal e em estrito cumprimento aos mandamentos legais e constitucionais.
3- DA POSSIBILIDADE DO DELEGADO DE POLÍCIA DECRETAR MEDIDAS PROTETIVAS EM FAVOR DE VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
Em 07 de agosto de 2006 foi aprovada a Lei nº 11.340, que aumenta a punição nos crimes cometidos contra as mulheres, cujo nome lembra Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de várias agressões perpetradas por seu marido. Com o objetivo de imprimir mais eficácia à lei em questão o Deputado Federal Sérgio Vidigal deu início ao projeto de Lei n 07/201612. Como lembra Sannini Neto13, “a lei em questão surgiu com a finalidade de coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, em consonância com o artigo 226, § 8º, da Constituição da República, com a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, entre outros tratados internacionais ratificados pelo Brasil.”
Embora o espírito da lei seja louvável, as medidas protetivas previstas não conseguiram ter a efetividade desejada uma vez que a morosidade no trâmite procedimental afetam sua eficiência prática. Para Hoffmann e Carneiro14, “o próprio nome do instituto evidencia essa necessidade: medidas protetivas de urgência. Quando o Estado demora para agir, ofende a própria natureza da medida, deixando a ofendida com o justo receio de que voltará a ser vitimada e o agressor com o caminho livre para dela se aproximar e voltar a delinquir.”
Segundo dados extraídos do relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da violência doméstica, publicada em julho de 2013, no portal oficial do Senado Federal, no Estado do Acre o juiz competente demora em média de 01 a 06 meses para analisar o pedido, o que coloca em dúvida a eficácia da ação e fulmina a urgência da medida.
O Senado Federal em consulta pública disponibilizada em seu site, registra 693 votos a favor do PLC nº 07/2016 e 35 contrários.
Preservar a vida da ofendida é o grande mote da desejada alteração legislativa, cuidando de proibir a aproximação e o contato do agressor com a ofendida e familiares, bem como a vedação de frequentar certos lugares por parte do agressor. Também o encaminhamento a programas de proteção e a recondução da ofendida ao lar após a saída do agressor são medidas protetivas previstas.
Algumas entidades de classe se posicionaram contrárias à aprovação do projeto. Ronaldo Batista Pinto15 cita a Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a Associação Nacional do Ministério Público (CONAMP), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e o Fórum Nacional dos Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (FONAVID). Sérias dúvidas permanecem se a discussão é jurídica ou político-classista. Argumenta-se que a inovação feriria o princípio da reserva de jurisdição, o qual é explicitado por Canotilho16
“A ideia de reserva de jurisdição implica a reserva de juiz relativamente a determinados assuntos. Em sentido rigoroso, reserva de juiz significa que em determinadas matérias cabe ao juiz não apenas a última palavra mas também a primeira palavra. É o que se passa, desde logo, no domínio tradicional das penas restritivas da liberdade e das penas de natureza criminal na sua globalidade. Os tribunais são os guardiões da liberdade e das penas de natureza criminal e daí a consagração do princípio nulla poena sine judicio…”
Segundo o Ministro Néri da Silveira (STF – Pleno – MS n.° 23.642/DF, decisão: 29-11-2000), é a Constituição Federal quem nomina os atos sujeitos à reserva de jurisdição, atribuindo-os, com exclusividade, aos membros do Poder Judiciário. Vale dizer que nenhuma das medidas protetivas em discussão constam na Constituição como exclusivas do Poder Judiciário e o poder judicial de verificar a regularidade do ato continua válido.
O princípio geral do direito quem pode o mais pode o menos (in eo quod plus est semper inest et minus) é utilizado para defender as medidas protetivas decretadas pelo Delegado de Polícia. Neste sentido a lição de Sannini Neto17: “Não nos convence o argumento de que medidas dessa natureza devem ficar a cargo exclusivamente do Poder Judiciário, pois situações urgentes merecem respostas imediatas. Ora, se o delegado de polícia é a autoridade com atribuição legal para decretar prisões em flagrante, uma medida que restringe por completo um dos direitos fundamentais mais valiosos ao indivíduo, qual seja, a liberdade de locomoção, por que não poderia decretar medidas menos incisivas como as protetivas de urgência?! E continua: Vale consignar que nos termos do projeto de lei em análise, o delegado de polícia terá o prazo de vinte e quatro horas para dar ciência ao juiz sobre as medidas protetivas aplicadas, ocasião em que a autoridade judicial poderá revê-las ou mantê-las, conforme seu entendimento. Percebe-se, destarte, que não se está retirando do magistrado a possibilidade de verificar a medida mais adequada ao caso, o que demonstra o caráter provisório da decisão exarada pela autoridade policial.”
