O princípio da insignificância é originário do Direito Romano e foi reintroduzido no sistema penal por Claus Roxin, na Alemanha, no ano de 1964. O princípio foi fundado no brocardo minimis non curat praetor.
A aplicabilidade do postulado, cuja utilização tem sido admitida, em inúmeros casos, pelos tribunais pátrios tem a seguinte ideia: não é razoável que o Direito Penal e todo o aparelho estatal da persecução penal movimentem-se no sentido de atribuir relevância a uma lesão insignificante.
O princípio deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade, subsidiariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material.
Segundo o STF, é necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença dos seguintes requisitos:
(a) a mínima ofensividade da conduta do agente;
(b) a nenhuma periculosidade social da ação;
(c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e
(d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Percebe-se que o reduzido valor patrimonial do objeto material não autoriza, por si só, o reconhecimento dos crimes de bagatela.
Em suma, o princípio possui a base em valores de política criminal, funcionando como causa de exclusão da tipicidade material do crime.
Quanto à proteção do meio ambiente natural, este está tutelado pelo caput do art. 225 da Constituição Federal e pelo § 1º, I, III e VII, do mesmo dispositivo:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [grifo nosso]
§1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I — preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
III — definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
VII — proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
A Lei n. 9605/1998 (Lei de combate aos crimes ambientais) define os tipos penais às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. A referida norma combate os crimes ambientais e, em seu artigo 2º, estabelece que
quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
Existe grande celeuma a respeito da aplicação do princípio da insignificância no âmbito dos crimes ambientais, uma vez que o meio ambiente é bem jurídico de ordem metaindividual e difuso.
Parte da jurisprudência pátria rechaça a aplicabilidade do princípio no âmbito dos delitos ambientais, como se percebe abaixo:
PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. PESCA PREDATÓRIA. PEQUENA QUANTIDADE DE PESCADO DEVOLVIDO AO HABITAT NATURAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. RELEVÂNCIA PENAL DA CONDUTA. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ESPECIAL RELEVO. ORDEM DENEGADA. I. Hipótese em que o paciente foi denunciado como incurso nas penas do art. 34, parágrafo único, II, da Lei 9.605/98, porque teria sido flagrado pela Polícia Militar de Proteção Ambiental, praticando pesca predatória de camarão, com a utilização de petrechos proibidos em período defeso para a fauna aquática e sem autorização dos órgãos competentes. II. A quantidade de pescado apreendido não desnatura o delito descrito no art. 34 da Lei 9.605/98, que pune a atividade durante o período em que a pesca seja proibida, exatamente a hipótese dos autos, isto é, em época de reprodução da espécie, e com utilização de petrechos não permitidos. III. Paciente que, embora não possua carteira profissional de pescador, faz da pesca a sua única fonte de renda. IV. Para a incidência do princípio da insignificância devem ser considerados aspectos objetivos referentes à infração praticada, assim a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, bem como a inexpressividade da lesão jurídica causada (HC 84.412/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19/11/2004), que não restou demonstrado in casu. V. A Constituição Federal de 1988, consolidando uma tendência mundial de atribuir maior atenção aos interesses difusos, conferiu especial relevo à questão ambiental, ao elevar o meio-ambiente à categoria de bem jurídico tutelado autonomamente, destinando um capítulo inteiro à sua proteção. VI. Interesse estatal na repreensão da conduta, em se tratando de delito contra o meio-ambiente, dada a sua relevância penal. VII. Ordem denegada. (STJ – HC: 192696 SC 2010/0226460-0, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 17/03/2011, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/04/2011). [grifo nosso].
