Caros alunos, analisando a referida situação hipotética verifica-se que se trata de uma decisão interlocutória proferida pelo douto juiz da 1ª Vara Cível da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, na qual se deferiu pedido de tutela provisória de urgência formulada por Jaqueline, determinando-se que a ré (Editora Cruzeiro), não mais vendesse exemplares da biografia, bem como que recolhesse todos aqueles que já tivessem sido remetidos a pontos de venda e ainda não tivessem sido comprados, no prazo de setenta e duas horas, sob pena de multa diária de cinquenta mil reais.
Referida decisão acolheu os fundamentos da petição inicial, no sentido de que a obra revela fatos da imagem e da vida privada da cantora sem que tenha havido sua autorização prévia, o que gera lesão à sua personalidade e dano moral, nos termos dos artigos 20 e 21 do Código Civil, e que, sem a imediata interrupção da divulgação da biografia, essa lesão se ampliaria e se consumaria de forma definitiva, revelando o perigo de dano irreparável e o risco ao resultado útil do processo.
A editora procura você como advogado(a), informando que foi intimada da decisão há três dias (mas o mandado somente foi juntado aos autos no dia de hoje) e que pretende dela recorrer, pois entende que não se justifica a censura à sua atividade, por tratar-se de informações verdadeiras sobre a vida de uma celebridade, e afirma que o recolhimento dos livros lhe causará significativos prejuízos, especialmente com o cancelamento do evento de divulgação programado para ser realizado em trinta dias.
Referida decisão trata-se de uma decisão interlocutória que deferiu pedido de tutela provisória de urgência antecipada, requerida em caráter antecedente, nos termos do art. 294 e seguintes do CPC, logo, o recurso cabível será o agravo de instrumento, conforme dispõe o art. 1015, I do CPC, vejamos:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I – tutelas provisórias; II – mérito do processo; III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI – exibição ou posse de documento ou coisa; VII – exclusão de litisconsorte; VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o; XII – (VETADO); XIII – outros casos expressamente referidos em lei. Par. Único: também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
Devemos lembrar que o agravo de instrumento será interposto no prazo de 15 dias, nos termos do artigo 1.003, § 5 do NCPC (mesmo prazo que disporá o agravado para apresentar contraminutas), diretamente no juízo do tribunal ad quem, em petição que preencha os requisitos constantes no art. 1.016 do NCPC, quais sejam: os nomes das partes; a exposição do fato e do direito; as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão e o próprio pedido; o nome e o endereço completo dos advogados constantes do processo. O agravante deverá formular sua pretensão recursal nos termos estabelecidos pelo art. 1.019 do CPC e instruirá a petição do agravo de instrumento, obrigatoriamente, segundo estabelece o inciso I, do art. 1.017 do NCPC, com a cópia dos seguintes documentos: cópia da petição inicial, da contestação, da petição que ensejou a decisão agravada (documentos novos exigidos pelo NCPC), pela decisão agravada, da certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade (inserido pelo NCPC), e pelas procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado.
O art. 1.018 do NCPC, apesar de dizer que o agravante poderá requerer a juntada da petição comunicando ao juízo a quo da referida interposição, em seu § 3º, prevê expressamente que o descumprimento da exigência constante do § 2º, desde que arguido e provado pelo agravado, importará inadmissibilidade do agravo de instrumento.
Vamos à peça:
EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. OU
EGRÉGIA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
EDITORA CRUZEIRO, pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ-MF sob o n —-, sediada em tal endereço—-, com seguinte endereço eletrônico—-, neste ato representada por quem de direito, vem a ilustre presença de Vossa Excelência, por meio do advogado in fine assinado, interpor recurso de Agravo de Instrumento com pedido de atribuição de efeito suspensivo, com fulcro nos artigos 1.015, I c/c 1.019, I, todos do NCPC, em razão de sua irresignação com a r. decisão interlocutória proferida pelo douto juiz da 1ª Vara Cível da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, que deferiu a antecipação de tutela pleiteada pela Sra Jaqueline, pelas razões de fato e de direito que passa a expor:
Do Agravado:
Conforme exige a norma contida no art. 1016, inciso I, o agravado é a pessoa da Sra. Jaqueline, demais dados de qualificação exigidos no art. 319 do CPC.