Notório é que o Delegado de Polícia tem autorização legal para efetuar prisões em flagrante (artigo 304 do CPP), medida muito mais restritiva de direitos do que a aplicação de medidas protetivas. Também são permitidas ao Delegado a aplicação de liberdade provisória com fiança (artigo 322 do CPP), a apreensão de bens e a requisição de perícias (artigo º, II e VII do CPP), entre tantas outras medidas. O parecer da Comissão de Constituição e Justiça relativo ao PLC 07/2016 (relator Senador Aloysio Nunes Ferreira), defendendo o projeto dissertou:
Ora, reconhecemos o papel fundamental da autoridade policial. Os Delegados de Polícia Civil são os primeiros garantidores dos direitos do cidadão vítima de delitos penais. Sua atuação é pautada pelo comprometimento com a legalidade dos procedimentos, a acuidade na apuração dos fatos e o embasamento jurídico técnico e imparcial das investigações Mas não apenas isso. As atribuições legais declinadas à autoridade policial podem e devem ir além. Diversos projetos inovadores vêm sendo discutidos no País e não somente no âmbito do combate à violência doméstica contra a mulher. A criminalidade é um mal que assola o País, muito do que fruto de políticas públicas ora ineficientes, ora mal planejadas. Os resultados bem sucedidos, portanto, merecem reconhecimento e devem ser estimulados, na medida em que se comprovem resultados eficazes.
A aplicação das medidas protetivas pela autoridade policial reforça as diretrizes lançadas pela Lei Maria da Penha em sua origem e permite que o país cumpra os acordos internacionais que tratam do tema. A garantia dos direitos fundamentais torna o Direito Penal aceitável por todos, inclusive pelos réus e imputados, na lição de Ferrajoli18, sendo que a Lei nº 11.340 quanto mais efetiva maior será a defesa da dignidade das mulheres vítimas de violência doméstica. Na lição de Costa19: “[…] não mais se concebe o Estado de Direito como uma construção formal: é preciso que o Estado respeite a dignidade humana e os direitos fundamentais para que se possa ser considerado um Estado de Direito material. O Estado de Direito legitima-se pela subordinação à lei e, ao mesmo tempo, a determinados valores fundamentais, consubstanciados na dignidade humana”.
No julgado infra destacado o próprio Poder Judiciário reconheceu a demora na atuação, o que inviabilizou a correspondente medida protetiva:
1.TJ-MA – Apelação APL 0346752014 MA 0001440-80.2011.8.10.0005 (TJ-MA), Data de publicação: 26/02/2015
Representação. Ementa: LEI MARIA DA PENHA . APELAÇÃO CÍVEL. MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. ARQUIVAMENTO DOS AUTOS. PRESENTES AS CONDIÇÕES DA AÇÃO. DEMORA DO PODER JUDICIÁRIO. APELAÇÃO PROVIDA. I – O principal objetivo da Lei Maria da Penha é coibir e prevenir a violência doméstica e estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres. II – No presente caso, a demora para o cumprimento da medida protetiva deve-se, exclusivamente, ao Poder Judiciário, que deixou de cumprir as disposição da Lei nº 11.340 /06. III – Não há necessidade da representante informar nos autos que a medida foi descumprida, posto que já fez a, sendo obrigação do Poder Judiciário fazer com que a medida seja efetivada. IV – Apelo provido.
Em outro caso o Tribunal de Justiça do Distrito Federal reconheceu a necessidade de medidas protetivas de urgência relativamente a ameaça de morte sofrida pela vítima. Quanto mais estaria protegida a vida da vítima se tais medidas fossem deferidas já no âmbito policial?
2.TJ-DF – Petição PET 20150020232148 (TJ-DF), Data de publicação: 13/10/2015
Ementa: PETIÇÃO. AMEAÇA NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DOMÉSTICAS.MEDIDASPROTETIVAS DE URGÊNCIA. A Lei Maria da Penha criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, que compreende, não só a violência física, mas, também a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional. Cabível o deferimento de medidasprotetivas de urgência quando há indícios de que a vítima sofreu ameaça de morte, sendo forçada abandonar o imóvel em que reside, juntamente com o filho do casal, em razão do temor que lhe incutiu a ameaça.
4- O PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 89/201520
Encontra-se na Comissão de Constituição de Justiça do Senado Federal o PLS em comento que altera a Lei nº 9.807/99, para criar mecanismos de proteção às vítimas e testemunhas. Em junho de 2015 o projeto foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos e Legislação participativa (38ª reunião extraordinária).
Embora pequena tenha sido a participação na enquete oficial do Senado o PLS 89/2015 tem apoio de mais de 90% dos participantes.
Na justificação ao projeto o Senador Humberto Costa, autor da proposta, recomenda a sua aprovação com o escopo de amparar, de modo mais eficiente e célere, as pessoas em condições especiais de vulnerabilidade, mormente idosos, crianças, adolescentes, portadores de necessidades especiais e mulheres em situação de violência doméstica. Em síntese, assim se expressa o parlamentar21:
Dito de outro modo, as medidas de urgência devem ser aplicadas de pronto, sempre que a vida ou a integridade das vítimas e testemunhas estejam sob grave risco, e isso se dá nos momentos mais inesperados, quando apenas a delegacia de polícia encontra-se aberta para recebê-las. O objetivo do presente projeto, portanto, é tornar as delegacias de polícia locais de defesa da cidadania, da dignidade e de proteção imediata à vítima e à testemunha, especialmente as vulneráveis. Para tanto, urge a adoção de medidas eficazes à proteção destas vítimas, quase sempre relegadas ao esquecimento pelo legislador. Diariamente, situações das mais diversas naturezas, envolvendo pessoas em situação de risco, chegam à delegacia de polícia e ao conhecimento do delegado, que é, a toda evidência, a autoridade mais adequada para providenciar as medidas urgentes.Com efeito, a autoridade de polícia judiciária foi eleita, por nossa tradição e cultura, como o primeiro juízo da causa, responsável pela solução dos conflitos que atingem os bens jurídicos mais relevantes – a vida, a incolumidade física, o patrimônio e a segurança individual e coletiva. (grifamos)
E conclui:
Deve ser registrado que não há entre as medidas previstas nenhuma sujeita à reserva de jurisdição, não incorrendo em qualquer vício de constitucionalidade ou legalidade. E não poderia ser diferente, pois se o delegado de polícia judiciária pode o mais, que é determinar a prisão em flagrante, não há óbice para o menos, que é determinar medidas menos gravosas com o objetivo especial de promover o imediato atendimento e amparo às vítimas em situação de vulnerabilidade. Por fim, acrescenta-se que todas as medidas previstas terão natureza precária, vigendo temporariamente até sejam apreciadas pelo juiz de direito, ouvido previamente o Ministério Público, de modo que o delegado atuará como meio de proteção da vítima na situação de emergência. É, portanto, com esse relevante e imperioso objetivo, que apresentamos este projeto, voltado especialmente à defesa das vítimas vulneráveis.
