Jurisprudência 7 – Aval e a outorga conjugal

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Informativo n. 0604
Publicação: 21 de junho de 2017.

PROCESSO REsp 1.526.560-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, por unanimidade, julgado em 16/3/2017, DJe 16/5/2017.
RAMO DO DIREITO DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL
TEMA Aval. Outorga uxória ou marital. Interpretação do art. 1.647, inciso III, do CC/2002, à luz do art. 903 do mesmo diploma legal. Natureza do instituto cambiário do aval. Revisão do entendimento.

 

DESTAQUE
O aval dado aos títulos de créditos nominados (típicos) prescinde de outorga uxória ou marital.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
A discussão se situa em torno da interpretação do art. 1.647, inciso III, do CC/2002, a estabelecer o consentimento conjugal como requisito de validade do aval, quando o avalista for casado em outros regimes que não o da separação absoluta. Não obstante a literalidade dos artigos 1.647, inciso II e 1.649 do Código Civil levar ao entendimento no sentido da nulidade do aval prestado sem a devida outorga conjugal, recentemente a Quarta Turma desta Corte Superior, no julgamento do REsp 1.633.399-SP, sob a relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, propôs interpretação diferenciada desses enunciados normativos em relação àquela que vinha se desenvolvendo. Sobrelevaram-se, especialmente, as características imanentes dos institutos do direito cambiário, dentre os quais se insere o aval, fazendo-se, ainda, predominar a norma do art. 903 do CC/2002, com a aplicação subsidiária das normas do Código Civil aos títulos de crédito regulados por leis especiais. Com efeito, no sistema cambiário, voltado à segurança das negociações, o título, em regra, está fadado à circulação, podendo colocar, frente a frente, credor e devedor (portador e emitente/sacador) que, no mais das vezes, não se ligam por atos negociais, senão eminentemente cambiários, o que impossibilita, sobremaneira, qualquer investigação acerca das particularidades dos negócios anteriores, razão, aliás, da vedação legal da possibilidade de os devedores suscitarem defesa que pertina a terceiros contra portadores de boa-fé, ou seja, defesa alheia àqueles com quem estão diretamente ligados, incluindo-se, aqui, também os garantes, avalistas da cadeia de endossos que se poderá estabelecer, característica que decorre da abstração e autonomia. Bem se vê que o aval mais ainda se distancia das peculiaridades do negócio que subjaz, pois ele próprio é autônomo em relação ao crédito consubstanciado no título que, por sua vez, é autônomo em face da relação jurídica subjacente. Nesse sentido, a submissão da validade do aval à outorga do cônjuge do avalista compromete, sobremaneira, a garantia que decorre do instituto, enfraquecendo os próprios títulos de crédito, tão aptos à circulação em face de sua tranquila aceitação no mercado, tranquilidade essa a decorrer das garantias que dimanam de suas características e dos institutos cambiários que os coadjuvam, como o aval. Assim, a interpretação do art. 1647, inciso III, do CCB que mais se concilia com o instituto cambiário do aval e, pois, às peculiaridades dos títulos de crédito é aquela em que as disposições contidas no referido dispositivo hão de se aplicar aos avais prestados nos títulos de crédito regidos pelo próprio Código Civil (atípicos), não se aplicando aos títulos de crédito nominados (típicos) regrados pelas leis especiais, que, atentas às características do direito cambiário, não preveem semelhante disposição, pelo contrário, estabelecem a sua independência e autonomia em relação aos negócios subjacentes. Por fim, salienta-se que a presente modificação de entendimento resulta na pacificação do tema perante a Terceira e Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça.

