Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
O Estado Absolutista, antes importante para gerar a estabilidade e a uniformidade necessárias ao desenvolvimento das atividades burguesas, passou a ser encarado como entrave ao capitalismo, uma vez que o poder soberano do monarca não encontrava limites no plano terreno, podendo de tudo dispor dentro do seu território. Fez-se, então, necessário que se garantissem os direitos naturais subjetivos do homem, sobretudo o direito à propriedade, através de um processo de contestação e deslegitimação do poder soberano do rei.
Assim, ao jusnaturalismo teológico sucedeu o jusnaturalismo humanista, substituindo o transcendentalismo da “razão divina” pela também metafísica noção de “razão humana”. A filosofia do direito da época apoiou-se, portanto, em valores universais, uma vez que a perspectiva relativista não serviria ao propósito revolucionário burguês. Ora, “toda atitude criadora necessita a afirmação de algo incondicionado, a crença em valores eternos” (MACHADO NETO: 1987, p.217).
A burguesia precisava, então, de um direito fundado em princípios gerais, válidos para qualquer tempo e espaço, devendo tais princípios serem deduzidos da razão humana, numa concepção individualista que preponderava na filosofia social da época, baseada na igualdade e liberdade do homem no seu estado de natureza (LIMA, 2002, p. 21).
Desse modo, as bases do direto natural (antes de origem teológica) passaram a ser colocadas no indivíduo, evoluindo, posteriormente, para uma concepção positivista do direito, que reduziu a noção de justiça à noção de validade, quando da transição do Estado absolutista para o Estado liberal. Segundo Bobbio, “para um jusnaturalista, uma norma não é válida se não é justa; para a teoria oposta (positivismo jurídico), uma norma só é justa enquanto é válida” (2008, p. 39).
Para entendermos o positivismo jurídico, devemos remontar à teoria contratualista de Thomas Hobbes, para quem não existiria outro critério do justo e do injusto fora da lei positiva. Ora, para abandonar o estado de natureza, no qual prepondera a luta de todos contra todos, o homem concorda em renunciar seus direitos naturais para transmiti-lo a um soberano, buscando, dessa forma, a paz. O principal direito que os homens possuem no estado de natureza é o de decidir o que é justo e o que é injusto, segundo seus próprios interesses e desejos.
Portanto, a partir do momento em que se constrói o Estado Civil, não existe outro critério para decidir sobre a justiça que não a vontade do soberano (o direito positivo). Sendo assim, não existe um justo por natureza, mas um justo por convenção, “de modo que onde não há direito tampouco há justiça, e onde há justiça significa que há um sistema constituído de direito positivo” (BOBBIO, 2008, p. 40-41).
Nesta concepção hobbesiana, a noção de justiça termina por se reduzir à noção de força, a qual só será suplantada com a teoria de Rousseau, que, no início da sua obra mestra, “Do contrato social”, afirma: “a força é uma potência física: não vejo qual moralidade possa derivar dela”. O autor do contrato social, contudo, não nega que a ideia de justiça esteja reduzida a um direito positivo, mas essa não seria expressão do monarca absoluto, mas sim expressão da vontade geral.
Com Montesquieu, também contratualista, se desenvolve e se propaga a noção de representatividade. O homem, como ser livre que é, estando num Estado de grandes dimensões e grande população, elabora as leis pelas quais viverá em sociedade por meio de representantes legitimamente escolhidos. Sendo assim, o direito positivo é sempre justo, uma vez que é elaborado pelo legislador racional, representante dos interesses dos cidadãos de um Estado.
Essa ideia é levada à sua concepção extrema após a edição do Código de Napoleão, em 1804, com o desenvolvimento da chamada Escola da Exegese. A tese fundamental dessa escola é a de que o Direito é revelado pelas leis, sendo um sistema sem lacunas reais. Assim, o verdadeiro jurista deve procurar, dentro da lei positiva, as respostas para a solução dos casos concretos. Surge, neste contexto, a ideia de uma dogmática conceitual, cabendo ao jurista fazer uso apenas das interpretações lógica, gramatical e sistemáticas (REALE, 2002, p. 415-416).
Neste sentido, costuma-se dizer que a interpretação era entendida como um trabalho meramente declaratório, por “admitir-se como indiscutível o princípio de que toda a evolução do Direito só poderia se operar através do processo legislativo, e jamais em virtude de uma contribuição integradora ou supletiva do intérprete” (REALE, 2002, p. 416-417).
Não sendo o texto suficientemente claro, o que era uma exceção, a ordem era que se buscasse a “intenção do legislador”, através do estudo dos precedentes legislativos ou de acordo com a situação social do tempo (intenção presumida). Essa concepção vigorou por quase meio século, ou seja, enquanto perdurou, de certa forma, o equilíbrio entre o que havia no código e o que acontecia na realidade social e econômica (REALE, 2002, p. 417).
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Noberto. Teoria geral do direito. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito. 33 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
REALE, Miguel. Filosofia do direto. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
Chiara Ramos – Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.
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