Na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, o relator Senador José Medeiros pontuou: “(…) parece-nos de bom alvitre que, com efeito, pessoas vulneráveis sejam passíveis de serem protegidas por medidas protetivas de urgência quando se encontrarem na condição de vítimas ou testemunhas. Medidas análogas já são previstas com sucesso, por exemplo, na Lei Maria da Penha. Deve-se ter em conta que, no momento de maior necessidade, não se pode permitir que as pessoas particularmente vulneráveis padeçam em função justamente de sua condição intrínseca. O delegado de polícia, portanto, deve, sim, ter legitimidade para intervir em favor da segurança da vítima ou testemunha vulnerável.”
Atuar na defesa dos vulneráveis é dever do Estado que não pode titubear na nobre função. O atraso na adoção de medidas protetivas pode ser irreversível. No caso do PLS nº 89/2015 a adoção das medidas pelo Delegado de Polícia (apreensão de objetos que coloquem a vida da vítima ou testemunha em risco e afastamento temporário e proibição de aproximação da vítima ou testemunha) resguardam a vida daquela pessoa vulnerável, o que requer absoluta urgência na atuação do órgão público. Francisco Sannini Neto22 adverte:
Temos a convicção de que é chegado o momento em que interesses corporativos23 devem ser deixados de lado em respeito aos direitos das vítimas, direitos estes, vale dizer, que são assegurados pela Constituição da República e por tratados internacionais ratificados pelo Brasil. O delegado de polícia com formação jurídica tem sua origem umbilicalmente ligada ao Poder Judiciário, devendo agir como uma espécie de longa manus do juiz na tutela dos direitos e garantias fundamentais.
5- O PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 90/201524
Também de autoria do Senador Humberto Costa, o projeto de lei nº 90/2015 altera o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), para aprimorar os mecanismos de proteção às pessoas em situação de vulnerabilidade. Encontra-se, atualmente, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Embora tenha mais de 80% de aprovação na pesquisa pública efetuada pelo Senado, o Senador Flexa Ribeiro rejeitou o projeto em seu voto, alegando que tal ofenderia o princípio da reserva de jurisdição, o que como já se pontuou alhures não é verdadeiro, mormente se considerarmos que o juiz sempre toma conhecimento da medida e da mesma forma o órgão ministerial, sendo a medida submetida a criteriosa análise ministerial e judicial. Também a participação da defesa resta assegurada em nada sendo afetada pelas tais medidas protetivas. Maria Berenice Dias, apud Hoffmann e Carneiro25, se posiciona: “É indispensável assegurar à autoridade policial que, constatada a existência de risco atual ou iminente à vida ou integridade física e psicológica da vítima ou de seus dependentes, aplique provisoriamente, até deliberação judicial, algumas das medidas protetivas de urgência, intimando desde logo o agressor.” Os doutrinadores citados também ponderam que a adoção das medidas homenageia o princípio da eficiência e citando Luís Virgílio Afonso da Silva pontuam que o princípio da proporcionalidade ao mesmo tempo em que veda o excesso, proíbe no mesmo tom a proteção insuficiente.
A alteração no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) e que atinge o artigo 45 da lei, permite que o Delegado de Polícia ao tomar conhecimento de situação de risco atual ou potencialmente lesivo a idoso atuará para que cesse o mais rápido possível a violação (seja por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; seja por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento; ou, finalmente, mesmo em razão da condição pessoal senil) adotando medidas protetivas, tais quais encaminhamento à família ou curador, requisição para tratamento da saúde, abrigo em entidade e inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio. Toda esta atuação do Estado requer máxima celeridade no sentido de preservar a vida e a dignidade do idoso. Dados estatísticos do IBGE26 apontam que no Brasil a população idosa atinge 23,5 milhões de pessoas (12,1% do total) e que no mundo existem 810 milhões de pessoas com 60 anos ou mais (11,5% do total).
O Ministério dos Direitos Humanos, em sua página oficial,27 elenca dois programas principais em relação à pessoa idosa: Plano de Ação para o Enfrentamento da Violência Contra Pessoa Idosa (o Plano lista mecanismos de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa com base em orientações do Estatuto do Idoso) e Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento (o Plano lista ações para a promoção da saúde e bem-estar na velhice considerando contextos nacionais e internacionais). Quer-nos parecer que as medidas protetivas em sede policial vem a ser uma facilitador na consecução de tais objetivos.
