A inconstitucionalidade da condução coercitiva do investigado ou acusado na visão do Supremo Tribunal Federal – Comentários sobre a recente decisão da corte
A condução coercitiva diz respeito a uma perda momentânea da liberdade, com o espeque de produção de provas sobre o fato investigado, em que a parte conduzida irá prestar informações em busca da verdade real.
Conforme o Código de Processo Penal, para que exista a condução coercitiva do acusado, faz-se necessário que a parte tenha sido intimada e que tenha ocorrido uma recusa injustificada ao comparecimento.
O artigo 260 do CPP estabelece:
Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. Parágrafo único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352, no que Ihe for aplicável.
O referido procedimento, após a Constituição de 1988, sempre foi alvo de grande divergência no âmbito jurídico, uma vez que supostamente estaria em desacordo com a presunção da não culpabilidade e o princípio do nemo tenetur se detegere.
O assunto ganhou destaque nacional quando, no dia 04 de março de 2016, o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, fora conduzido coercitivamente após autorização do juiz Sérgio Moro durante a operação Lava Jato. Na oportunidade, o referido magistrado justificou que, não obstante o ex-presidente não tivesse sido intimado e se recusado para o depoimento, a determinação atenderia a finalidade de evitar tumultos.
A respeito da inconstitucionalidade da medida, o professor Aury Lopes Jr. comenta que:
Além de completamente absurda no nível de evolução democrática alcançado, é substancialmente inconstitucional, por violar as garantias da presunção de inocência e do direito de silêncio. Ora, mais do que nunca, é preciso compreender que o estar presente no processo é um direito acusado; nunca um dever. Considerando que o imputado não é objeto do processo e que não está obrigado a submeter-se a qualquer tipo de ato probatório (pois protegido pelo nemo tenetur se detegere), sua presença física ou não é uma opção dele. Há que se abandonar o ranço inquisitório, em que o juiz (inquisidor) dispunha do corpo do herege, para dele extrair a verdade real. O acusado tem o direito de silêncio e de não se submeter a qualquer ato probatório, logo, está logicamente autorizado a não comparecer. (LOPES jr., Aury. Direito Processual Penal. 13 ed.- São Paulo: Saraiva, 2016).
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta última quinta-feira, dia 14, por 6 (seis) votos a 5 (cinco), proibir a condução coercitiva. A medida estava suspensa desde o ano passado, após decisão liminar proferida pelo ministro Gilmar Mendes.
O assunto foi levado a julgamento pelo plenário do STF na semana passada e, nesta quinta-feira, alcançaram-se 6 (seis) votos entre os 11 (onze) ministros para declarar o instrumento inconstitucional.
Na sessão, foram analisadas duas ações, propostas pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para proibir as conduções. A alegação é de ofensa à Constituição de 1988, por supostamente ferir o direito de a pessoa não produzir prova contra si mesma.
Votaram pela proibição das conduções coercitivas os ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Em sentido contrário, a favor de permitir as conduções coercitivas, votaram os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Durante os votos, os ministros contrários à condução coercitiva apontaram abusos na aplicação do instrumento, criticando a espetacularização das operações nas quais é usado.
Em seu voto, Gilmar Mendes destacou que é expressamente vedado tratar as pessoas como se culpadas já fossem e, quando ocorre uma condução coercitiva, já haveria afronta à regra de tratamento. Ademais, afirmou que diversos direitos estariam violados, como o da não autoincriminação, o direito de defesa e, inclusive, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Na mesma linha, destacou o ministro Ricardo Lewandowski, ao afirmar que o acusado que é submetido a esta medida sofre coação e intimidação da Justiça brasileira, o que o prejudica no exercício de seus direitos constitucionais.
Alguns ministros favoráveis à medida disseram que ela poderia ser aplicada em substituição às prisões preventivas – aquelas decretadas antes de condenação, para evitar fuga, novos crimes ou prejuízo às investigações. Assim, teria um efeito menos grave que a prisão e favoreceria o suspeito.
Ao final do julgamento, os ministros também decidiram manter a validade de investigações e depoimentos nos quais a condução coercitiva foi realizada até sua suspensão, no final do ano passado.
Quanto à decisão da Suprema Corte, entendemos ser coerente a posição adotada, pois a condução coercitiva do investigado ou acusado para o interrogatório é paradoxal ao direito ao silêncio previsto na Constituição e à garantia de que ninguém será obrigado a produzir prova contra si mesmo estampada na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8º, número 2, alínea “g”).
* Utilizamos algumas informações do site https://g1.globo.com/politica/noticia/maioria-do-stf-proibe-definitivamente-a-realizacao-de-conducoes-coercitivas.ghtml
José Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.
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