Atualmente, a circunstância de estar a arma desmuniciada é relevante para a configuração do delito de porte ilegal de arma de fogo.
Caso o candidato seja questionado sobre a evolução jurisprudencial acerca do assunto em uma prova dissertativa ou oral, ele deverá iniciar a explanação dizendo que no passado, o assunto era tormentoso. Existiam duas correntes no STJ:
A primeira corrente era no sentido arma desmuniciada configurava crime, pouco importando se era possível o rápido municiamento.
Conforme veiculado no Informativo nº 550, o STF, a 1ª Turma, decidiu:
Porte ilegal de arma e ausência de munição.
“Para a configuração do delito de porte ilegal de arma de fogo é irrelevante o fato de a arma encontrar‑se desmuniciada e de o agente não ter a pronta disponibilidade de munição. Com base nesse entendimento, a Turma desproveu recurso ordinário em habeas corpus interposto por condenado pela prática do crime de porte ilegal de arma de fogo (Lei nº 9.437/1997, art. 10), no qual se alegava a atipicidade do porte de revólver desmuniciado ante a ausência de lesão ao bem jurídico penalmente protegido. Assentou‑se que a objetividade jurídica da norma penal transcende a mera proteção da incolumidade pessoal para alcançar a tutela da liberdade individual e do corpo social como um todo, asseguradas ambas pelo incremento dos níveis de segurança coletiva que a lei propicia. Enfatizou‑se, destarte, que se mostraria irrelevante, no caso, cogitar‑se da eficácia da arma para configuração do tipo penal em comento – isto é, se ela estaria, ou não, municiada ou se a munição estaria, ou não, ao alcance das mãos – , porque a hipótese seria de crime de perigo abstrato para cuja caracterização desimporta o resultado concreto da ação.” (RHC nº 90.197/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 9/6/2009)
À época, era a posição do STJ na maioria dos julgados.
Habeas corpus. Penal. Estatuto do Desarmamento. Porte ilegal (art. 14 da Lei nº 10.826/2003). Abolitio criminis temporária. Inocorrência. Extinção da punibilidade. Impossibilidade. Desnecessidade de a arma estar municiada para caracterizar crime de porte ilegal. Precedentes do STJ.
1. Consoante o entendimento desta corte, diante da literalidade dos artigos relativos ao prazo legal para regularização do registro da arma (arts. 30, 31 e 32 da Lei nº 10.826/2003), a descriminalização temporária ocorre exclusivamente em relação às condutas delituosas relativas à posse de arma de fogo. 2. Não se pode confundir a posse de arma de fogo com o porte de arma de fogo. Segundo o estatuto do desarmamento, a posse consiste em manter no interior de residência (ou dependência desta) ou no local de trabalho a arma de fogo, enquanto que o porte, por sua vez, pressupõe que a arma de fogo esteja fora da residência ou do local de trabalho. 3. Na espécie, o paciente restou denunciado pelo porte ilegal de arma (art. 14, da Lei nº 10.826/2003). Nesse contexto, a hipótese de abolitio criminis temporária não alcança a conduta praticada, tornando‑se, pois, inviável o acolhimento da pretensão ora deduzida. 4. Não prospera a alegação de que a arma, estando desmuniciada, não atingiria nenhum bem juridicamente tutelado, inexistindo, assim, o delito de porte ilegal de arma. É que, a teor da jurisprudência consolidada desta corte, configura‑se o referido crime ainda que a arma esteja desmuniciada.
5. Ordem denegada. (STJ – HC nº 200501561630 – (48117-GO) – 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 16/10/2006, p. 390) (Grifo nosso).