A morosidade na atuação do Estado em relação a graves violações podem fulminar de nulidade direitos consagrados no Estatuto como vida, liberdade, respeito e dignidade. Como diz o artigo 9º da lei que se debate, é obrigação do Estado garantir à pessoa idosa proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade. Neste sentido é inegável que as medidas protetivas efetivam políticas públicas de tutela a este grupo de vulneráveis, medidas estas que necessitam de trâmite rápido.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, por seu turno, será alterado em seu capítulo III, com o acréscimo do artigo 102-A com o objetivo de fazer cessar a violação a direito dos menores (encaminhamento aos pais, responsáveis ou ao Conselho Tutelar; matrícula e frequência em estabelecimento de ensino; inclusão em programas de promoção oficiais de proteção; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico; e inclusão em programas de tratamento a alcoólatras e toxicômanos). Também serão permitidas medidas pertinentes aos pais ou responsáveis e, em casos excepcionais, poderá ser aplicada a medida de afastamento do agressor.
Os direitos das crianças e adolescentes sofrem inúmeras violações no Brasil. Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, o Disque Direitos Humanos (Disque 100) recebeu ao longo do ano de 2016, 77.290 denúncias de violação dos direitos das crianças e adolescentes, número 3% menor que o registrado em 2015.28
Considerando que a lei, em seu artigo 70, reza que é dever de todos, prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente e que o princípio da proteção integral estampado no ECA (artigo 4º- É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária) reclama a efetivação dos direitos deste grupo de vulneráveis, tem-se que medidas protetivas em muito auxiliarão na concretude e preservação destes direitos.
Remover as causas que motivam violações de direitos de direitos humanos estabelecendo-se políticas preventivas é propor a afirmação de tais direitos, segundo a lição de Sorto.29 Ora, quando o agressor é afastado rapidamente da vítima não se está afirmando o direito fundamental à vida? Ou esperar o pronunciamento judicial não é ato temerário e, possivelmente, de efeitos irreversíveis?
6- OS DIREITOS DOS VULNERÁVEIS E DOCUMENTOS INTERNACIONAIS CORRESPONDENTES
O Decreto nº 99.720/1990 promulgou a Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1990, assinada pelo Brasil juntamente com mais de uma centena de países e que considera criança todo ser humano com menos de 18 anos. Diversos direitos destacados na Convenção restariam melhor assegurados com a aplicação de medidas céleres e protetivas pela autoridade policial.
Já com relação ao idoso, o Brasil assinou a Convenção Interamericana sobre os Direitos das Pessoas Idosas, no que certamente maior agilidade na promoção dos direitos destas pessoas garantiria melhor resultado àquilo que se propôs: De acordo com o Itamaraty, este é o primeiro instrumento internacional juridicamente vinculante voltado para a proteção e a promoção dos direitos das pessoas idosas – “Sua aprovação constitui avanço nos esforços para assegurar, em caráter permanente, os direitos desse grupo populacional. A convenção reconhece as pessoas idosas como sujeitos de direitos, empoderando-as e garantindo a sua plena inclusão, integração e participação na sociedade”, destacou o ministério, em nota.30
Também as pessoas com deficiência são objeto de proteção. O Decreto nº 6.949/2009, promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2007. As mulheres, por seu turno, foram contempladas, entre outros documentos, pelo Decreto nº 4.316/2002, o qual promulgou o Protocolo Facultativo à Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, assinado em 1999. Vale ressaltar que o Brasil foi responsabilizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos por ser tolerante com a violência doméstica praticada contra as mulheres (Relatório CIDH 54/2001)31
Flávia Piovesan ressalta a importância dos tratados de direitos humanos
(…) os tratados internacionais de direitos humanos podem contribuir de forma decisiva para o reforço da promoção dos direitos humanos no Brasil. No entanto, o sucesso da aplicação deste instrumental internacional de direitos humanos requer a ampla sensibilização dos agentes operadores do Direito no que se atém à relevância e à utilidade de advogar estes tratados junto a instâncias nacionais e inclusive internacionais, o que pode viabilizar avanços concretos na defesa do exercício dos direitos da cidadania. A partir da Constituição de 1988 intensifica-se a interação e conjugação do Direito Internacional e do Direito interno, que fortalecem a sistemática de proteção dos direitos fundamentais, com uma principiologia e lógica próprias, fundadas no princípio da primazia dos direitos humanos. A Carta de 1988 lança um projeto democratizante e humanista, cabendo aos operadores do direito introjetar, incorporar e propagar os seus valores inovadores. Os agentes jurídicos hão de se converter em agentes propagadores da ordem democrática de 1988, impedindo que se perpetuem os antigos valores do regime autoritário, juridicamente repudiado e abolido. Hoje, mais do que nunca, os operadores do Direito estão à frente do desafio de reinventar, reimaginar e recriar seu exercício profissional a partir deste novo paradigma e referência: a prevalência dos direitos humanos. (grifamos)
Qualquer medida que venha a assegurar e dar efetividade aos direitos fundamentais é válida e deve ser implementada. Vivemos na era da máxima efetividade dos direitos humanos. Bobbio33 destaca que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los (…). Não se trata mais de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.” E a demora do Estado em fazer cessar a violência contra o vulnerável é quedar-se inerte frente a violação do direito fundamental daquela população.
