Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
Aprovado com bolsas de estudo em cinco faculdades do Distrito Federal, um interno do Centro de Progressão Penitenciária (CPP) teve o direito de frequentar as aulas negado pela Justiça por não ter cumprido tempo suficiente de pena. Condenado a 72 anos de prisão por roubo de carros e formação de quadrilha, o homem, que não quer se identificar, já cumpriu 15 anos de prisão – 13 dos quais em regime fechado. Durante esse período, ele estudou por conta própria e conseguiu concluir os ensinos fundamental e médio dentro da Papuda.
Embora não tenha autorização para frequentar a faculdade, o interno deixa o CPP todas as manhãs para ir ao trabalho, na área central de Brasília. Ele atua como auxiliar administrativo em uma secretaria que tem convênio com a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap). Às 18h30, volta para o galpão no SIA. Tem um hora de almoço e ganha pouco menos que um salário mínimo.
“Se saio todos os dias para trabalhar, qual o motivo para não ter direito a estudar?”, questiona o preso, que pretende recorrer à Justiça para obter autorização para frequentar as aulas de direito em uma faculdade no Plano Piloto. “Não entendo como um Estado que diz priorizar a ressocialização nega ao interno que está neste processo o direito de estudar.”
Pela lei, o preso reincidente em regime semiaberto tem que cumprir um quarto da pena para ter direito a saídas temporárias. O benefício só poderia ser concedido a ele daqui a dois anos. A esperança do interno, no entanto, ressurgiu depois que soube do caso do acreano Adriano Almeida, que, preso do regime fechado, foi autorizado pela Justiça a cursar agronomia na Universidade Federal do Acre (Ufac).
O Tribunal de Justiça informou que a progressão para um regime menos rigoroso depende do preenchimento de requisitos objetivos e subjetivos. A avaliação do juiz sobre o requisito subjetivo, que consiste de bom comportamento carcerário, só pode ser feita se os requisitos objetivos – tempo de pena cumprido – tiverem sido preenchidos.
Estudos
Das aprovações do preso nas faculdades, quatro foram por meio do Enem. A quinta foi em um processo seletivo entre cem presos, em que ele obteve a segunda maior nota. A esperança do interno é utilizar o tempo que resta na cadeia para conseguir uma formação profissional.
O interno cursava o 7º ano quando foi preso, aos 19 anos. Na Papuda, nunca obteve autorização para frequentar a escola do complexo, então estudou por conta própria.Para concluir os ensinos fundamental e médio, usava livros que eram levados por familiares e trocados entre os internos. As dúvidas eram tiradas durante os banhos de sol e as visitas da irmã e da tia, que são professoras.
Quando os familiares não estavam disponíveis, ele pedia ajuda de outros presos. “Tinha uma dificuldade muito grande em matemática”, diz. “O restante, as outras matérias, no livro tem exemplo de como fazer. Ia aprendendo, mesmo sem professor. Quando não tinha como solucionar mesmo, tinha que procurar ajuda com outra pessoa com um grau de instrução maior que o meu.”
A Secretaria de Justiça informou que a Funap tem oito escolas com cerca de mil internos estudando e 390 na fila de espera. Com o estudo, os presos têm a remição de pena – a cada 12 horas de estudo, é descontado um dia de pena. A pasta diz que nenhum direito é negado aos sentenciados que buscam estudar no complexo e que a seleção dos internos é feita de acordo com a pena e com o local em que o preso está detido.
Aprovações e negativas
Em 2010, o interno conseguiu o certificado de conclusão do ensino fundamental e, em 2012, fez o Enem dentro do CPP para concluir o ensino médio. Em agosto de 2013, foi aprovado em gestão de RH no Iesb de Ceilândia com bolsa parcial pelo ProUni. “Fiz a inscrição, paguei as taxas e fiz o pedido na VEP [Vara de Execuções Penais]. Foi a primeira vez que foi negada”, diz. “Voltei lá, tranquei a matrícula. Desanimei um pouco, esperei e decidi tentar de novo.”
No começo de 2014, com uma nota melhor no Enem, foi aprovado novamente pelo ProUni para educação física na Uniplan e na Faculdade Mauá de Brasília. Novamente se matriculou e fez o pedido de estudo externo para a VEP. “Foi negado no meio do ano pelo mesmo motivo. Desanimei mais um pouco, mas pensei: ‘Não vou desistir. Vou tentar até verem que eu realmente quero estudar, mudar de vida.'”
No segundo semestre de 2014, ele obteve a quarta aprovação para cursar gestão de RH na Anhanguera, com bolsa integral. Antes de pedir autorização da VEP para ir às aulas, foi aprovado em uma faculdade na Asa Sul. “Ganhei uma bolsa integral para cursar direito. Esse era o meu sonho, e me animou ainda mais por ser em uma instituição renomada, com tantos doutores em direito.”
Sem advogado particular, ele conta com a ajuda de profissionais do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) do UniCeub, que atua como defensoria pública da VEP. “Eles entraram com recurso no TJDFT para ver se conseguiam em uma instância superior essa autorização”, diz. O recurso foi novamente negado.
O interno diz que vai entrar com outro pedido de estudo externo, a quarta tentativa. O documento será protocolado na VEP na próxima semana. Ele também pretende realizar o Enem de novo este ano, quando a prova for aplicada no CPP.
Crimes
Para o preso, a pena de 72 anos pelo roubo de carros foi injusta, já que foi condenado individualmente em dez processos: nove por roubo e um por formação de quadrilha. “Tinha 19 anos quando fui preso. Ainda criança, perdi pai e mãe por problemas cardíacos em um intervalo de dois anos, o que desestruturou nossa família. Vivi só por muito tempo. Era meio largado, meio rebelde. Não justifica o que fiz, claro, mas acabei me envolvendo com uma rapaziada, alguns faziam ‘pega’ com os carros, outros desmontavam, e acabei preso por conta disso. Sabia que estava fazendo coisa errada. E pago o preço há 15 anos.”
O interno conta que, assim como muitos presos, se interessou pela área de direito ao estudar o próprio caso. Agora, sonha em advogar. “Quero atuar como advogado criminal, prestar meus serviços à sociedade e dar assistência a quem precisa, seja para quem está fora ou dentro do sistema penitenciário, afinal, é direito de todos. Não é para ser super-herói, mas a gente vê muitas coisas lá dentro que não era para ter acontecido, como advogado que cobra pagamento por uma defesa que ele não presta.”
A advogada e professora de direito penal Cristiana Damascena acredita que, embora o juiz esteja se baseando na lei, há chances de o interno obter o benefício. “Existe um critério muito importante a ser observado pelo juiz. Ele está sendo legalista, cumprindo o que está escrito na norma, que é dever dele, mas também acredito que existe o dever social da própria pena e do próprio juiz”, diz.
“Em tese, as pessoas têm a visão de que poderiam se ressocializar, e uma forma é dar acesso à educação. O juiz, usando esse tipo de argumento, teria condição de dizer que a pena serve para prevenir, mas também para ressocializar”, diz. “Existe o argumento, em outros ramos do direito, calcado em princípios como a própria natureza da pena, para dizer ‘vou dar o direito da pessoa estudar, porque não tem meios mais adequados para reinserir a pessoa do que o próprio estudo, mais do que o trabalho’.”
Fonte: g1.globo.com
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