116316096 – Recurso ordinário em habeas
corpus. Penal. Porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Art. 14 da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Trancamento da ação penal. Atipicidade. Inexistência. Desnecessidade de a arma estar municiada para caracterizar crime de porte ilegal. Precedentes desta Corte Superior. 1. Para a configuração do delito previsto no art. 14 da Lei nº 10.826/2003, basta que o agente porte a arma de fogo sem autorização ou em desacordo com a determinação legal, o que torna irrelevante o fato de a arma encontrar‑se desmuniciada. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 2. Recurso desprovido. (STJ – RHC nº 200601953462 – (20136-SC) – 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 13/11/2006, p. 275)
A segunda corrente entendia que não configurava crime se arma de fogo estive desmuniciada e sem possibilidade de pronto municiamento. No RHC nº 81.057, DJ de 29/4/2005, a 2ª Turma do STF decidiu que
No porte de arma de fogo desmuniciada, é preciso distinguir duas situações, à luz do princípio de disponibilidade: (1) se o agente traz consigo a arma desmuniciada, mas tem a munição adequada à mão, de modo a viabilizar sem demora significativa o municiamento e, em consequência, o eventual disparo, tem‑se arma disponível e o fato realiza o tipo; (2) ao contrário, se a munição não existe ou está em lugar inacessível de imediato, não há a imprescindível disponibilidade da arma de fogo, como tal – isto é, como artefato idôneo a produzir disparo – e, por isso, não se realiza a figura típica.
Em 9 de Junho de 2009, conforme notícia veiculada no site <www.stf.gov.br>, a 2ª Turma do STF arquivou denúncia contra acusado de porte ilegal de arma:
Por 3 votos a 2, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o arquivamento de ação penal aberta com base em acusação de porte ilegal de arma porque o denunciado não dispunha de munição para efetuar disparos.
A decisão foi tomada nesta terça‑feira (9), no julgamento de Habeas Corpus (HC nº 97.811) impetrado em defesa de C.N.A., denunciado após ter sido preso na cidade de Suzano (SP) com uma espingarda. Ele foi detido porque carregava a espingarda no banco de trás do seu carro e não tinha porte de arma.
Segundo a defesa, apesar de a arma estar sem munição e envolvida em um plástico, os policiais militares prenderam C.N.A. em flagrante pelo crime de porte ilegal de arma de fogo. A prisão foi confirmada pelo delegado, mas, posteriormente, o juiz concedeu a liberdade provisória. No entanto, C.N.A. passou a responder a uma ação penal pelo crime.
Para os ministros Eros Grau, Cezar Peluso e Celso de Mello, a conduta de C.N.A. não está prevista no Estatuto do Desarmamento (10.826/2003). “Arma desmuniciada e sem munição próxima não configura o tipo [penal]”, ressaltou Peluso.
O ministro acrescentou que no relatório do caso consta que a denúncia descreve que a espingarda estava sem munição. “É que espingarda, [para se estar] com munição próxima, só se ele [o acusado] se comportasse que nem artista de cinema, com cinturão etc”, disse Peluso.
Para a ministra Ellen Gracie, relatora do habeas corpus, e o ministro Joaquim Barbosa, o arquivamento da ação penal nesses casos é prematuro quando existe laudo pericial que ateste a eficácia da arma para a realização de disparos.
“No caso, a arma foi periciada e encontrava‑se [em pelas condições de uso]”, disse a ministra. Segundo ela, o laudo pericial registra que a arma “se mostrou eficaz para produzir disparos, bem como apresentou vestígios de resíduos de tiros”.
Em uma decisão monocrática, respeitando o que preponderava na 6ª Turma do STJ a questão do porte de arma de fogo desmuniciada foi o tema de julgamento:
A Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, deu provimento ao agravo regimental a fim de conceder a ordem de habeas corpus para restabelecer a sentença. Para o Min. Nilson Naves, o condutor da tese vencedora, conforme precedente, a arma de fogo sem munição não possui eficácia, por isso não pode ser considerada arma. Consequentemente, não comete o crime de porte ilegal de arma de fogo previsto na Lei nº 10.826/2003 aquele que tem consigo arma de fogo desmuniciada. Precedente citado: HC nº 70.544-RJ, DJe 3/8/2009. AgRg no HC 76.998-MS, Rel. originário Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), Rel. para acórdão Min. Nilson Naves, julgado em 15/9/2009.