7- CONCLUSÃO
Sendo o Estado uno e voltado à consecução do bem estar coletivo das pessoas que o compõe, não nos parece possível considerar os projetos de leis que permitem aos Delegados de Polícia a adoção de medidas protetivas aos vulneráveis como uma afronta ao princípio da reserva de jurisdição ou mesmo a invasão da esfera de competência do Poder Judiciário ou do Ministério Público. Somos todos (Legislativo, Judiciário, Executivo) um corpo só (o Estado) e devemos agir em conjunto. O entendimento de Ronaldo Batista Pinto34, Promotor de Justiça em São Paulo, combate a indevida resistência na aprovação do projeto de lei que trata da violência doméstica, mas que bem pode ser estendido a todos os vulneráveis e aos demais projetos:
Viés corporativista na resistência à inovação – Conquanto reconheçamos a salutar intenção dos órgãos refratários à alteração legislativa, todos fortemente empenhados no aprimoramento da legislação que trata da violência contra a mulher, somos obrigados a apontar um certo viés corporativista na resistência. Deve-se recordar que o delegado de polícia possui, obrigatoriamente, formação jurídica e assume as funções que lhe são inerentes mediante a aprovação em concurso público, tal qual juízes, promotores e demais membros das chamadas carreiras jurídicas. Inexiste, outrossim, qualquer subordinação hierárquica entre o delegado de polícia, o promotor de justiça e o juiz de direito, Essas impressões são reforçadas pela lei 12.830/2013, que, em seu art. 2º, identifica as funções de polícia judiciária como de natureza jurídica e determina que ao delegado de polícia seja dispensado “o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados” (art. 3º). (grifamos)
A própria Maria da Penha35 defende a prerrogativa dos Delegados decretarem medidas protetivas de urgência, vez que em assim agindo o Estado pode inibir a continuidade delitiva e evitar até mesmo um assassinato. Continua Ronaldo Batista36:
Bem por isso, já assentou no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quando da análise de uma prisão em flagrante, que “o Delegado de Polícia não tem função robotizada. É bacharel em Direito. Submete-se a concurso público. Realiza, na própria Instituição, cursos específicos. Tem, na estrutura de sua função, chefias hierárquicas e órgão correcional superior. Não se pode, pois, colocar seu agir sempre sob a suspeita de cometimento de crime de prevaricação, caso não lavre o flagrante, principalmente quando esse seu agir pressupõe decisão de caráter técnico-jurídico, como o é no caso do auto de flagrante. Está na hora, pois, mormente neste momento em que se procura alterar o Código de Processo Penal, de se conferir ao Delegado de Polícia regras claras e precisas para que o exercício de sua função não seja um ato mecânico, burocrático, carimbativo, dependente, amedrontado ou heroico, enfim, não condizente com a alta responsabilidade e dever que a função exige, até para que se possa cobrar plenamente essa responsabilidade que lhe é conferida e puni-lo pelos desvios praticados” (HC 370.792). (grifamos)
Batista37 conclui enaltecendo o ânimo da lei Maria da Penha, qual seja proteger a vítima de violência doméstica e do modo mais célere e eficaz possível, afinal quem tem dor, tem pressa:
Face a tudo que expusemos, não temos dúvida em indicar a aprovação do projeto de lei em discussão no Senado. Apartando-se eventuais posicionamentos corporativistas, é induvidoso que a inovação contribui para que se atinja o escopo principal da lei, consistente na efetiva proteção da vítima de violência doméstica. Ao dotar o delegado de polícia com a faculdade de impor medidas protetivas de urgência, com a indicação de um agente policial que, de imediato, cumprirá o que foi determinado, confere especial efetividade ao diploma legal, pois se trata de providência que, dotada de celeridade, revela-se apta a evitar um mal maior. Dos parlamentarem aguarda-se que ajam com a sensibilidade que a questão reclama. (grifamos)
Cabe ao Estado, assim, efetivar os direitos fundamentais do ser humano – dentre os quais brilha com intensidade a dignidade da pessoa- mormente o da população vulnerável. E toda medida facilitadora deste objetivo, que é uma das razões de ser do ente estatal, deve ser aplaudida e concretizada. Neste campo entram as medidas protetivas aplicadas pelos Delegados de Polícia. Com a aprovação dos projetos de lei correspondentes os direitos e sua efetividade tendem a ser aplicados de modo mais célere e pronto, sem esquecer que os atos estarão sempre sujeitos ao controle judicial e ministerial, e assim a busca pelo respeito e pela dignidade restam configurados. Como disse o Papa João Paulo II em discurso na ONU em 1979: “Todo ser humano possui uma dignidade que jamais poderia ser diminuída, violada ou destruída, mas que deveria ser sempre e em qualquer circunstância, respeitada e protegida.”
REFERÊNCIAS
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CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição, Almedina, 2003.
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SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado,2002.
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SORTO, Fredys Orlando. A Declaração Universal dos Direitos Humanos no seu sexagésimo aniversário. Verba Juris, João Pessoa, n. 7, ano 7, p. 09-34, jan./dez. 2008.
