Princípio da prevenção no Direito Ambiental repercute no exame das tutelas provisórias

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princípio da prevenção

Por Eduardo Coral Viegas

A incidência dos princípios da prevenção e da precaução no Direito Ambiental brasileiro repercute diretamente no exame das tutelas provisórias em ações que visem a proteção ambiental. A tutela preventiva de urgência há de ser concedida, desde que presentes seus requisitos fáticos e jurídicos, para impedir o início de um fato danoso ou potencialmente danoso, ou para fazê-lo cessar, se já tiver sido iniciado.
Enquanto nas demais áreas do Direito as medidas de urgência são vistas como excepcionais, uma vez que a eficácia sentencial, como regra, deve partir de um comando decorrente de uma sentença irrecorrível, no Direito Ambiental inverte-se a proposição: a regra deve ser a concessão de medidas preventivas quando requeridas em prol do meio ambiente.
Ocorre que, após a verificação do dano, o restabelecimento do equilíbrio ecológico é muito difícil. Como voltar à situação anterior após a derrubada de uma floresta de preservação permanente, a extinção de uma espécie animal, a elevação das temperaturas e derretimento das calotas polares?
O Código de Processo Civil brasileiro está estruturado a partir de uma realidade individualista, típica da modernidade. Com a massificação das relações e a consolidação da complexidade pós-moderna, as técnicas processuais tradicionais já não servem para a solução adequada dos “novos” conflitos levados ao Judiciário. Os direitos de segunda e terceira geração estão relacionados à tutela de direitos sociais e difusos, que são de alta relevância, exigindo do julgador que sejam examinados sob ótica diversa.
Enquanto uma decisão que versa sobre direitos individuais atinge apenas as partes do processo, fazendo coisa julgada entre elas (inter partes), uma determinação acerca de direitos de segunda e terceira geração pode atingir uma multiplicidade de sujeitos, não raro até pessoas que sequer nasceram ou foram concebidas, que não são “partes” do processo (coisa julgada erga omnes).
O bem ambiental está expressamente protegido pela Constituição, no seu artigo 225, caput, consistindo no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um direito tipicamente difuso, de terceira geração, no qual todos são sujeitos ativos e têm direito imaterial ao ambiente qualificado, ao mesmo tempo em que detêm deveres pertinentes à sua defesa e preservação para as presentes e futuras gerações (intergeracional).
Ao lado de estabelecer o direito material, a CF igualmente assegura os mecanismos processuais para sua garantia. A ação popular é uma ação constitucional que pode ser ajuizada por qualquer cidadão, para proteger, dentro outros, o meio ambiente (artigo 5º, LXXIII). Outro exemplo é a ação direita de inconstitucionalidade, que pode ser ajuizada em face de leis ou atos normativos que, violando a Constituição, ponham em risco o equilíbrio ambiental (artigo 102, I, a). A própria Carta Magna prevê a concessão de medida cautelar nessa ação (artigo 102, I, p). Porém, na ADI, ao contrário do que ocorre na ação popular, a legitimidade ativa é bem restrita (artigo 103).
Mas é a ação civil pública (artigo. 129, III, CF) o instrumento mais utilizado na proteção judicial do meio ambiente. Segundo Cappelli, “a ação civil pública continua a ser o instrumento processual por excelência para a defesa do meio ambiente no Brasil, mesmo que nos últimos anos a tendência seja a solução extrajudicial dos conflitos” (2004, p. 280).
Há casos, de fato, em que não é possível a solução extrajudicial da lide, restando como única alternativa a propositura da ACP. Uma ação dessa natureza leva anos para ser solucionada em caráter definitivo (trânsito em julgado da sentença). Se um processo que versa sobre interesses individuais já é demorado em nosso país, o que se pode esperar dos feitos envolvendo interesses difusos, que são naturalmente mais complexos? A realidade confirma essas assertivas. Normalmente, as ACPs tramitam durante anos em primeiro grau de jurisdição, e outros tantos nas instâncias recursais.
Mas a natureza pode esperar tanto tempo?
É nesse ponto que a liminar na ação civil pública — e nas ações ambientais de um modo geral — assume destacada importância.
Nas ações que tutelam interesses individuais, a concessão de liminar é exceção. Efetivamente, a CF resguarda os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, que constituem direitos fundamentais para os litigantes. Com base nesse conjunto de princípios, que se inter-relacionam no plano instrumental, afirma-se que ao juiz compete a definição de quem é o detentor do direito somente após ouvir as versões de todos os envolvidos, colher as provas, seguir os ritos legais.
No entanto, na tutela do bem ambiental a situação é diversa. Como destaca Rodrigues, é necessário o estabelecimento de tutelas jurídicas diferenciadas conforme as peculiaridades do direito material em conflito. Segundo o autor, devem-se “diferenciar as técnicas processuais de acordo com as exigências do direito material, especialmente quando o direito material em jogo é o meio ambiente, pelas enormes peculiaridades e pela importância que tem” (2008, p. 53).
