Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
O Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003) trouxe importantes modificações quando comparado à legislação anterior (Lei n. 9.437/1997), tornando extremamente difícil a autorização para aquisição das armas e obtenção de autorização para o porte.
Foi mantido, na nova lei, o Sistema Nacional de Armas – SINARM, bem como ampliado o rol de atribuições deste. Hoje existe um cadastro único (art. 2º, IV), aumentando o controle do Estado sobre as armas de fogo produzidas e comercializadas no país.
Prevê o Estatuto do Desarmamento, em seu art. 1º, o SINARM, instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, que possui circunscrição em todo o território nacional.
O Estatuto tem como objetividade jurídica a incolumidade pública, segundo o entendimento do STJ.
Os crimes são de perigo em abstrato, sendo o sujeito passivo a coletividade (crime vago).
Quanto ao crime de portar munição de uso proibido ou restrito, prevê o artigo 16 do Estatuto:
Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Percebe-se que o objeto material do delito abrange arma de fogo e acessório ou munição de uso restrito ou proibido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Todavia, em decisão unânime, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu, no dia 17 de maio do presente ano, o Habeas Corpus nº 133984 para absolver um acusado que foi condenado por carregar munição de uso proibido como pingente de colar.
O colegiado seguiu o entendimento da relatora, a ministra Cármen Lúcia, para quem a atitude do réu não gerou perigo abstrato nem concreto.
O réu havia sido denunciado pela prática do artigo 16 da Lei n. 10.826/2003 e condenado à pena de três anos de reclusão, em regime inicial aberto, sanção que foi substituída por duas restritivas de direitos.
A Defensoria Pública da União recorreu, por meio de apelação, ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A Corte Estadual absolveu o réu, alegando a atipicidade da conduta.
O Ministério Público interpôs Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça, que afastou a atipicidade da conduta, cassou a ordem concedida pelo TJ mineiro e restabeleceu a condenação.
A decisão foi contestada no STF. Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia fundamentou não desconhecer a jurisprudência do Supremo sobre o delito de porte de munição. Mas, nesse caso, frisou a relatora, nem se pode cogitar de perigo abstrato nem de perigo concreto.
Entende-se como correta a decisão da Ministra relatora, uma vez que, hodiernamente, a tipicidade deverá ser analisada em seus aspectos: formal e material. Ora, ficou claro que a conduta não afrontou a inviolabilidade pública ou a segurança pública. O magistrado não pode se valer apenas da letra da lei.
Destaca-se que a ministra relatora, ao conceder a ordem de habeas corpus, explanou considerar que o jovem não devia ter feito pingente “com uma bobagem dessas”.
Assim, no caso apresentado, a conduta não colocou objetivamente em risco o bem jurídico tutelado pela norma. Há a ausência de tipicidade material.
Ademais, não mais se tolera o Direito Penal Máximo ou a aplicação do Direito Penal do Inimigo.
A teoria do Direito Penal do Inimigo, de Jakobs, tem a finalidade de exclusão de pessoas consideradas inimigas do Estado. Tais inimigos são considerados irrecuperáveis, porque se rebelam de forma permanente contra o Direito. Por óbvio, quem porta uma munição como pingente de colar não pode ser enquadrado nesta ideia de inimigo.
A teoria de Jakobs – que tem origem no nazismo – apresenta um discurso discriminatório, pois estabelece uma classificação dos chamados “inimigos”, uma vez que condena certas classes sociais ou delinquentes pela sua condição pessoal – antecedentes, personalidade, caráter, conduta social, motivos que os levaram a delinquir etc. Em suma, tal posicionamento caracteriza-se como uma doutrina preconceituosa, racista, uma vez que nega a qualidade de pessoa ao rotulado inimigo.
Hodiernamente, o Direito Penal deverá ser analisado sob outra óptica, pois o uso de tal ramo do Direito não é a melhor solução para evitar a violência e o avanço da criminalidade.
Sabe-se que a realidade brasileira vive uma situação paradoxal. De um lado há o crescimento indisciplinado da criminalidade nas grandes capitais ou mesmo nas pequenas cidades e vilarejos; de outro, a redução e minimização da aplicabilidade da “mão pesada” do Direito Penal e sua dura sequela: a pena.
A normatização existe, há uma legislação penal, mas que não causa consequências satisfatórias e sólidas à sociedade. Logo, a intervenção mínima do Direito Penal (quando possível de ser aplicada) é uma medida sensata como tentativa de melhorar a eficácia de resposta criminal.
O Direito Penal é fragmentário, pois deve se encarregar apenas dos bens jurídicos mais importantes (lesões de maior gravidade) e também da proteção dos direitos fundamentais do ser humano.
Também deve-se atentar à subsidiariedade do Direito Penal, assumindo, destarte, uma posição de ultima ratio frente aos demais sistemas de controle social. Assim, se outros setores do ordenamento jurídico se mostram eficientes para a tutela penal, não se deve utilizar o Direito Penal.
Cabe ainda lembrar que, segundo a moderna concepção do Direito Penal, deverão ser analisados os princípios da necessidade e da lesividade. Nesse viés, para a ocorrência de crime, o fato típico deverá implicar lesão efetiva ou potencial ao bem jurídico tutelado, ainda que se trate de crime de mera conduta. (Veja o Habeas Corpus n. 81.057-SP/STF).
Por fim, concordamos com tal posição, pois, para ocorrer o crime de porte de munição proibida, além do que está descrito no tipo penal, deverá ser comprovada, no âmbito do caso concreto, a disponibilidade de uso da munição na situação em que o agente se encontrava. Caso contrário, não se realiza a figura típica.
Bons estudos!
José Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.
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