NOTAS
2 PERAZZONI, Franco. Comentários ao artigo 3º da Lei 12.830/13. In: Investigação Criminal Conduzida por Delegado de Polícia. Curitiba: Juruá. 2013. Pp 217-266.
3 Existem várias ADI propostas pela Procuradoria Geral da República contra dispositivos que equiparam às carreiras jurídicas os cargos de delegado de polícia, a saber: ADI 5.579, 5.517, 5.520, 5.522, 5.528,5.536 e 5.573.
4 STF, Tribunal Pleno, ADI 3441, Rel. Min. Carlos Ayres Britto, DJ 09/03/2007.
5 GARCEZ, William. O Delegado de Polícia como garantidor de direitos: um mandamento implícito do Estado Democrático (parte 1). Disponível em https://jus.com.br/artigos/48730/o-delegado-de-policia-como-garantidor-de-direitos-um-mandamento-implicito-do-estado-democratico-parte-1. Acesso em 24/06/2017.
6 Ingo Wolfgang Sarlet assim a conceitua [4]: Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
7 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 178.
8 BONAVIDES, Paulo. Os Direitos Humanos e a Democracia. In Direitos Humanos como Educação para a Justiça. Reinaldo Pereira e Silva org. São Paulo: LTr, 1998, p. 16
9 Op.cit., p. 02
10 QUEIROZ, David. Delegado de Polícia, o primeiro garantidor de direitos fundamentais! Mas quem garante o garantidor? Disponível em http://emporiododireito.com.br/delegado-de-policia-o-primeiro-garantidor-de-direitos-fundamentais-mas-quem-garante-os-direitos-do-garantidor-por-david-queiroz. Acesso em 24/06/2017.
11 Op. cit.,p. 217-266
12 Acrescenta dispositivos à Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, para dispor sobre o direito da vítima de violência doméstica de ter atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado, preferencialmente, por servidores do sexo feminino, e dá outras providências. O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o direito da vítima de violência doméstica de ter atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado, preferencialmente, por mulheres. Art. 2º A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 10-A, 12-A e 12-B:
“Art. 10-A. O atendimento policial e pericial especializado e ininterrupto é direito da mulher vítima de violência doméstica e familiar.
§ 1º A inquirição de vítima ou testemunha de violência doméstica, quando se tratar de crime contra a mulher, obedecerá às seguintes diretrizes:
I – salvaguardar a integridade física, psíquica e emocional da depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência doméstica;
II – garantir que em nenhuma hipótese a vítima de violência doméstica, familiares e testemunhas terão contato direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionados;
III — evitar a revitimização da depoente, com sucessivas inquirições sobre o mesmo fato, nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada;
IV – prestar atendimento policial e pericial especializado e ininterrupto, preferencialmente, por servidores do sexo feminino previamente capacitados.
§ 2º Na inquirição de vítima ou testemunha de delitos de que trata esta Lei, adotar-se-á, preferencialmente, o seguinte procedimento:
I — a inquirição será feita em recinto especialmente projetado para esse fim, o qual conterá os equipamentos próprios e adequados à idade da vítima ou testemunha, ao tipo e à gravidade da violência sofrida;
II — quando for o caso, a inquirição será intermediada por profissional especializado em violência doméstica designado pela autoridade judiciária ou policial;
III — o depoimento será registrado por meio eletrônico ou magnético, cujas degravação e mídia passarão a fazer parte integrante do inquérito.” 3
“Art. 12-A. Os Estados e o Distrito Federal, na formulação de suas políticas e planos de atendimento à mulher vítima de violência doméstica, darão prioridade, no âmbito da Polícia Civil, à criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher – DEAMs, de Núcleos Investigativos de Feminicídio e de equipes especializadas para o atendimento e investigação das violências graves contra a mulher.”
“Art. 12-B. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou integridade física e psicológica da vítima ou de seus dependentes, a autoridade policial, preferencialmente da delegacia de proteção à mulher, poderá aplicar provisoriamente, até deliberação judicial, as medidas protetivas de urgência previstas no inciso III do art. 22 e nos incisos I e II do art. 23 desta Lei, intimando desde logo o ofensor.
§ 1º O juiz deverá ser comunicado no prazo de vinte e quatro horas e poderá manter ou rever as medidas protetivas aplicadas, ouvido o Ministério Público no mesmo prazo.
§ 2º Não sendo suficientes ou adequadas as medidas protetivas previstas no caput, a autoridade policial representará ao juiz pela aplicação de outras medidas protetivas ou pela decretação da prisão do autor. 4
§ 3º A autoridade policial poderá requisitar os serviços públicos necessários à defesa da vítima e de seus dependentes.” (grifamos)
13 NETO, Francisco Sannini. Lei Maria da Penha e o Delegado de Polícia. Disponível em https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/349584384/lei-maria-da-penha-e-o-delegado-de-policia. Acesso em 25/06/2017.
14 CASTRO, Henrique Hoffmann Monteiro e CARNEIRO, Pedro Rios. Concessão de medidas protetivas na delegacia é avanço necessário. Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-jun-20/concessao-medidas-protetivas-delegacia-avanco-necessario. Acesso em 25/06/2017.
