Salve, salve, meus amigos! Estamos de volta para falar de um tema pouco explorado pela ESAF, mas que pode vir à tona na próxima prova de Auditor-Fiscal da RFB. Trata-se dos princípios aplicados à compra e venda de mercadorias.
Para nossa prova, os dispositivos que têm sido cobrados são os princípios elaborados em 1994 para aplicação nos contratos comerciais internacionais (princípios UNIDROIT), que ganharam nova versão em 2004. Sua parte mais relevante se refere ao direito de resolução dos contratos quando da ocorrência de fatores que independem da vontade das partes.
Nesse contexto, ao se interpretar o negócio jurídico frente a um evento que altera as circunstâncias contratuais, surgiu o princípio do favor contractus, em que, sempre que possível, se busca manutenção da execução do contrato, ao invés de sua resolução antecipada. Assim, prestigia-se sua eficácia e efeitos previstos no acordo. Essa ideia também é traduzida pelo brocardo pacta sunt servanda, pelo qual se apregoa que os pactos devem ser respeitados.
Mas, professor Thális, e se mudarem as circunstâncias?
Ora, meus caros, há limites à aplicação do princípio do favor contractus na manutenção da relação contratual, pois, de fato, pode haver alterações nas condições da execução do contrato, como, por exemplo, uma crise financeira internacional que ponha o mundo em recessão.
Aí entra o princípio chamado rebus sic stantibus, em que o contrato deve ser cumprido “estando as coisas assim” ou “enquanto as coisas estiverem assim”. Esta regra fundamenta a chamada “Teoria da Imprevisão”, que constitui uma exceção à regra da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda).
A “Teoria da Imprevisão” dispõe sobre a possibilidade de se alterar um pacto sempre que as circunstâncias de sua formação não forem as mesmas no momento da execução da obrigação contratual, prejudicando uma parte em relação a outra, ou seja, acarretando um desequilíbrio contratual.
No entanto, mesmo diante destes conceitos, pode haver lacunas nos conceitos clássicos do contrato no que se refere à solução dos problemas da incerteza nos contratos de comércio internacional de longa duração.
Assim, a UNIDROIT (Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado ligado à ONU) lança os “Princípios UNIDROIT”, que:
- estabelecem regras gerais para contratos comerciais internacionais;
- devem ser aplicados caso as partes tenham acordado que o seu contrato será regulado por eles;
- podem ser aplicados caso as partes tenham acordado que o seu contrato será regulado por princípios gerais de direito, pela lex mercatoria, ou similares;
- podem ser aplicados caso as partes não tenham escolhido nenhuma lei para regular o seu contrato;
- podem ser usados para interpretar ou suplementar instrumentos internacionais de direito uniforme;
- podem ser usados para interpretar ou suplementar leis nacionais;
- podem servir de modelo para legisladores nacionais e internacionais.
Além disso, cria duas cláusulas para os eventos inevitáveis e imprevisíveis:
- Cláusula de Hardship
- Cláusula de Força Maior
A cláusula de HARDSHIP (cláusula de salvaguarda) elenca medidas a serem tomadas se houver fatos na vigência do contrato que o tornem mais oneroso, desequilibrando a relação contratual, mas, por outro lado, não obriga a sua inexecução. Assim, a hardship demanda a renegociação do contrato para se restabelecer o equilíbrio do contrato. O contrato, portanto, é exequível.
Ademais, temos também a cláusula de FORÇA MAIOR (force majeure), que prevê medidas a serem tomadas quando houver a ocorrência de um fator irresistível e inevitável que gere a inexecução forçada do contrato.
A linha que separa estas duas cláusulas é tênue, pois ambas cuidam de circunstâncias imprevisíveis e inevitáveis, e, por não conseguir prever estes eventos, elas não os detalham. Mas a diferença básica é:
Cláusula de “Força maior” não permite execução do contrato
Cláusula de “hardship” permite a execução do contrato!
Vejamos os seguintes exemplos:
1) O evento força maior (force majeure) se relaciona com circunstâncias que não permitem sua execução, certo? Assim, o tsunami ocorrido na Indonésia em 2004, que implicou naufrágio de um navio com uma obra de arte, feita sob encomenda por artista que já faleceu, pode ter tornado a execução do contrato impossível, pois a mercadoria não existe mais, nem condições de ser novamente produzida.
Esse é um caso de força maior que impede a execução do contrato, e a obra que seria entregue é insubstituível. Fala-se em obrigação infungível, pois ninguém no mundo pode pintar aquela tela.
Entendido? Molezinha, né?
2) Agora, o evento “hardship” se relaciona com circunstâncias que tornam o contrato substancialmente mais oneroso, porém exequível.
Resgatemos a crise de 2008 dos “subprimes”, lembram?
Lembram sim… 2008 foi há pouco! É da época de todo mundo! rsrs
Bom, essa crise foi de uma hora para outra e gerou uma escassez de créditos no mundo, inviabilizando financiamentos internacionais por conta de bancos que haviam adquirido os chamados “títulos podres”, não podendo mais conceder crédito. Sem crédito, a demanda (procura) no mundo inteiro por mercadorias desabou, gerando excesso de oferta e queda brusca nos preços. Por exemplo, no campo das Commodities, diminuindo a demanda, o preço do petróleo desabou!
Nesta situação, considere que um importador brasileiro trazia um embarque de polipropileno (resina plástica derivada do petróleo) da Índia ao valor de US$ 100 mil para produção de copos descartáveis. No entanto, no curso do frete internacional de um mês, a crise se inicia, os preços da resina desabam de um dia para o outro. A escassez de crédito dificulta sobremaneira o pagamento desta operação. Além disso, quando o embarque chegasse ao país, o valor da carga seria de apenas US$ 40 mil, desvalorizando em muito o produto. Para não ficar no prejuízo, o importador se vale da cláusula de “hardship”, buscando a renegociação do contrato, tornando-o ainda exequível!
Entenderam? É um evento imprevisto, que o torna oneroso, mas ainda de possível execução!
Essas eram as cláusulas que gostaria de compartilhar com vocês. Para um amplo e maior entendimento desse e outros temas do comércio internacional, acesse nosso curso de Comércio Internacional aqui no Gran Cursos Online.
Aquele abraço e até a próxima!
Prof. Thális Andrade
Thális Andrade – Advogado e Analista de Comércio Exterior do MDIC desde 2009. Mestre em Direito Internacional Econômico na Suíça pelo World Trade Institute e pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor de cursos de pós-graduação em comércio exterior e preparatório pra concursos das disciplinas de Legislação Aduaneira, Comércio Internacional e Direito Internacional Público. É ainda autor da obra Direito Internacional Público em questões comentadas CESPE/ESAF (Ed. Método) e possui dezenas de artigos publicados na área.
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