Comete crime contra a fauna o agente surpreendido em poder de duas capivaras abatidas, armas de fogo e petrechos para caça, não havendo falar-se em aplicação do princípio da insignificância, pelo fato de tal espécie não encontrar-se ameaçada de extinção, bem como de que a conduta não causou dano à fauna, pois a objetividade jurídica da lei é o controle e a coibição de excessos comprometedores do equilíbrio ambiental, circunstância presente na hipótese, por se tratar de caça predatória, comprometedora de todo o equilíbrio biológico (TRF, 3ª R., ApCrim 96.03.088795-1 – SP, 1ª T., rel. Des. Theotonio Costa, j. 28.03.2000, DJU de 20.06.2000, RT 781/707). [grifo nosso].
Considerar atípica a conduta de alguém que é encontrado com pequena quantidade de pássaros é oficializar a impunidade. Deixar de reprimir a conduta dos infratores significa conceder-lhes salvo-conduto e incentivá-los à prática que poderá levar ao extermínio da fauna nacional (TRF, 1ª R., ApCrim 1999.01.00.117497-1/DF, 4ª T. rel., Des. Mário César Ribeiro, j. 17.10.2000, DJU de 10.11.2000, RT786/750). No mesmo sentido: TJMG, ApCrim 1.0151.02.001625-0/001-3, 3ª CCrim, rel. Des. Paulo Cézar Dias, j. 29.7.2008.
Segundo esta linha, diante da importância do bem tutelado na Constituição, proíbem-se eventuais excessos comprometedores ao equilíbrio ecológico. Destarte, não há como ser aplicado o princípio da insignificância em delitos ambientais, pois qualquer lesão ao meio ambiente desequilibra direta ou indiretamente o ecossistema.
Todos os seres humanos possuem o direito a uma vida saudável, com salubridade, a não poluição, a higidez, a uma vida produtiva em harmonia com o meio ambiente, logo condutas que atentem contra este propósito devem ser punidas no âmbito criminal e não podem ser consideradas irrelevantes. Nessa óptica, não existe conduta ambiental insignificante.
Ainda, deixar de punir a conduta dos infratores ao meio ambiente pode significar um incentivo à prática de tais delitos e, quiçá, gerar danos irreversíveis ao equilíbrio ecológico. Em posição diversa, entendendo pela aplicabilidade da insignificância nos crimes ambientais, dispôs o Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. PESCA EM PERÍODO DEFESO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. POSSIBILIDADE. CONDUTA QUE NÃO CAUSOU DANOS AO ECOSSISTEMA. ATIPICIDADE MATERIAL DOS FATOS. RECLAMO PROVIDO.
1. Esta Corte Superior de Justiça e o Supremo Tribunal Federal reconhecem a atipicidade material de determinadas condutas praticadas em detrimento do meio ambiente, desde que verificada a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedentes.
2.No caso dos autos, o paciente foi denunciado, tendo sido acusado de pescar em período defeso, entretanto foi abordado pelos fiscais apenas com a “linha de mão”, sem nenhuma espécime da fauna aquática, conduta que não causou perturbação no ecossistema a ponto de reclamar a incidência do Direito Penal, imperioso, portanto, o reconhecimento da atipicidade da conduta perpetrada, sendo o recorrente tecnicamente primário.
3.Recurso provido para determinar o trancamento da Ação Penal nº 5495-84.2011.4.01.4200. [grifo nosso]
No mesmo sentido, grande parte da jurisprudência do Superior de Justiça reconhece a atipicidade material de determinadas condutas praticadas em detrimento do meio ambiente, desde que verificada a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Vejamos:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ART. 34 DA LEI 9.605/1988. PESCA EM PERÍODO DE DEFESO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE.
I – Aplicável, no caso, o princípio bagatelar, uma vez que este STJ entende pela possibilidade de aplicação do princípio da insignificância aos delitos ambientais quando demonstrada a ínfima ofensividade ao bem ambiental tutelado.
II – No caso, conforme consta do v. acórdão recorrido, não foi apreendida nenhuma quantidade de qualquer espécie animal, nem há notícia de reincidência por parte do ora agravado.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp 1558312/ES, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02/02/2016, DJe 22/02/2016)
Na mesma esteira alguns julgados do Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime ambiental. Pescador flagrado com doze camarões e rede de pesca, em desacordo com a Portaria 84/02, do IBAMA. Art. 34, parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/98. Rei furtivae de valor insignificante. Periculosidade não considerável do agente. Crime de bagatela. Caracterização. Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias, deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do comportamento. (HC 112563, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 21/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-241 DIVULG 07-12-2012 PUBLIC 10-12-2012). (grifei).
