Na última semana, as declarações do antigo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, têm abalado o mundo jurídico, principalmente a Corte Suprema.
No dia 27.09.19, a revista Veja, em fls. 2913-2925, bem como o jornal O Estado de São Paulo, em fls. 2926-2942 (dados extraídos do Inquérito 4.781 DF), publicaram trechos de uma entrevista concedida por Rodrigo Janot, o qual relata o possível cometimento de um crime, ainda quando era detentor do cargo máximo do Ministério Público Federal.
É de se registrar que o comentário que desenvolvemos aqui, neste breve ensaio jurídico, se norteia em cima das declarações veiculadas pela mídia. Não temos a pretensão de analisar se a decisão do Ministro Alexandre de Moraes foi correta ou não. Até porque, não temos todos os dados processuais que levaram a Suprema Corte a determinar medidas cautelares probatórias e de natureza pessoal contra o antigo Procurador. Nossa intenção é de simplesmente analisar caso real, à luz dos institutos penais, para dar uma base mais sólida e prática aos nossos alunos.
Pois bem. Feito o devido e necessário esclarecimento, vamos analisar os fatos até então divulgados pela mídia.
Foi propalado que o então Procurador-Geral da República, Dr. Rodrigo Janot Monteiro de Barros, no ano de 2017, entrou armado no Supremo Tribunal Federal, com a intenção de matar o Ministro Gilmar Mendes e depois iria suicidar-se.
Segue trecho de sua entrevista, extraído da decisão do Ministro Alexandre de Moraes no inquérito acima citado: “Naquele dia cheguei ao meu limite. Fui armado para o Supremo. Ia dar um tiro na cara dele e depois me suicidaria. Estava movido pela ira. Não havia escrito carta de despedida, não conseguia pensar em mais nada. Também não disse a ninguém o que eu pretendia fazer. Esse ministro costuma chegar atrasado às sessões. Quando cheguei à antessala do plenário, para minha surpresa já estava lá. Não pensei duas vezes. Tirei a minha pistola da cintura, engatilhei, mantive-a encostada à perna e fui para cima dele”.
É interessante analisarmos que até agora, não há nenhuma indicação de que ele foi contido por seguranças ou qualquer outra pessoa. Se extrai do áudio da entrevista de Rodrigo Janot, que ele é destro, e, quando engatilhou a arma os seus dedos ficaram paralisados. Mudou de mão e mesmo assim os dedos ficaram inertes. Ele disse que entendeu como um sinal e desistiu de participar da sessão naquele dia e, consequente, de praticar o ilícito penal.
O motivo pelo qual Janot queria ceifar a vida do Ministro Gilmar Mendes seria supostas declarações do Ministro envolvendo a filha do Procurador-Geral da República, ou seja, o motivo tem pertinência temática com a função de membro do Órgão máximo do Poder Judiciário.
Sendo assim, passemos analisar detidamente essa conduta:
Temos, aparentemente, alguns crimes em andamento: tentativa de homicídio (art. 121 do CP) ou tentativa de ofensa à integridade corporal, previsto no art. 27 da Lei de Segurança Nacional, além de outros que porventura possa se cristalizar na mente ávida de um aluno de Direito.
Aplicando o princípio da especialidade (conflito aparente de normas), como a motivação do crime foi as declarações dadas pelo Ministro Gilmar Mendes, no exercício de sua profissão como membro do STF, e, com base nos artigos 1º, inciso III, e 2º, incisos I e II da Lei 7.170/83, penso eu, que o crime, em tese cometido, seria o regido pelo art. 27 da Lei de Segurança Nacional, se ele fosse o Presidente do Supremo Tribunal Federal à época. Observe que o artigo 27 aplica-se às autoridades elencadas no art. 26 da Lei a qual cita como prováveis vítimas somente os presidentes da cúpula dos três poderes. Entretanto, na época dos fatos, o Presidente da Corte Suprema era a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. Logo, creio que o crime que se amolda à conduta, em tese cometido, aplicando a tipicidade formal de subsunção mediata, seria o estampado no artigo 121 do Código Penal, em sua forma tentada (art. 14, II, do CP).