Sempre defendi que, pelo simples fato de se portar ilegalmente acessório ou munição, já há a configuração de crime, com mais razão deve ser punido quem estiver com uma arma de fogo, mesmo que sem munição. Sobre o porte ilegal de munição, decidiu o STJ:
Trata-se da necessidade ou não de comprovação da potencialidade lesiva para configuração do delito de porte ilegal de munição. Nas instâncias ordinárias, o juiz condenou o ora recorrido, como incurso no art. 14 (caput) da Lei nº 10.826/2003, a dois anos de reclusão em regime aberto e 10 dias-multa, substituída a sanção por duas medidas restritivas de direitos, mas o Tribunal a quo proveu sua apelação, absolvendo-o. Daí que o MP estadual interpôs o REsp, afirmando que o porte de munição sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar não depende da comprovação da potencialidade lesiva da munição, tal como é, também, no caso da presença de arma de fogo. O Min. Relator, invocando precedente do STF no RHC nº 93.876-DF, ainda não publicado, entendeu que se está diante de crime de perigo abstrato, de forma que tão só o comportamento do agente de portar munição sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar é suficiente para a configuração do delito em debate. Observou, ainda, que não via previsão típica em que o legislador tenha desejado a análise caso a caso da comprovação de que a conduta do agente produziu concretamente situação de perigo. Porém, essa posição ficou vencida após a divergência inaugurada pelo Min. Nilson Naves, que concluiu pela atipicidade da conduta, conforme posição similar ao porte de arma sem munição, que, por não possuir eficácia, não pode ser considerada arma. Precedente citado: HC nº 70.544-RJ, DJe 3/8/2009. REsp
nº 1.113.247-RS, Rel. originário Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE), Rel. para acórdão Min. Nilson Naves, julgado em 15/9/2009.
Em provas do Cespe, como o examinador tem a tendência de cobrar julgados isolados dos Tribunais Superiore, o candidato deverá ficar atento ao julgado da 5ª Turma do STJ, no Resp 1710320 / RJ, conforme notícia publicada no site do Superior Tribunal de Justiça[1]:
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso do Ministério Público do Rio de Janeiro que buscava caracterizar a posse de munição de uso restritodesacompanhada de arma de fogo como delito previsto no artigo 16 do Estatuto do Desarmamento.
Para o colegiado, a posse da munição (uma bala calibre 9mm e outra calibre 7.65mm) desacompanhada de uma arma de fogo, por si só, não é capaz de caracterizar o delito previsto no estatuto.
O ministro relator do recurso, Jorge Mussi, lembrou que o STJ entende que a posse de munição configura o tipo penal descrito no artigo 16 do Estatuto do Desarmamento, mas o tribunal tem precedentes segundo os quais a posse da munição de forma isolada não é suficiente para caracterizar o delito, já que não há plausibilidade de sua utilização sem uma arma de fogo. Não há, na visão dos ministros, qualquer risco do bem jurídico tutelado pela norma – a segurança pública.
Exceções
A situação analisada pelos ministros, segundo o relator, é peculiar, justificando a absolvição do réu quanto ao delito de posse de munição não autorizada.
“O caso em concreto espelha situação peculiar que permite a manutenção da absolvição do réu nos termos delineados pela instância a quo, diante da mínima quantidade de munição apreendida (apenas duas unidades), destituída de potencialidade lesiva nos termos do resultado de laudo pericial”, fundamentou Jorge Mussi.
Para o ministro, a absolvição relativa ao crime previsto no artigo 16 do Estatuto deve ser mantida, já que “não havia no local armamento capaz de deflagrar as duas munições apreendidas, consoante se extrai do resultado da busca e apreensão realizada, de modo que cabe, nesse caso particular e excepcional, se reconhecer a atipicidade material da conduta”.
Inicialmente o réu foi condenado a 11 anos de prisão por tráfico de drogas e outros crimes. Após apelação, a condenação foi reduzida para dois anos, excluindo, entre outros delitos, a posse da munição, já que o tribunal de origem concluiu pela atipicidade da conduta.
