Jurisprudência 8 – Usucapião e a Massa Falida

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Informativo n. 0613
Publicação: 8 de novembro de 2017

PROCESSO REsp 1.680.357-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 10/10/2017, DJe 16/10/2017
RAMO DO DIREITO DIREITO FALIMENTAR
TEMA Ação de usucapião. Efeitos da decretação da falência. Patrimônio afetado como um todo. Usucapião. Interrupção da prescrição aquisitiva. Massa falida objetiva. Art. 47 do DL n. 7.661/45. Inaplicabilidade.

 

DESTAQUE
O curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a massa falida é interrompido com a decretação da falência.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O debate se limita a verificar a existência de usucapião de imóvel ocupado por terceiros em momento anterior à decretação da falência da companhia siderúrgica proprietária do bem, ocorrida à luz do DL n. 7.661/45. Inicialmente, ressalta-se que a sentença declaratória de falência inaugura a massa falida subjetiva, com a formação da massa de credores (corpus creditorum) que, no decurso do processo falimentar, concorrerá na realização do ativo para satisfação de seus créditos. Simultaneamente, forma-se a massa objetiva, ou seja, a afetação do patrimônio do falido como um todo, e não os bens singulares separadamente. Nessa linha de compreensão, é absolutamente relevante compreender que a sentença declaratória da falência produz efeitos imediatos, tão logo prolatada pelo juízo concursal. A propósito, a doutrina menciona a constrição geral do patrimônio do falido como um ato de penhoramento abstrato decorrente da decretação da falência. Isso quer dizer que o Estado, sem necessidade do ato material, retira a posse e preestabelece outros efeitos jurídicos no tocante à extensão objetiva do concurso de credores. Nesse contexto, o bem imóvel, ocupado por quem tem expectativa de adquiri-lo por meio da usucapião, passa a compor um só patrimônio afetado na decretação da falência, correspondente à massa falida objetiva. Assim, o curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a massa falida é interrompido com a decretação da falência, pois o possuidor (seja ele o falido ou terceiros) perde a posse pela incursão do Estado na sua esfera jurídica. Note-se que a suspensão do curso da prescrição a que alude o art. 47, do DL n. 7.661/45 cinge-se às obrigações de responsabilidade do falido para com seus credores, e não interfere na prescrição aquisitiva da propriedade por usucapião, a qual é interrompida na hora em que decretada a falência devido à formação da massa falida objetiva.

 
Vamos analisar as regras!
Para compreender a jurisprudência, é fundamental observar as seguintes questões:

  • O que vem a ser usucapião
  • A decisão que decreta a falência e a massa falida
  • Consequência da decretação da falência
  • O lapso temporal da usucapião
  • Suspensão dos prazos prescricionais pela decretação da falência

A questão ora analisada fora feita com base no DL n. 7.661/1945, mas pode ser transportada para as regras da Lei n. 11.101/2005 para fins apenas de análise da atual LFRE, pois o REsp 1.680.357/RJ determinou que por força do art. 192 aplicar-se-á o DL 7.661/45. Vejamos o que dispõe o art. 192: “Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945”.

  • O que vem a ser usucapião

José Carlos de Moreira Salles (2005, p. 47-48) compreende que a usucapião é ao mesmo tempo uma prescrição aquisitiva e extintiva. Ela é extintiva porque alguém perde a propriedade enquanto outro a adquire.
É modo originário ou derivado de aquisição da propriedade (Salles, 2005, p. 47-48), através da posse com a intenção de dono de forma mansa, pacífica e contínua, seu principal elemento, por um determinado lapso temporal (RT, 537:172 e RT, 591:81).
A usucapião, conforme posição majoritária, constitui direito à parte e é independente de qualquer relação jurídica com o anterior proprietário.

  • A decisão que decreta a falência e a massa falida

Nelson Abrão (1997, p. 34) afirma que “a sentença é elemento formal indispensável a caracterização da falência, pois, sendo ela dotada de natureza constitutiva, transforma o estado de fato em estado de direito”. Rubens Requião (1998, p. 107) sustenta a mesma opinião ao afirmar que “a sentença, com efeito, é mais do que uma simples declaração de estado de direito: ela cria a massa falida objetiva e a massa falida subjetiva, esta constituída pelos credores e aquela formada pelo patrimônio do falido, dando-lhe nítido status jurídico. O devedor, por sua vez, passa, ainda em consequência da sentença falimentar, a ser impedido de exercer sua profissão comercial, a ponto de aludir à incapacidade profissional”.