Agora, resta saber, o crime ficou na fase de cogitação ou podemos vislumbrar um início de execução?
Parafraseando o Professor Rogério Greco, ainda não surgiu no mundo jurídico uma teoria suficientemente clara e objetiva que pudesse solucionar a diferença entre cogitação e início de execução.
Na atualidade, temos: teoria subjetiva: há tentativa com a exteriorização da intenção ilícita. Leia-se: se o autor revela a intenção já é suficiente para a punição. Já a teoria objetiva formal: defende que há tentativa somente se o agente tiver praticado a conduta e o resultado não foi atingido por circunstâncias alheias à vontade do agente. O Professor Juarez Cirino dos Santos entende que só há início de execução no crime de homicídio se há o acionamento do gatilho da arma carregada apontada para a vítima. Por outro lado, a teoria objetiva-material: defende que o bem jurídico tenha sido colocado efetivamente em perigo para que possamos falar em tentativa. Por último, temos a teoria da hostilidade ao bem jurídico: pela qual, só haveria tentativa se efetivamente houvesse uma agressão direta ao bem jurídico.
A depender da teoria que adotarmos, poderemos falar em crime tentado ou crime cogitado. Sabemos nós que no Brasil a cogitação e preparação, em regra, não é crime (exceção dos pré-crimes: associação criminosa – art. 288; petrechos para falsificação de moeda – art. 291, ambos do CP e outros).
O Professor Nelson Hungria já defendia que na dúvida, se há tentativa ou não, o juiz terá que pronunciar o non liquet, negando a existência da tentativa.
Para aprofundarmos os nossos conhecimentos em Direito Penal, concito aos leitores a imaginarem que realmente houve tentativa. Sendo assim, resta estudarmos o comando normativo estampado no artigo 15 do Código Penal.
O Professor, ora Deputado Federal, Luiz Flávio Gomes, nos ensina que tal dispositivo legal açambarca a ponte de ouro do Código Penal. Uma vez aplicado, o agente NUNCA responderá pela tentativa, somente pelos atos até então praticados.
Se partirmos da hipótese de que Rodrigo Janot desistiu, voluntariamente, de prosseguir na execução do crime, aplicar-se-á o instituto da desistência voluntária. Agora, se ele não responde pela tentativa, responderá por outro ilícito penal?
Entendo que, salvo entendimentos contrários, ele não deveria responder por nada. Explico: ele tem autorização para ingressar no Supremo (logo não houve crime de violação de domicílio – art. 150, § 4º, III, do CP). Por outro lado, ele estava armado, porém detém o direito ao porte e posse de arma de fogo, logo também não responde pelo estatuto do desarmamento.
Agora, as declarações dadas dois anos após a intenção homicida pode configurar o crime de incitação do art. 286 do Código Penal?
Essa é uma outra questão que poderemos debater futuramente.
Referências:
BIANCHINI, Alice; GOMES, Luiz Flávio; DAHER, Flávio. Curso de Direito Penal – V.1 – Parte Geral. 2ª edição, Jus Podivum, 2016.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Parte geral, Rio de Janeiro: 21ª edição, Impetus, 2019.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958.
SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000.
Kênio Rezende
Possui graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Jataí-GO. Foi aprovado em vários concursos públicos Estaduais e Federais. Foi Professor, na área de Direito, durante cinco anos, ministrando as matérias de: Direito Processual Penal; Prática Penal; Legislação Penal Extravagante e Curso de Verão de Direito Constitucional no CESUT, em Jataí-GO. É Especialista: em Língua Portuguesa, pela Universidade Salgado de Oliveira; em Direito Constitucional, pela Universidade do Sul de Santa Catarina; e em Poder Judiciário com Ênfase em Direito Civil pela Escola de Administração Judiciária de Brasília. Atualmente é Oficial de Justiça Avaliador Federal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Linguagem Jurídica e Argumentação da Anhanguera Educacional de Brasília-DF; Mestrando em Direito pela Universidade de Girona, na Espanha e Professor do Gran Cursos OAB Online.