Atualmente, o STJ entende que é crime o porte ilegal de arma de fogo desmuniciada:
AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. ART. 14 DA LEI N. 10.826/2003. PERIGO ABSTRATO. DELITO DE MERA CONDUTA. TIPICIDADE DA CONDUTA. SÚMULA 168/STJ.
1. Este Superior Tribunal firmou seu entendimento no sentido de que o porte de arma desmuniciada se insere no tipo descrito no art. 14 da Lei 10.826/2003, por ser delito de perigo abstrato, cujo bem jurídico é a segurança pública e a paz social, sendo irrelevante a demonstração de efetivo caráter ofensivo por meio de laudo pericial.
2. Incidência do disposto na Súmula 168/STJ, in verbis: não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado.
3. Não houve a realização do necessário cotejo analítico, com a transcrição de trechos que demonstrem a similitude fática entre as situações em confronto e a diferente interpretação de dispositivo de lei federal, conforme preconiza o art. 266, c/c o art. 255, § 2º, do RISTJ.
4. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada.
5. Agravo regimental improvido.
(AgRg nos EAREsp 260.556/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/03/2014, DJe 03/04/2014)
O mesmo entendimento é preconizado pelo STF.
DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE. ARMA DESMUNICIADA. CRIME DE MERA CONDUTA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. A tese apresentada no habeas corpus consiste na alegada atipicidade da conduta de o paciente portar arma de fogo, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, quando se tratar de arma desmuniciada. 2. O tipo penal do art. 14, da Lei n° 10.826/03, ao prever as condutas de portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, contempla crime de mera conduta, sendo suficiente a ação de portar ilegalmente a arma de fogo, ainda que desmuniciada. 3. O fato de estar desmuniciado o revólver não o desqualifica como arma, tendo em vista que a ofensividade de uma arma de fogo não está apenas na sua capacidade de disparar projéteis, causando ferimentos graves ou morte, mas também, na grande maioria dos casos, no seu potencial de intimidação. 4. Vê-se, assim, que o objetivo do legislador foi antecipar a punição de fatos que apresentam potencial lesivo à população – como o porte de arma de fogo em desacordo com as balizas legais -, prevenindo a prática de crimes como homicídios, lesões corporais, roubos etc. E não se pode negar que uma arma de fogo, transportada pelo agente na cintura, ainda que desmuniciada, é propícia, por exemplo, à prática do crime de roubo, diante do seu poder de ameaça e de intimidação da vítima. 5. Habeas corpus denegado.
(HC 95073, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 19/03/2013, DJe-066 DIVULG 10-04-2013 PUBLIC 11-04-2013 EMENT VOL-02687-01 PP-00001)
Escrivão de Polícia – CESPE – PCDF – 2013 – Questão 108
Considere a seguinte situação hipotética.
Em uma operação policial, José foi encontrado com certa quantidade de munição para revólver de calibre 38. Na oportunidade, um policial indagou José sobre a autorização para portar esse material, e José respondeu que não possuía tal autorização e justificou que não precisava ter tal documento porque estava transportando munição desacompanhada de arma de fogo. Nessa situação hipotética, a justificativa de José para não portar a autorização é incorreta, e ele responderá por crime previsto no Estatuto do Desarmamento.
Resposta: Prevalece que é crime portar ilegalmente munições, mesmo que desacompanhado da arma de fogo. Assim como a arma de fogo, o indivíduo deverá ter autorização para portar a munição.
Gabarito: V.
[1] Disponível em http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Posse-de-muni%C3%A7%C3%A3o-de-uso-restrito-sem-arma-de-fogo,-por-si-s%C3%B3,-n%C3%A3o-caracteriza-crime Acesso em 15/02/19, às 14h58.
Sérgio Bautzer
Delegado da Polícia Civil do Distrito Federal. Bacharel em Direito, Professor de Legislação Especial e Direito Processual Penal, Professor de cursos preparatórios, graduação e pós-graduação.
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