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O termo Constituição é multívoco, plurívoco ou polissêmico, o que significa que admite diversos significados. Em linguagem simples, o sentido da palavra constituição vai depender do ponto de vista a partir do qual se observa esse tão complexo objeto.
Assim, em sentido amplo, o termo constituição se refere à própria organização da comunidade, como se exerce o poder, quem o exerce, como se transfere o poder, quais os direitos do indivíduo etc. Ou seja, em sentindo amplo, a Constituição se refere às regras de organização e estrutura de uma dada sociedade, estando tais normas escritas ou não. Sob essa ótica, podemos considerar que existiu Constituição desde os primórdios da civilização.
Na Antiguidade Clássica, Aristóteles já fazia distinção entre as leis ordinárias do Estado (nómos) e aquelas que estabeleciam seus alicerces e fundamentos (psefísma). Na Idade Moderna, Maquiavel também defendeu a diferenciação entre as normas fundamentais do Estado, que estruturam o núcleo do poder e as demais normas inferiores àquelas.
Contudo, o termo Constituição, tal como o concebemos atualmente, é empregado em sentido estrito, sendo oriundo do racionalismo do século XVIII, fundamentando-se na ideia de contrato social e trazendo ao cenário jurídico um corpo normativo, um texto constitucional, com três conteúdos mínimos (considerados materialmente constitucionais), quais sejam: a tripartição dos poderes, a organização do Estado e os direitos e garantias fundamentais.
Ou seja, como dito anteriormente, por tratar da substância da existência política de um povo, é difícil lograr unidade na formulação do conceito de constituição, havendo diversos ângulos pelos quais pode ser encarada. Conforme seja a postura em que se coloque o investigador, o objeto ganha outra dimensão, tal qual um poliedro irregular que fosse examinado a partir de ângulos diferentes. Para cada posição, faces diferentes do objeto serão observadas, não sendo possível ao observador examiná-las todas de uma só vez.
Nesse contexto, surgem três concepções clássicas do termo constituição: a sociológica, a política e a jurídica. Vejamos uma síntese de cada uma delas:
Do ponto de vista sociológico, a Constituição é entendida como uma decorrência dos fatores reais de poder. Nesse sentido, Ferdinand Lassale defende que a Constituição deveria ser formulada em sincronia com os interesses das forças sociais, ou seja, com os interesses dominantes (político, econômicos, religiosos etc.), sob pena do texto constitucional não conseguir eficácia, tornando-se uma mera “folha de papel”, uma norma jurídica sem valor, sem concretude normativa.
Sob esse ângulo de observação (sociológico), para que a Constituição produza efeitos, as normas por ela prescritas devem retratar a realidade social, ou seja, os fatores reais de poder (elemento exterior à esfera jurídica), respeitando os interesses das forças políticas dominantes: rei, banqueiros, grandes e pequenos burgueses etc. Havendo um antagonismo entre a norma e o fato social, este sempre preponderaria.
O sentido político de Constituição, por sua vez, foi defendido por Carl Schimtt, para quem a Constituição seria fruto de uma decisão política fundamental. Ocorre que não se poderia questionar o teor dessa decisão política, ou seja, o texto constitucional poderia assumir qualquer conteúdo, sendo, neste ponto, a teoria de Carl Schmitt semelhante à de Kelsen, que veremos adiante.
Na visão política, o que importa é que a decisão tomada tenha força suficiente para realizar uma constituição que seja obedecida independentemente do conteúdo adotado. Assim, no ápice da pirâmide normativa, estaria a decisão política proferida pelas classes sociais hegemônicas. A partir daí, surge a Constituição positiva, que representaria o fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico, o qual se organizaria de forma piramidal, estrutura também prevista pela Teoria Pura do Direito.
Carl Schimitt exemplifica o que seria uma decisão política com a Constituição Francesa de 1791, que teve como fundamento último de validade a decisão política por uma monarquia constitucional.
Essa concepção nos traz uma importante distinção entre Constituição e Lei Constitucional. Esta se caracterizaria pelo formalismo, tratando de matérias que não versam sobre a estrutura do poder, podendo ser modificadas pelo processo de reforma constitucional. Já a Constituição possui um sentido político absoluto, dispondo sobre a organização política do Estado, ou seja, sua forma de governo, seu sistema de governo, sua forma de Estado, divisão de competências etc. Neste sentido, a Constituição é imutável através de reformas, sendo possível modificá-la apenas através de uma revolução, segundo defendido por Schimidt.
Por fim, temos a concepção jurídica de constituição, sistematizada por Hans Kelsen, segundo a qual a constituição é a norma jurídica fundamental. Ressalte-se que, para Kelsen, só é norma jurídica aquela que provém do Estado.
Com a sua Teoria Pura do Direito, Kelsen pretendeu libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe eram estranhos. Sendo assim, realizou um corte metodológico, propondo-se a estudar o direito apenas a partir de métodos jurídicos, reduzindo, com isso, o objeto de estudo do direito à norma jurídica, de forma a distinguir o estudo jurídico do político, do sociológico etc.
Além disso, a teoria pura do direito promove um corte axiológico, um rompimento com a fundamentação moral do direito, advogando por um fundamento de validade normativo que se desprendesse dos recursos ideológicos, no qual fosse ausente qualquer tipo de valoração moral, o que se tornou possível através da ideia de norma fundamental, que teria duas principais características: ser pressuposta e não possuir conteúdo pré-determinado.
Para esta concepção, analisar a Constituição como uma decisão política ou como um reflexo dos fatos sociais seria um questionamento pré-jurídico, não interessando, portanto, à ciência do direito. No contexto da pirâmide normativa kelseniana, a Constituição assumiria, pois, o papel fundamental de norma positiva, responsável por validar as demais normas do ordenamento jurídico, as quais, obrigatoriamente, teriam que ser compatíveis formal e materialmente com os preceitos postos, sob pena de tornarem-se inválidas. Mas esse é um assunto para o próximo artigo.
REFERÊNCIAS
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BARROSO. Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009.
________. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional do Brasil, p. 203-249; SCHIER, Paulo Ricardo. Novos desafios da filtragem constitucional no momento do neoconstitucionalismo. Disponível em: http://www.mundojuridico.adv.br.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
SARMENTO, Daniel. SOUZA NETO, Cláudio Pereira (orgs.). A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007.
Chiara Ramos – Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.
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