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O texto de hoje dá continuidade à discussão sobre o problema das lacunas no Direito. Vimos, na semana anterior, que a Escola da Exegese defendeu com unhas e dentes o dogma da plenitude hermética do ordenamento jurídico (confira aqui), ou seja, não existiriam lacunas, pois o legislador, expressando a sua máxima racionalidade, seria capaz de prever todas as situações de conflito em sociedade.
Ora, sendo o legislador racional esse ser onisciente, seria possível ao parlamento codificar e regular todas as condutas em sociedade. Assim, mesmo nas hipóteses em que o código silenciasse, esse silêncio seria eloquente. Ou seja, quando o Poder Legislativo não dispôs sobre aquela situação em concreto, o fez de forma proposital, deixando espaço para o exercício da autonomia da vontade (liberdade individual). Com isso, chega-se à máxima: “o que não foi proibido está permitido”.
Inicialmente essa lógica funcionou perfeitamente, mas, com o passar dos anos, com a desatualização inevitável do Código de Napoleão (base da Escola da Exegese), novos conflitos surgiram, sobretudo em razão da organização de uma nova classe social: o proletariado, tornando necessário voltar os olhos para o problema das lacunas no direito.
Diante dessa crise do paradigma exegético, surgem novas Escolas do Direito, dentre as quais destacamos a Escola Histórica do Direito, que procurou substituir essa procura de uma expressão racional do direito no Código em normas gerais que pudessem de antemão regular toda a vida humana e sua complexidade, por uma visão mais concreta e social do direito, comparando-o ao fenômeno da linguagem (REALE, 2002, p. 422).
Reconhecendo o desequilíbrio entre a lei e a realidade, a Escola Histórica procurou dar maior elasticidade ao Código, propondo a ideia de que a lei seria uma realidade histórica, que se situava na progressão do tempo. Esta é a posição de Savigny, o mais expressivo representante dessa Escola, para quem tanto o direito quanto a linguagem surgiram de maneira anônima, atendendo aos interesses múltiplos no “espírito do povo” (REALE, 2002, p. 422).
Para Savigny, a lei nasce obedecendo a certos ditames e determinadas aspirações da sociedade, sendo o seu significado mutável, uma vez que não deve ficar restrita às suas fontes originárias, mas deve acompanhar as modificações sociais. Dito de outra forma, para interpretar o jurista, deveria-se estudar as fontes de que emanaram a lei para descobrir qual a vontade da lei, contudo sua atitude não deve estar restrita a essa investigação, sendo necessário também descobrir qual teria sido a vontade do legislador se, no seu tempo, houvesse os fenômenos que causam as atuais questões jurídicas.
Por defender que a lei deveria corresponder sempre ao espírito do povo, Savigny se opôs à Codificação na Alemanha, defendida por Thibaut. Isto porque, para ele, a Alemanha não formava ainda uma Nação, não havendo maturidade para realizar uma codificação. Com isso, Savigny defendeu que a elaboração do Código Civil alemão fosse adiada para um momento em que houvesse um conteúdo jurídico mais denso, “uma experiência mais profunda do Direito como trama de ‘relações sociais’” (REALE, 2002, p. 423).
Desta forma, pretendeu Savigny trazer para o debate jurídico outro importante elemento, desconsiderado pela Escola da Exegese, qual seja: a eficácia. Seu temor, portanto, justificava-se na ideia de que um Código prematuro poderia ser dotado de validade e vigência, mas ser destituído de eficácia, uma vez que não correspondesse ao “espírito do povo”, que se manifestaria principalmente através de regras de caráter consuetudinário (costumes). Desta forma, só seriam leis verdadeiras as que traduzissem as aspirações autênticas do povo (REALE, 2002, p. 423).
A opinião de Savigny, contudo, não prevaleceu, uma vez que as necessidades históricas tornaram inevitável e inadiável a Codificação na Alemanha, transformando o historicismo de conteúdo social, o qual buscava a vontade do povo, pelo historicismo lógico-dogmático, limitando a interpretação histórica à busca de conhecer melhor uma regra, ou seja, seus antecedentes dogmáticos, completando a tríade interpretativa juntamente com o método gramatical e lógico (REALE, 2002, p. 425).
Outro ponto importante desta concepção está em entender o costume como a expressão mais autêntica da consciência jurídica do povo. Nesse contexto, o costume seria superior à própria lei, uma vez que esta é formulada por um legislador que lhe empreenderá seus sentimentos pessoais, subjetivos. Sendo assim, pode o costume revogar a lei positiva, modificá-la, bem como suprir-lhe as lacunas.
A Escola Histórica reconhece, portanto, a existência de lacunas no direito, em razão da própria dinâmica e evolução social, sendo obrigação da ciência do direito identificar os costumes, os princípios gerais do direito, bem como evidenciar e corrigir as lacunas e contradições da legislação, elaborando os conceitos fundamentais para o desenvolvimento de um verdadeiro sistema jurídico.
A Escola Histórica, contudo, não foi a única a tratar da temática à época, sendo a Escola Finalista do Direito outro grande expoente na crítica à crença da plenitude hermética do ordenamento jurídico, mas isso é tema para o nosso próximo encontro.
Até a próxima, queridos e queridas!
Lembrando sempre de andar com fé, que a fé não costuma falhar.
Até mais.
Chiara Ramos – Doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa, em co-tutoria com a Universidade de Roma – La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora Federal, desde 2009. Atualmente exerce o cargo de Diretora da Escola da Advocacia Geral da União. É Editora-chefe da Revista da AGU, atualmente qualis B2. É instrutora da Escola da AGU, desde 2012Foi professora da Graduação e da Pós-graduação da Faculdade Estácio Atual. Aprovada e nomeada em diversos concursos públicos, antes do término da graduação em direito, dentre os quais: Procurador Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco, Técnica Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região, Técnica Judiciária do Ministério Público de Pernambuco, Escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco.
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