O MPT e a MP: o Ministério Público do Trabalho e a MP 881/2019

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A MP 881/2019, a qual institui “a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, e dá outras providências”, atualmente tramita no Congresso Nacional em regime de urgência, tendo recebido 301 (trezentas e uma) emendas parlamentares. Um aditivo pretende incluir o parágrafo único no art. 627-A da CLT:

Art. 627-A. Poderá ser instaurado procedimento especial para a ação fiscal, objetivando a orientação sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho, bem como a prevenção e o saneamento de infrações à legislação mediante Termo de Compromisso, com eficácia de título executivo extrajudicial, na forma a ser disciplinada pelo Ministério da Economia.

Parágrafo único. O termo de compromisso lavrado pela autoridade trabalhista terá precedência sobre quaisquer outros títulos executivos extrajudiciais.

 

Duas interpretações são possíveis dos termos um tanto quanto vagos do precitado art. 627-A, parágrafo único.

A primeira delas seria a situação de concorrência de créditos, quando teria o projeto a pretensão de assegurar ao crédito decorrente do descumprimento de termo de compromisso de ajustamento de conduta firmado perante a autoridade trabalhista uma preferência legal. Nessa hipótese, a multa decorrente do descumprimento desse título preferiria àquela pela inobservância de um termo de ajuste de conduta firmado, por exemplo, perante o Ministério Público do Trabalho ou mesmo um cheque emitido em favor de um empregado (art. 13, da IN 39/2016, TST).

O segundo entendimento coloca o termo de compromisso de ajustamento de conduta firmado perante a autoridade trabalhista como um “super” título, que abstrata e genericamente, teria, e que passe a redundância, sempre e em todos os casos, precedência sobre os demais títulos executivos extrajudiciais.

Ilustrando essa última hipótese, pense-se no caso de um termo de ajuste de conduta firmado com o Ministério Público do Trabalho, no qual seja estabelecida a obrigação de fazer consistente no fornecimento de EPI’s, sob pena de multa. Pela dicção da norma, firmado um termo de ajuste de conduta com a autoridade trabalhista, contemplando a mesma obrigação de fazer, mas sem qualquer cominação da multa, prevaleceria este último, independentemente de ponderação sobre qual instrumento melhor tutelaria os interesses coletivos.

Um dos instrumentos de atuação institucional do Ministério Público é a promoção da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III, CR). Essa legitimidade não é exclusiva, mas, ao contrário, concorrente e disjuntiva (art. 129, § 1º, CR c/c art. 5º, Lei 7.347/85), isto é, diversos entes estatais e privados possuem legitimidade ativa para propor a ação civil pública. E o art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/85 confere aos órgãos públicos legitimados ao ajuizamento da ação civil pública a possibilidade de proporem a celebração de termo de ajuste de conduta.

O termo de ajuste de conduta (TAC) constitui um negócio jurídico pelo qual o interessado compromete-se a adequar sua conduta aos ditames legais, mediante cominações, com eficácia de título executivo extrajudicial. Pode-se afirmar, assim, que o TAC possui o mesmo objeto de uma ação civil pública, sendo seu sucedâneo extrajudicial.

Por conseguinte, o TAC representa para o Ministério Público um instrumento de atuação institucional de índole extrajudicial, afeto, portanto, à atividade finalística do “Parquet” e justamente aí o aditivo à MP 881/2019 colide com a autonomia funcional do Ministério Público.

Para além da independência funcional, assegurada ao membro, de acordo com a qual este somente se subordina à Constituição e às leis do país, o Ministério Público, enquanto instituição, é autônomo. Uma das dimensões dessa autonomia é precisamente a autonomia funcional (ao lado da autonomia administrativa e financeira), de modo que o Ministério Público, enquanto órgão estatal, não se vincula ou subordina ao entendimento dos Poderes de Estado.

Mas o aditivo à MP 881/2019, na segunda interpretação possível, inverte essa lógica e vitupera a autonomia funcional do Ministério Público, assegurada no art. 127, § 2º, da CR, vez que a eficácia de um dos principais instrumentos de atuação finalística estará subordinada à vontade do Poder Executivo, externada no termo de compromisso firmado com a autoridade trabalhista. No mesmo sentido, a Nota Técnica expedida pelo Ministério Público do Trabalho:

“Afastar um termo de compromisso firmado pelo MPT (ato jurídico perfeito), substituindo-o por outro firmado por órgão do Poder Executivo, ofende de modo inequívoco a sua independência.

“Oportuno mencionar que o legislador constituinte buscou deixar absolutamente clara a autonomia e independência do Ministério Público, classificando inclusive como crime de responsabilidade ato do Presidente da República que atente contra o livre exercício das atividades do MP (art. 85, II, da CRFB/1988).

“Como já decidiu o C. STF, “a autonomia do Ministério Público, que se reveste de natureza constitucional, visa a um só objetivo: conferir-lhe, em grau necessário, a possibilidade de livre atuação orgânico-administrativa e funcional, desvinculando-o, no quadro dos Poderes do Estado, de qualquer posição de subordinação, especialmente em face do Poder Executivo” (ADI 2513, Rel. Min. Celso de Mello)”.

Nasce, assim, não só um “super” título, mas também um “super” legitimado coletivo, rompendo-se a lógica prevista para ação civil pública, de legitimidade concorrente entre os atores de representação coletiva, mesmo quando a Constituição deferiu ao Ministério Público a tarefa de promover a efetivação dos direitos fundamentais.

Não de menor importância é a lógica da reparação integral do dano (art. 5º, inciso X, CR), direito fundamental cuja diretiva foi expressamente encampada pelo processo coletivo (art. 11, da Lei 4.767/65 e art. 100, da Lei 8.078/90). Em princípio, portanto, não se poderia estabelecer precedência abstrata e geral de um compromisso firmado com determinado legitimado, sem considerações acerca de seu conteúdo, ou seja, sem que se verifique, diante do caso concreto, se o instrumento realmente tutela os interesses em jogo e promove a integral reparação do dano.

Não se pode descurar, ainda, que a MP, nesse particular, versa sobre matéria processual, pois gesta título executivo trabalhista e estabelece precedência entre títulos executivos, o que, nos termos do art. 62, § 1º, CR, é vedado. Note-se que, no Processo do Trabalho, os títulos executivos encontram-se previstos no art. 876, CLT. Evidentemente, que esses títulos não estão enumerados de modo exaustivo (art. 13, da IN 39/2016), mas é fato que o preceito em tela alude textualmente ao termo de ajuste de conduta firmado perante o MPT, de modo que a MP 881/2019, ao conferir ao TAC firmado pela autoridade trabalhista a eficácia de título executivo extrajudicial trabalhista, estaria “criando” um novo título.

Alfim, como fica o MPT diante do projeto de conversão em lei da MP 881/201? Bem, o Ministério Público do Trabalho continua sua defesa intransigente da ordem jurídica trabalhista, e, como não poderia deixar de ser, da Constituição, seguindo como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, comprometida com a efetividade dos direitos sociais.

Carolina Marzola Hirata Zedes

Procuradora do Trabalho. Ex-Procuradora do Estado de Goiás. Especialista em Direito Constitucional e em Direito Processual Civil pela PUC-Minas. Mestre em Direitos Fundamentais Coletivos e Difusos pela Unimep. Autora de livros e artigos jurídicos. Professora do Gran Cursos Online nas disciplinas de Processo do Trabalho e Regime Jurídico do Ministério Público da União.

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