Jurisprudência Comentada: A (des)necessidade da audiência de custódia no âmbito da Lei Maria da Penha

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audiência de custódiaPor Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
A audiência de custódia consiste no direito do indivíduo preso, autuado em flagrante delito, de ser conduzido, sem demora, à presença de uma autoridade judiciária para que esta, na ocasião, tome conhecimento de possíveis atos de maus-tratos ou de tortura e, ainda, para que se promova um espaço de dialética entre as partes acerca da legalidade ou ilegalidade da prisão cautelar.
Destarte, deverá ocorrer a apresentação do preso em flagrante à presença do juiz (o juiz plantonista que atualmente atua na homologação do auto de prisão em flagrante) no prazo de até 24 horas, para garantir que eventual prisão arbitrária e ilegal seja relaxada nos moldes que assegura a Constituição da República Federativa do Brasil.
Da audiência de custódia deverão participar o representante do Ministério Público e o advogado de defesa, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa.
No atual regramento estabelecido no Código de Processo Penal, o contato físico entre o detido e o juiz ocorrerá, na maioria dos casos, meses após a sua prisão, somente na audiência de instrução e julgamento (no interrogatório do réu).
O respaldo jurídico que justifica a criação das audiências de custódia no Brasil é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que fora ratificada em nosso país, no ano de 1992. Prevê a Convenção, em seu artigo 7.5:
“Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.” (Grifei.)
O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, nos mesmos moldes, estabelece que “qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais”.
Quanto ao tema, o Comitê de Direitos Humanos da ONU estabeleceu que o atraso entre a prisão de um acusado e o momento em que ele comparece perante o juiz “não deve ultrapassar alguns dias”, nem mesmo durante estado de emergência. Por tal razão, em solo pátrio, entendeu o Conselho Nacional de Justiça que o prazo de até 24 horas da apresentação do preso à presença da autoridade judiciária estaria condizente com a razoabilidade.
Assim, foi o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por meio de Resolução, que adotou as medidas, com o objetivo de colocar a audiência de custódia em prática no Brasil.
Em verdade, há uma tendência mundial nesse sentido. Na América Latina, por exemplo, já se adequaram as legislações da Argentina (prevê o prazo de até seis horas após a prisão), da Colômbia (prevê o prazo de até 36 horas após a prisão) e do Chile (prevê o prazo de até 12 horas após a prisão).
Sobre a necessidade da realização de audiência de custódia em solo pátrio, em 09 de setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal concedeu cautelar solicitada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347. A arguição solicitava providências para a crise prisional do país, a fim de determinar aos juízes e tribunais que passassem a realizar audiências de custódia no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão.
Quanto à sua aplicação nos crimes tipificados na Lei Maria da Penha – Lei n. 11.340 de 2006 –, o Supremo Tribunal Federal determinou ser também obrigatória a sua realização nos crimes nela tipificados. A decisão foi tomada pelo Ministro Marco Aurélio, que deferiu liminar na Reclamação 27.206/RJ, apresentada pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Na reclamação, o Ministro invalidou o Aviso 80/2015 do Tribunal do Rio de Janeiro, que informava a seus magistrados, escrivães e demais servidores que a Central de Audiência de Custódia, por se tratar de um “projeto piloto”, não atenderia a comunicações de prisão em flagrante que tivessem como objeto apuração de delito relacionado à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Ainda, Marco Aurélio destacou que, na decisão aplicada na ADPF n. 347, o pretório excelso obrigou que fosse realizada a audiência de custódia “em todos os casos, sem exceção”.
Assim, embora existam críticas da sociedade e da mídia sobre uma possível soltura (liberdade provisória, fiança etc) do autuado, quase que imediatamente após a prática de delito tipificado na Lei Maria da Penha, o objetivo da audiência de custódia é verificar a legalidade da prisão em flagrante e se há ou não a necessidade da decretação da prisão cautelar ou medidas alternativas à prisão.
Ora, por óbvio, se o magistrado verificar a presença dos requisitos da prisão preventiva, determinará a prisão do infrator.
Por fim, cabe lembrar que o Pacto de San José da Costa Rica foi assinado no ano de 1992 – Decreto n. 678/92 –, e o Supremo Tribunal Federal atribuiu-lhe o status de norma supralegal, ou seja, está abaixo da Constituição, mas acima das leis complementares e ordinárias, portanto a Convenção Americana sobre Direitos Humanos está em plena vigência e deverá ser aplicada em solo brasileiro.
Entende-se que o Brasil necessita adequar-se aos compromissos assumidos nos tratados e nas convenções internacionais, devendo, destarte, garantir uma leitura convencional e constitucional do processo penal e também da legislação especial.


José-CarlosJosé Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.
 
 


 

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