15 PINTO, Ronaldo Batista. Da possibilidade do delegado de polícia decretar medidas protetivas em favor da vítima de crimes perpetrados no âmbito doméstico. Disponível em http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI241074,101048-Da+possibilidade+do+delegado+de+policia+decretar+medidas+protetivas. Acesso em 27/06/2017.
16 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição, Almedina, 2003, p.664.
17 Op. cit., p. 04-05
18 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 210
19 COSTA, Helena Regina Lobo da. A dignidade humana: teoria de prevenção geral positiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 37
20 PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 89, DE 2015 Altera a Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, para criar mecanismos de proteção às vítimas e testemunhas vulneráveis. O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º A Lei nº 9.807, de 13 de julho de 1999, passa a vigorar acrescida do Capítulo III e do art. 15-A, com a seguinte redação:
“CAPÍTULO III DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ÀS VÍTIMAS E TESTEMUNHAS VULNERÁVEIS
Art. 15-A. Logo que tomar conhecimento de ocorrência envolvendo risco atual ou iminente à vítima ou testemunha vulnerável, o delegado de polícia poderá aplicar de imediato, em ato fundamentado, as seguintes medidas protetivas de urgência de caráter temporário ao investigado ou indiciado, comunicando, no prazo de 24 horas, o juiz competente, que poderá revê-las ou mantê-las, ouvido o Ministério Público, no prazo de 48 horas: I – apreensão de objetos utilizados na prática da infração penal ou que estejam colocando em risco a vítima ou testemunha; II – restituição de bens indevidamente subtraídos da vítima ou testemunha; III – afastamento temporário e proibição de aproximação da vítima ou testemunha.
§ 1º Poderão ser aplicadas às vítimas e testemunhas vulneráveis as medidas de proteção previstas nos incisos I, II, III, IV, VII, VIII, do art. 7º desta Lei.
§ 2º Consideram-se vulneráveis as pessoas que, por circunstâncias ligadas à sua condição pessoal, devam receber proteção especial e diferenciada do poder público, como crianças, adolescentes, idosos, portadores de necessidades especiais e mulheres vítimas de violência doméstica e seus dependentes, sem prejuízo do disposto nas leis específicas.
§ 3º Se o fato de que tiver notícia caracterizar infração penal, o delegado de polícia prosseguirá na apuração, instaurando inquérito policial ou outro procedimento legal cabível; caso contrário, comunicará o fato à autoridade com atribuição para apuração de eventual infração cível ou administrativa.
§ 4º O delegado de polícia poderá requisitar serviços públicos de saúde, segurança pública e assistência social, bem como certidões, documentos e prontuários médicos para defesa dos interesses e direitos das vítimas e testemunhas vulneráveis.
§ 5º A desobediência às requisições ou medidas de proteção aplicadas com base neste artigo ensejará a responsabilização criminal por desobediência, sem prejuízo da responsabilização civil e administrativa.”
Art. 2º Esta Lei entra em vigor trinta dias após a data de sua publicação. (grifamos)
21 Disponível no portal do Senado Federal. Acesso em 26/06/2017.
22 Op.cit., p. 06
23 Também a celebração de acordo de colaboração premiada pelo Delegado de Polícia é fruto de questionamento trazido à baila pela Procuradoria Geral da República na ADI nº 5508
24 PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 90, DE 2015 Altera as Leis nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), nº 8.069, de 13 de julho de 1.990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e nº 11.340, de 7 de agosto de 2.006 (Lei Maria da Penha), para aprimorar os mecanismos de proteção às pessoas em situação de vulnerabilidade. O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º Os art. 45, 50 e 109 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 45 § 1º Ao tomar conhecimento, no exercício de suas funções, de situação de risco atual ou potencialmente lesivo a idoso, nos termos do art. 43, o delegado de polícia providenciará para que cesse o mais rapidamente possível a violação, adotando as medidas necessárias, dentre elas a aplicação imediata, isolada ou cumulativamente, das medidas de proteção previstas neste artigo, comunicando em seguida ao juiz competente, ao Ministério Público e, conforme o caso, à Defensoria Pública e às instituições de proteção ao idoso. § 2º Ao tomar conhecimento das medidas aplicadas nos termos do parágrafo anterior, o juiz poderá revê-las ou mantê-las, se entender suficientes e adequadas, ouvido previamente o Ministério Público. § 3º Se o fato de que tiver notícia caracterizar infração penal, o delegado de polícia prosseguirá na apuração, instaurando inquérito policial ou outro procedimento legal cabível, ou, conforme o caso, comunicará o fato à autoridade com atribuição para apuração de eventual infração cível ou administrativa aos direitos dos idosos. § 4º O delegado de polícia poderá requisitar serviços públicos de saúde e assistência social, bem como às entidades públicas ou privadas as providências necessárias à proteção e à defesa do idoso em situação de risco. § 5º A desobediência às requisições ou medidas de proteção aplicadas pelo delegado de polícia com base nesta lei ensejará a responsabilização civil, criminal e administrativa do responsável.”(NR)“Art.50-XVIII – Comunicar ao delegado de polícia, para as providências cabíveis, a notícia de fato que caracterize situação de risco e infração penal contra idosos, bem como atender às requisições que lhes forem encaminhadas pela referida autoridade.”