A prevenção do dano ambiental é a base do Direito Ambiental, como já destacado. Se a regra fosse aguardarmos uma decisão de mérito nas ações constitucionais ambientais, os princípios da prevenção e da precaução estariam comprometidos, uma vez que, quando do trânsito em julgado da sentença, o dano já teria ocorrido, estaria consolidado. Se a lesão já existisse quando do ajuizamento da ação, o ambiente se mostraria todo alterado no momento do cumprimento da sentença, porquanto a natureza não “espera” o processo, desenvolve-se, modifica-se, transforma-se.
Por isso é que a liminar é essencial. Se o dano ainda não ocorreu, pode ser evitado a partir da obtenção de uma tutela provisória, sob risco de perda do próprio objeto da ação judicial. Exemplificativamente, se a ACP visa a evitar o corte de algumas figueiras centenárias existentes em um terreno onde se pretenda construir um condomínio, não concedida a liminar, de quê servirá a sentença? Quando do julgamento do feito, a obra estará concluída, e as árvores não existirão mais!
Mesmo quando já constatado o dano, a liminar eventualmente requerida deve ser apreciada tendo-se por base o princípio da prevalência do meio ambiente (Milaré, 2005, p. 961). Ou seja, no conflito entre os interesses privados ou públicos e os difusos ambientais, os últimos normalmente devem se sobrepor, pois estão associados a outros direitos fundamentais da mais elevada expressão, como o direito à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana.
Então, se, por exemplo, um município vem despejando seus resíduos sólidos em uma área de preservação permanente (dano já constatado), sem licença ambiental, e for demandado em ACP para que cesse tal atividade danosa, a liminar há de ser concedida (ressalvadas excepcionalidades ligadas a casos pontuais). Se não o for, significará a possibilidade de o poder público, ao arrepio da lei, continuar utilizando o local inadequado por anos, até que a sentença eventualmente disponha em sentido inverso.
Mas e o interesse público subjacente, isto é, relacionado à destinação dos dejetos da comunidade? Cabe ao administrador adotar outras medidas, observando o princípio constitucional da legalidade, ao qual está vinculado por força do artigo 37, caput, da CF.
Não se pode perder de vista que decisão justa não é somente aquela que aplica a lei ao caso concreto, ou que dá a cada um o que é seu. Também é aquela proferida no tempo certo. Se for concedida quando já não for mais útil ou necessária, significa que não é justa, que afastou da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (artigo 5º, XXXV, da CF).
Nesse contexto, o devido processo legal é diverso nas ações individuais e nas ambientais. Nas últimas, justifica-se o retardamento da efetivação do princípio do contraditório, se seu afrouxamento revelar-se necessário à proteção do ambiente (Marin; Lunelli, 2008, p. 32).
Frente a essas considerações, pode-se questionar se a concessão de liminares pro ambiente, como regra, não afeta a segurança jurídica! Por certo que a decisão tomada via cognição sumária, no início do processo, não apresenta a mesma carga de certeza do que a proferida ao final, após estabelecido o contraditório e colhidas as provas.
Então, há um aparente conflito entre princípios jurídicos, que deve ser solvido no caso concreto, a partir do critério de ponderação, para verificar qual há de prevalecer na hipótese sub examine.
Mas não se pode perder de vista que a segurança é sempre relativa. Conforme Rodrigues, “considerando que a certeza absoluta é algo impossível de se alcançar, constituindo verdadeira utopia, é certo, então, que nem todo o tempo do mundo seria suficiente para se atingir uma verdade absoluta” (2008, p. 98).
Em que pese a definição de qual princípio prevalecerá dependa da análise do caso concreto, é possível determinar, de antemão, que o tempo nas lides ambientais assume papel de destaque e, associado aos princípios da prevenção e da precaução, exige, ordinariamente, a concessão da medida liminar requerida para a proteção da natureza, sob pena de comprometer a própria prestação jurisdicional.
O mais importante é que o decisor resguarde, tanto quanto possível, o direito material veiculado pelo processo, privilegiando a probabilidade em detrimento da certeza, com o fim de realizar a sempre esperada justiça.


Referências
CAPPELLI, Sílvia. A ação civil pública ambiental: a experiência brasileira, análise de jurisprudência. Revista do Ministério Público, Porto Alegre: AMP/RS, n. 52, 2004.
MARIN, Jeferson Dytz; LUNELLI, Carlos Alberto. A autonomia do processo constitucional e a legitimação para agir na tutela dos direitos coletivos: a dimensão publicista da jurisdição. In: MARIN, Jeferson Dytz (Coord.). Jurisdição e processo. Curitiba: Juruá, 2008.
MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Processo Civil Ambiental. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

 
Fonte: http://www.conjur.com.br
 
 

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