Vamos analisar as regras!
Segundo o dicionário Aurélio (1986, p. 205), aval é garantia pessoal, plena e solidária, que se dá de qualquer obrigado ou coobrigado em título cambial, ou, figurativamente, é o apoio moral ou intelectual. De acordo com Fabio Ulhôa Coelho (2005, v. 01, p. 420), “aval é ato cambiário pelo qual uma pessoa (avalista) se compromete a pagar título de crédito, nas mesmas condições do devedor deste título (avalizado)”. Da lição de Luiz Emygdio F. da Rosa Junior (2007, p. 283) extrai-se que o aval nada mais é do que uma declaração cambiária sucessiva e eventual, decorrente de uma manifestação unilateral de vontade, pela qual uma pessoa, natural ou jurídica, estranha à relação cartular, ou que nela já figura, assume obrigação cambiária autônoma e incondicional de garantir, total ou parcialmente, no vencimento, o pagamento do título nas condições nele estabelecidas.
O aval é considerado uma declaração sucessiva, posto que, como se sabe, inicialmente, para a formação do título de crédito, no campo do direito privado, ocorre um negócio jurídico, negócio este que pode ser celebrado à vista ou a prazo. O aval garante o título, e não o avalizado. O aval é pessoal, porque é, em regra, dado em favor de pessoa obrigada ou coobrigada pelo título, mas garantindo o título, e não o avalizado. A obrigação é solidária, porque o avalista responde pela totalidade da dívida e da mesma forma que o avalizado, salvo quando ocorre o aval parcial. O aval é autônomo, porque independe de qualquer outro ato ou formalidade, bastando que se assine sobre o título (PACKER, p. 86). Desse modo, se o avalista assina título em branco e, pagando a dívida, não o resgata, age com manifesta negligência, devendo arcar com a própria desídia.
No Direito brasileiro, o instituto cambiário vem regulado, ao lado de sua disciplina no atual Código Civil, naturalmente, nos arts. 14 e 15 do Decreto n. 2.044/1908; 30 a 32 da Lei Uniforme de Genebra (Decreto n. 57.663/1966); 29 a 31 da Lei n. 7.357/1985 (Lei do Cheque); 12 da Lei n. 5.474/1968 (Lei de Duplicatas); e, para os títulos atípicos, nos arts. 897 a 900 do CC.
A questão preponderante da análise é se é imprescindível ou não a outorga conjugal no aval, visto que o art. 1.647 determina a necessidade de autorização do cônjuge na prestação do aval. Esse dispositivo legal determina que, nos regimes de comunhão universal e parcial de bens e na união estável, cujo regime se equipara ao da comunhão parcial, não será possível para uma das partes prestar aval sem a autorização da outra. Isso somente será permitido quando o regime de casamento for o da separação total de bens. No caso de falta de assinatura do cônjuge, o título não será inválido, mas apenas trará como consequência a separação da parte dos bens do cônjuge que não assinou.
Assim, em uma interpretação razoável e proporcional, foi aprovado pelo Conselho da Justiça Federal – CJF – o enunciado 114, que dispõe: “o aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de modo que o inc. III do art. 1.647 apenas caracteriza a inoponibilidade do título ao cônjuge que não assentiu”.
O STJ possui os seguintes posicionamentos:
O aval já foi considerado como inválido, mas decorrente de nulidade, com o objetivo de tornar insubsistente toda a garantia.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. AVAL SEM OUTORGA UXÓRIA. NULIDADE TOTAL DA GARANTIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no AREsp 383.913/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 15/09/2015)
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AVAL. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. NULIDADE DE TODA A GARANTIA. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O aval prestado pelo cônjuge sem a devida outorga uxória é anulável, tendo o reconhecimento da nulidade o objetivo de tornar insubsistente toda a garantia, e não apenas de preservar a meação. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1028014/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 01/09/2016)
O aval já foi considerado como inválido, mas decorrente de anulação, protegendo a meação.
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. AVAL SEM OUTORGA UXÓRIA. INVALIDADE. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. ” O aval prestado sem a devida outorga uxória não possui validade. Sua anulação não tem como consequência preservar somente a meação, mas torna insubsistente toda a garantia. Precedentes.”. (EDcl no REsp 1472896/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 13/08/2015). 2. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 928.412/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe 26/10/2016)
Recentemente, no entanto, a Colenda Quarta Turma, no REsp 1.633.399/SP, sob a relatoria do e. Min. Luis Felipe Salomão, propôs interpretação diferenciada desses enunciados normativos em relação àquela que vinha grassando no seio daquela Turma, tendo participado do julgamento todos os seus ilustres integrantes, à exceção do e. Min. Raul Araújo, justificadamente ausente. O REsp 1633399/SP (Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2016, DJe 01/12/2016) considera que “a interpretação do art. 1647, inciso III, do CCB que mais se concilia com o instituto cambiário do aval e, pois, às peculiaridades dos títulos de crédito é aquela em que as disposições contidas no referido dispositivo hão de se aplicar aos avais prestados nos títulos de crédito regidos pelo próprio Código Civil (atípicos), não se aplicando aos títulos de crédito nominados (típicos) regrados pelas leis especiais, que, atentas às características do direito cambiário, não preveem semelhante disposição, pelo contrário, estabelecem a sua independência e autonomia em relação aos negócios subjacentes”.
Assim, a jurisprudência mais atualizada do STJ é no sentido de que:
“A interpretação mais adequada com o referido instituto cambiário, voltado a fomentar a garantia do pagamento dos títulos de crédito, à segurança do comércio jurídico e, assim, ao fomento da circulação de riquezas, é no sentido de limitar a incidência da regra do art. 1647, inciso III, do CCB aos avais prestados aos títulos inominados regrados pelo Código Civil, excluindo-se os títulos nominados regidos por leis especiais.”
Logo, o art. 1.647, III, do CC só tem aplicação nos títulos atípicos, ou seja, a falta de outorga do cônjuge dos avalistas, nos títulos de crédito regulados por leis especiais, não traz qualquer consequência jurídica. Assim, o aval existe, é válido e eficaz. O aval dado aos títulos de créditos nominados (típicos) prescinde de outorga uxória ou marital.
Como a situação poderia ser cobrada em concurso público:

  1. Aristóteles, casado com Mata Hari, concedeu aval em preto, em uma nota promissória, em favor de Pitágoras, mas sem a outorga conjugal de sua esposa. Assinale a alternativa correta, tendo em vista o posicionamento do STJ acerca do Tema.
  2. O aval dado por Aristóteles prescinde de outorga uxória ou marital.
  3. O aval concedido por Aristóteles é nulo, por afrontar as regras do direito de família, visto que as pessoas casadas devem ter a outorga conjugal, mesmo nos casos de títulos de créditos regulados por lei especial.
  4. O aval dado por Aristóteles imprescinde de outorga uxória ou marital, tendo em vista a necessidade de conceder segurança nas negociações cambiárias.
  5. A interpretação mais adequada referente à necessidade ou não de outorga conjugal no aval concedido por Aristóteles na nota promissória é no sentido de limitar a incidência da norma que regulamenta as notas promissórias e da necessidade da outorga marital.

 
Gabarito: letra a.
Referências:
AURÉLIO, Dicionário, 1986.
COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de direito comercial. São Paulo: saraiva, 2005.
MARTINS, Fran. Títulos de Crédito. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. 01.
PACKER, Amilcar Douglas. Aval. Sistema de garantia cambial. Revista CESUMAR, Maringá, (4): 2001: 85-93.
ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Títulos de crédito. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.


Leonardo Aquino –  Direito Empresarial – Advogado
Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Autor na área jurídica, colunista e articulistas em diversas revistas nacionais e internacionais. Autor dos Livros: (1) Curso de Direito Empresarial: Teoria geral e direito societário; (2) Legislação aplicável à Engenharia; (3) Propriedade Industrial. Conferencista. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Empresarial. Colaborador na Rádio Justiça. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/DF. Presidente da Comissão Nacional de Direito Empresarial da ABA. Professor do Uniceub, do Unieuro e da Escola Superior de Advocacia ESA/DF. Advogado.



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