CRIME – INSIGNIFICÂNCIA – MEIO AMBIENTE. Surgindo a insignificância do ato em razão do bem protegido, impõe-se a absolvição do acusado. (AP 439, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/2008, DJe-030 DIVULG 12-02-2009 PUBLIC 13-02-2009 EMENT VOL-02348-01 PP-00037 RTJ VOL-00209-01 PP-00024 RT v. 98, n. 883, 2009, p. 503-508)
Na mesma linha os Tribunais Regionais Federais:
O abate dos três animais descritos na peça acusatória é insuficiente para abalar o equilíbrio ecológico, de modo que a conduta do apelante não afetou potencialmente o meio ambiente e nem colocou em risco a função ecológica da fauna, impondo-se a aplicação do princípio da insignificância (TRF, 3º R., ApCrim 98.03.099575-8/SP, rel. Des. Ferreira da Rocha, j. 08.05.2001, DJU de 28.06. 2001).
O abatimento de animal silvestre que não afete potencialmente o meio ambiente e não coloque em risco a função ecológica da fauna impõe a aplicação do princípio da insignificância, uma vez que a conduta dos agentes não alcançou relevância jurídica. (TRF, 3º R., ApCrim 95.03.07596-8/SP, 2ª T., rel. Des. Aricê Amaral, j. 30.09.1997, DJU de 22.10.1997, RT 747/778). No mesmo sentido: TRF, 3ª R, ApCrim 97.03.031308-6/SP, 2ª T., rel. Des. Aricê Amaral, DJU de 12.04.2000, Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, n. 1, p. 136; TRD, 3ª R., ApCrim 96.03.016097-0 /SP, 5ª T., rela. Desa. Ramza Tartuce, DJU de 28.05.2002, Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, n. 15, p. 121.
Para esta posição, há a possibilidade do reconhecimento da atipicidade material de condutas praticadas em detrimento do meio ambiente, quando verificada a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada (parâmetros indicados pelo Supremo Tribunal Federal).
Também, para que haja o crime ambiental, a conduta do infrator deve afetar potencialmente o meio ambiente ou colocar em risco a função ecológica, o que deve ser demonstrado no âmbito de cada caso concreto.
Não obstante a divergência no campo jurisprudencial, se entende correta a segunda posição, uma vez que, hodiernamente, o Direito Penal deve ser fragmentário, pois deve encarregar-se apenas das lesões de maior gravidade. Ainda, deve ser reconhecido o seu caráter subsidiário, assumindo uma posição de ultima ratio frente aos demais sistemas de controle social.
Se outros setores do ordenamento jurídico se mostram eficientes para a tutela penal, não se deve utilizar da rispidez do Direito Penal. Assim, se a multa administrativa ou a reparação do dano resolve a questão ambiental, não há a necessidade da aplicabilidade da tutela criminal.
Por óbvio, por ser o meio ambiente ecologicamente equilibrado um bem jurídico metaindividual e difuso, direito fundamental e cláusula pétrea estampada na Constituição Federal, a aplicação do princípio da insignificância em delitos ambientais deve ser realizada com prudência e cautela. Deverá ser considerado no âmbito de cada caso concreto, analisando-se os pressupostos de política criminal indicados pelo Supremo Tribunal Federal.
Por fim, para que a conduta seja criminosa, não se faz necessária apenas a tipificação no seu aspecto formal, mas também deverá ser considerado o grau e proporção do ato praticado pelo agente. Deve-se averiguar se a conduta perpetrada foi capaz de lesar o bem jurídico protegido tutelado pela norma – o equilíbrio ecológico.
Bons estudos!
José Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.
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