  • Consequência da decretação da falência

Com a decretação da falência, a legislação impõe diversos efeitos em relação ao devedor, agora falido, aos seus bens, aos seus negócios e à administração dos seus bens. Entre os efeitos podemos apontar: (a) formação da massa falida subjetiva (relação do passivo do falido – relação de credores) e massa falida objetiva (relação do ativo do falido – relação dos bens e créditos); (b) suspensão das ações individuais (exceto as proibições legais); (c) suspensão condicional da fluência de juros; (d) exigibilidade antecipada dos créditos contra o devedor, sócios ilimitadamente responsáveis e administradores solidários; (e) suspensão da prescrição; (f) suspensão do direito de retenção; (g) ineficácia objetiva e subjetiva de alguns negócios realizados (art. 129 e 130).

  • O lapso temporal da usucapião

O lapso temporal é variado, depende exclusivamente do que determina as espécies de usucapião na legislação. O tempo de posse deve ser considerado no instante do julgamento (RJTJSP, 96:250), mas só pode ser somada a posse de antecessor se houver cessão convencionada (RJTJSP, 95:230).
A sucessão da posse poderá ocorrer de dois modos: a singular (acessão de posse) e a título universal (sucessão de posse). Assim, o sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais (art. 1.207 do CC).
A primeira ocorre quando a posse é transmitida a título singular, por ato inter vivos, como na doação, a compra e venda, a dação em pagamento, a troca, ou mesmo por ato causa mortis, como no caso do legado. Aquele que recebe a posse transmitida a título singular substitui seu antecessor em direitos ou coisas individualizadas e determinadas (MONTEIRO, 2007, 36).
Na segunda, a sucessão de posse, tem-se uma sucessão a título universal, causa mortis, recebendo-se a posse com os mesmos caracteres vigentes à época do antecessor, vale dizer, com os vícios e as suas virtudes. É o caso da herança, em que os herdeiros sucedem de forma global a posse do patrimônio do de cujus. Não afasta a universalidade da sucessão, por outro lado, a existência de vários herdeiros com cotas sobre o conjunto de bens e direitos (AQUINO, 2010).
A diferença apontada por Salles (2005, p. 94-95) é que
o sucessor universal não pode desligar seu direito de seu antecessor, de modo que recebe e continua a posse com vícios e virtudes que a caracterizam antes da sucessão. O sucessor singular, entretanto, ex vi do disposto no art. 1.207 do Código (art. 496 do anterior), não esta obrigado a continuar a posse do antecessor. Assim, unirá ou não sua posse à do predecessor, lançando mão da faculdade que lhe outorga a lei como lhe convier. Unindo-a, assumirá a posse anterior com os vícios que a maculam; se não o fizer, a posse nova, iniciada com a sucessão, estará pugnada dos vícios que eivavam a anterior possibilitando ao sucessor singular a aquisição por usucapião por lapso menor.
Para todos os casos acima, para o fim de contar o tempo exigido para a usucapião, pode o possuidor acrescentar à sua posse a dos seus antecessores contanto que todas sejam contínuas e pacíficas (art. 1.243 CC). Lembrando que os vícios da posse também se transmitem. Portanto, se a posse anterior for violenta, clandestina ou precária, tais vícios, entre outros, se transmitem para o possuidor derivado.
Conforme entendimento do Conselho Federal de Justiça quando editou o Enunciado n. 317 da 4ª Jornada de Direito Civil, a “accessio possessionis, de que trata o art. 1.243, primeira parte, do CC, não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade da usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente”.
O art. 2.028 do CC dispõe que os prazos serão os da lei anterior se, sendo reduzidos pelo novo código – primeira condição –, tiverem transcorrido mais da metade dos prazos exigidos pelo CC de 1916 na data da entrada em vigor do novo Código.
Assim, regra geral, o posseiro deverá percorrer o mesmo lapso temporal exigido quando do início da prescrição aquisitiva, caso o prazo tenha sido reduzido pelo novo CC e se ultrapassado cinquenta por cento do prazo exigido pela lei revogada (o CC de 1.916) na data da entrada em vigor do CC de 2002.
A par disso, o CC estabeleceu duas exceções a essa regra, quais sejam o disposto no art. 2.029, que determina o acréscimo de 2 (dois) anos aos prazos reduzidos pelo novo Código, até janeiro de 2005, independentemente do prazo transcorrido na vigência da lei anterior, se, na usucapião ordinária, o imóvel foi adquirido onerosamente, com o registro cancelado, e o possuidor tenha realizado investimentos de interesse econômico e social, ou tenha utilizado o imóvel como sua moradia (AQUINO, 2010).