Em atenção ao artigo 1.017, do NCPC, informa este agravante que constituem instrumento do presente agravo: cópia da petição inicial (sendo esta, in casu, a petição que ensejou a decisão agravada); cópia da decisão ora recorrida; Prova da intimação quanto à decisão ora recorrida, atestando-se tempestividade deste recurso, (mandado de citação art. 231, inciso II); Cópia do instrumento mandato outorgado aos advogados das partes.
Conforme consta do II, do art. 1.017 o advogado que esta subscreve declara para os devidos fins e sob sua responsabilidade pessoal que deixa de anexar a esse agravo a cópia da contestação, do instrumento de mandato outorgado ao advogado da ré, uma vez que referidos documentos não existem nos autos principais.
Dos fatos
Trata-se de ação de indenização por danos morais cumulada com obrigação de fazer, ajuizada em desfavor da agravante pela Sra. Jaqueline, ora agravada, a qual alegara que a agravante lançou uma biografia sua onde se narrava que a agravante fez grande sucesso nas décadas de 1980 e 1990, e, por conta do consumo exagerado de drogas, dentre outros excessos, acabou por se afastar da vida artística, vivendo reclusa em uma chácara no interior de Minas Gerais, há quase vinte anos.
Diante dessa situação o douto juiz a quo deferiu a antecipação de tutela para condenar a ré a não mais vender exemplares da biografia, bem como a recolher todos aqueles que já tivessem sido remetidos a pontos de venda e ainda não tivessem sido comprados, no prazo de setenta e duas horas, sob pena de multa diária de cinquenta mil reais.
Referida decisão acolheu os fundamentos utilizados pela agravada em sua petição inicial, no sentido de que a obra revela fatos da imagem e da vida privada da cantora sem que tenha havido sua autorização prévia, o que gera lesão à sua personalidade e dano moral, nos termos dos artigos 20 e 21 do Código Civil, e que, sem a imediata interrupção da divulgação da biografia, essa lesão se ampliaria e se consumaria de forma definitiva, revelando o perigo de dano irreparável e o risco ao resultado útil do processo.
Das razões para reforma da decisão recorrida
A r. decisão vergastada posicionou-se no sentido de que a publicação feita pela agravante não possuiu autorização prévia por parte da agravada e que por esse motivo teria ferido as normas contidas nos artigos 20 e 21 do Código Civil, todavia, referida decisão está a merecer reforma, pois referidas normas devem ser interpretadas em consonância com a nossa Constituição Federal, que em seu artigo 220, § 2º veda todos os tipos de censura que possam existir, vejamos: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Do mesmo modo, a decisão agravada está a merecer reforma por ferir a norma prevista no art. 5, inciso IX, da Constituição Federal, a qual assegura a liberdade de expressão, vejamos: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”
Forte nesses argumentos, podemos afirmar que a r. decisão agravada deixou de considerar a nossa constituição, dando prevalência às normas infraconstitucionais, desconsiderando que a Constituição do Brasil proíbe qualquer censura, assegurando-se assim que o exercício do direito à liberdade de expressão não seja cerceado pelo Estado ou por particular, pois o direito de informação, constitucionalmente garantido, contém a liberdade de informar, de se informar e de ser informado, direitos esses que estão sendo vilipendiados pela r. decisão agravada.