(NR) “Art. 109. Impedir ou embaraçar ato do representante do Ministério Público, do delegado de polícia ou de qualquer agente fiscalizador:”(NR) Art. 2º O Título II (Das Medidas de Proteção) da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo III: “Capítulo III Das Medidas Protetivas de Urgência Aplicáveis pelo Delegado de Polícia Art. 102-A. Ao tomar conhecimento, no exercício de suas funções, de situação de risco atual ou potencialmente lesivo à criança ou adolescente, nos termos do art. 98, o delegado de polícia providenciará para que cesse o mais rapidamente possível a violação, adotando as medidas necessárias, como o encaminhamento ao Conselho Tutelar e a aplicação imediata, isolada ou cumulativamente, das medidas previstas nos incisos I a VI do art. 101 e nos incisos I a VI do art. 129, comunicando em seguida ao juiz da infância e juventude, ao Ministério Público e, conforme o caso, à Defensoria Pública e ao Conselho Tutelar. § 1º Nas hipóteses previstas no art. 130, fora do expediente forense ou quando o retardamento na adoção das medidas legais agravarem o risco à vida ou à integridade física e psicológica da criança e do adolescente, o delegado de polícia poderá determinar o afastamento do agressor, comunicando imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público, ao representante legal da vítima e ao agressor, que será intimado das medidas aplicadas e das penalidades em caso de desobediência. § 2º Ao tomar conhecimento das medidas aplicadas nos termos deste artigo, o juiz poderá revê-las ou mantê-las, se entender suficientes e adequadas, ouvido o Ministério Público. § 3º Se o fato de que tiver notícia caracterizar infração penal, o delegado de polícia prosseguirá na apuração, instaurando inquérito policial ou outro procedimento legal cabível, ou, conforme o caso, comunicará o fato à autoridade com atribuição para apuração de eventual infração cível ou administrativa contra os direitos da criança e do adolescente. § 4º O delegado de polícia poderá requisitar serviços públicos de saúde, educação e assistência social, bem como ao Conselho Tutelar e demais entidades públicas ou privadas as providências necessárias à proteção e à defesa da criança e do adolescente em situação de risco. § 5º A desobediência às requisições ou medidas de proteção aplicadas pelo delegado de polícia com base nesta lei ensejará a responsabilização civil, criminal e administrativa do responsável.” Art. 3º Os arts. 12, 19 e 20 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 12 §4º Ao tomar conhecimento de infração penal envolvendo atos de violência doméstica e familiar contra a mulher, o delegado de polícia poderá aplicar de imediato, em ato fundamentado, isolada ou cumulativamente, as medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I a IV do art. 22, no inciso I e II do art. 23 e no inciso I do art. 24, comunicando em seguida ao juiz competente, ao Ministério Público, à vítima e ao agressor, que será intimado das medidas aplicadas e das penalidades em caso de desobediência.§ 5º O delegado de polícia poderá requisitar serviços públicos de saúde, educação e assistência social, bem como auxílio de qualquer entidade pública ou privada de proteção à mulher e seus dependentes em situação de violência doméstica e familiar. § 6º A desobediência às requisições ou medidas de protetivas aplicadas pelo delegado de polícia com base nesta lei ensejará a responsabilização civil, criminal e administrativa do responsável.”(NR) “Art. 19 § 4º Ao tomar conhecimento das medidas protetivas de urgência aplicadas nos termos do § 4º do art. 12 desta Lei, o juiz poderá mantê-las, se entender suficientes e adequadas, ou revê-las, aplicando as que entender necessárias, ouvido o Ministério Público.”(NR) “Art. 20 § 1º O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. § 2º O delegado de polícia terá acesso às informações referentes aos processos judiciais envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, inclusive fora do horário de expediente forense, a fim de verificar a existência de medidas protetivas, as condições aplicadas e informações necessárias à efetiva proteção da vítima.”(NR) Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (grifamos)
25 Op.cit.,p.03
26 Disponível em http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/dados-estatisticos. Acesso em 28/06/2017.
27 Disponível em http://www.sdh.gov.br/assuntos/pessoa-idosa/programas. Acesso em 28/06/2017.
28 Disponível em http://www.sdh.gov.br/noticias/2017/fevereiro/brasil-registra-mais-de-77-mil-denuncias-de-violacoes-de-direitos da-crianca-e-do-adolescente-em-2016. Acesso em 28/06/2017.
29 SORTO, Fredys Orlando. A Declaração Universal dos Direitos Humanos no seu sexagésimo aniversário. Verba Juris, João Pessoa, n. 7, ano 7, p. 09-34, jan./dez. 2008, p. 10
30 Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2015-06/convencao-interamericana-sobre-os-direitos-das-pessoas-idosas-e. Acesso em 26/06/2017.
31 Disponível em http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/299_Relat%20n.pdf. Acesso em 26/06/2017.
32 PIOVESAN, Flávia. A Constituição de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos. Disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev6.htm. Acesso em 26/06/2017.
33 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos.Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campos, 1992, p. 68
34 Op.cit., p.03
35 Disponível em http://noticias.ne10.uol.com.br/coluna/a-mulher-e-a-lei/noticia/2016/06/20/quem-tem-dor-tem-pressa-esta-em-votacao-alteracao-na-lei-maria-da-penha-621540.php. Acesso em 28/06/2017.
36 Op.cit., p.04
37 Op.cit., p. 04
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