  • Suspensão dos prazos prescricionais pela decretação da falência

A sentença que decreta falência inaugura a massa falida subjetiva, com a formação da massa de credores (corpus creditorum) que, no decurso do processo falimentar, concorrerá na realização do ativo para satisfação de seus créditos (arrecadada em ato contínuo a decretação da falência). Simultaneamente, forma-se a massa objetiva, ou seja, a afetação do patrimônio do falido como um todo, e não os bens singulares separadamente. Ficam excluídos, por força da lei, os bens absolutamente impenhoráveis, os bens dotais e os bens particulares. Nessa linha de compreensão, não serão arrecadados os bens absolutamente impenhoráveis.
O bem imóvel, ocupado por quem tem expectativa de adquiri-lo por meio da usucapião, passa a compor um só patrimônio afetado na decretação da falência, correspondente à massa falida objetiva. Assim, o curso da prescrição aquisitiva da propriedade de bem que compõe a massa falida é suspenso com a decretação da falência, pois o possuidor (seja ele o falido ou terceiros) perde a posse pela incursão do Estado na sua esfera jurídica.
O art. 6o da LFRE prevê que “a decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário”.
Assim, tratando-se de suspensão, o prazo para de correr, fica paralisado, mas, com o fim da suspensão, retoma seu curso, e deve ser considerado em seu cômputo o prazo anteriormente decorrido.
É importante aferir que às obrigações de responsabilidade do falido para com seus credores, e não interfere na prescrição aquisitiva da propriedade por usucapião, a qual é suspensa na hora em que decretada a falência devido à formação da massa falida objetiva, ou seja, a suspensão é automática dependente apenas da decisão de decretação da falência.
Como a situação poderia ser cobrada em concurso público, observando a LFRE:

  1. Manuel Cândido possui a posse mansa e pacífica de um imóvel de propriedade da empresa Companhia Siderúrgica XIS S/A, desde 2002. Ocorre que a empresa teve a sua falência decretada em 2011. Assinale a alternativa correta.
  2. Com a decretação da falência da empresa, os prazos de prescrição são suspensos.
  3. Manuel Cândido poderá adquirir o imóvel pela usucapião ordinária, tendo em vista que a decretação da falência não acarreta a perda do direito da usucapião.
  4. A sentença que decreta a falência não produz efeitos imediatos, tão logo prolatada pelo juízo concursal, pois depende do trânsito em julgado da decisão.
  5. O bem imóvel, ocupado por quem tem expectativa de adquiri-lo por meio da usucapião, não passa a compor um só patrimônio afetado na decretação da falência, correspondente à massa falida objetiva.

Gabarito: letra A.
Justificativa: Segundo o STJ no REsp 1.680.357/RJ e o art. 6º da LFRE.
Referência
ABRÃO, Nelson. Curso de Direito Falimentar. Leud, São Paulo, 1997.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 17. ed. atual. por Rubens Edmundo Requião São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1.
SALLES, José Carlos de Moreira. Usucapião de bens imóveis e móveis. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
AQUINO, Leonardo Gomes de. Aquisição pela usucapião (prescrição aquisitiva). In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 79, ago 2010. Disponível em: <
http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8229
>. Acesso em nov 2017.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Coisas. v. III, São Paulo: Saraiva, 2005.


Leonardo Aquino –  Direito Empresarial – Advogado
Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Autor na área jurídica, colunista e articulistas em diversas revistas nacionais e internacionais. Autor dos Livros: (1) Curso de Direito Empresarial: Teoria geral e direito societário; (2) Legislação aplicável à Engenharia; (3) Propriedade Industrial. Conferencista. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Empresarial. Colaborador na Rádio Justiça. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/DF. Presidente da Comissão Nacional de Direito Empresarial da ABA. Professor do Uniceub, do Unieuro e da Escola Superior de Advocacia ESA/DF. Advogado.



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