A liberdade é constitucionalmente garantida, não se podendo anular por outra norma constitucional (inc. IV do art. 60), menos ainda por norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda que sob o argumento de se estar a resguardar e proteger outro direito constitucionalmente assegurado, qual seja, o da inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem. Para a coexistência das normas constitucionais dos incs. IV, IX e X do art. 5º, há de se acolher o balanceamento de direitos, conjugando-se o direito às liberdades com a inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa biografada e daqueles que pretendem elaborar as biografias. ADI4815
Do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao presente agravo
Autoriza o art. 1.019, inciso I, do CPC, deferimento de atribuição de efeito suspensivo deduzido pela ré/agravante, desde que, para tanto, comprovados os requisitos autorizadores os quais, aqui também, circunscrevem-se aos mesmos exigidos ao deferimento de tutela provisória.
O novo Código de Processo Civil, instituído pela Lei nº 13.105/2015, inaugurou um novo sistema das tutelas provisórias, previstas entre os artigos 294 e 311.
As tutelas provisórias são o gênero, dos quais derivam duas espécies: (1) tutela provisória de urgência e (2) tutela provisória da evidência. Defere-se a tutela de urgência à parte que demonstre aos autos a probabilidade de seu direito e, a depender da casuística – e para fins de delimitação da tutela em cautelar ou antecipada –, o eventual perigo de dano ou risco de resultado útil do processo (art. 300). A tutela de evidência, por sua vez, exige a verossimilidade dos argumentos apresentados na exordial, adequando-se assim a uma das hipóteses descritas no artigo 311, do Novo Código de Processo Civil.
In casu, faz jus esta ré/agravante à tutela de urgência, quer em sua perspectiva antecipada ou, até mesmo, cautelar, porquanto efetivamente preenchidos todos os seus requisitos, pois o risco de lesão grave ao direito da agravante é iminente, uma vez que poucos dias após o início das vendas de seu livro é surpreendida com a decisão proferida pelo douto juiz a quo, a qual proíbe a venda do referido livro, bem como determina que se recolha todos aqueles que já tivessem sido remetidos a pontos de venda e ainda não tivessem sido comprados, no prazo de setenta e duas horas, sob pena de multa diária de cinquenta mil reais.
Senão bastasse, a agravante programou um grande evento nacional para realizar a divulgação da referida biografia, investindo valores consideráveis, estando, no presente momento, na iminência de sofrer prejuízos irreparáveis, diante da proibição constante da referida decisão agravada, motivo pelo qual se torna medida necessária a atribuição de efeito suspensivo ao presente agravo para, assim, evitar que referidos danos se concretizem.
Dos pedidos
Ante o exposto, requer a Vossa Excelência se digne de:
a) Conhecer, admitir e processar o presente recurso em sua modalidade por instrumento, porquanto preenchidos os pressupostos normativos para tanto;
b) Ato contínuo, com a máxima urgência e inaudita altera pars, deferir atribuição de efeito suspensivo ao presente agravo para, suspender o cumprimento da r. decisão proferida pelo douto juiz a quo, para, assim, autorizar que a agravada dê continuidade na comercialização e publicidade da biografia da agravada;
c) Determinar a intimação da agravada, na pessoa de seu advogado, para que, caso queira, ofereça contraminutas ao mesmo, no prazo legal de 15 dias;
d) Finalmente, que seja dado provimento ao presente recurso de agravo de instrumento, ratificando-se a decisão que atribuir-lhe efeito suspensivo, ou, do contrário, deferi-la ao final quando do julgamento pelo colegiado, para, assim, autorizar que a agravante continue seus atos de publicidade e comercialização da biografia da agravada, por ser prova da mais inteira e lidima Justiça.
e) Condenar a agravada ao pagamento de honorários advocatícios recursais, nos termos do art. 85, 1º do CPC.
Nesses termos pede e espera deferimento.
São Paulo, 16 de junho de 2017.
Advogado
Rodrigo Costa – Graduado em Direito pela Universidade Católica de Brasília (2001) e Especialista em Direito Processual Civil pela ICAT/AEUDF. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direitos Civil e Processual Civil. Professor titular das disciplinas Direito Civil II e V, Direito Processual Civil IV e Prática Processual Civil II e na Universidade Católica de Brasília (UCB), nas disciplinas de Direito Processual Civil II e V e Teoria Geral do Direito Privado
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