Caras e caros colegas,
Continuando a série sobre temáticas já abordadas na prova de filosofia do direito do exame da ordem, hoje teremos a oportunidade de falar um pouco sobre a teoria habermasiana da racionalidade, que se apresenta como uma tentativa generalizante de abarcar todas as manifestações racionais do sujeito. E o que isso significa, Chiara? Vamos descobrir.
Bem, Habermas parte da pressuposição de que qualquer asserção ou ação poderá ser tida como racional, desde que suscetível de criticismo e fundamentação, ou seja, desde que possa fornecer razões e fundamentos. Em suas palavras:
(…) uma expressão satisfaz a pré-condição de racionalidade, se e na medida em que corporifica conhecimento falível e, portanto, tem uma relação com o mundo objetivo (isto é, uma relação com os fatos) e está aberta ao julgamento objetivo.[1]
Ou seja, a racionalidade se produz graças a uma relação dialógica prévia e não se move no vazio de uma interioridade constituída à margem de toda comunicação, como querem os pensadores da tradição da filosofia da consciência[2]. Nesta perspectiva, uma pessoa se expressa racionalmente à medida que se guia, relativamente, por pretensões de validade, ou seja, pressupõe uma relação reflexiva da personalidade com aquilo que crê, faz ou diz.
Isto não implica que as crenças racionais e as convicções sejam sempre compostas de juízos verdadeiros, dito de outra forma, a racionalidade de um juízo não implica sua verdade, mas apenas sua aceitabilidade fundamentada num contexto dado. Em contra partida, irracional é aquele que defende dogmaticamente suas crenças e que a elas se prende apesar de não as poder fundamentar[3].
[1] HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p.9.
[2] HABERMAS, Jürgen. Individuación por via de socialización., em In: Pensamiento postmetafísico. Madrid: Taurus, 1990, pp. 188-190.
[3] HABERMAS, Jürgen. Verdade y justificación: ensayos filosóficos. Tradução de Pere Fabra e Luis Díez. Trottaa., 2001, p. 90.
Do posto de vista pragmático, adotado por Habermas, a linguagem assume relevância enquanto elemento mediador das relações que os falantes estabelecem entre si, quando se referem a algo no mundo.
Quando assim o fazem, assumem os papeis dialogais de ego e alter em que ego se utiliza de um ato de fala para expressar um estado de coisas referentes ao mundo, para o qual busca a anuência do alter.[1] Cada ego se utiliza, então, de uma ato de fala, o qual traz em si implicitamente a pretensão de ser verdadeiro e poder ser reconhecido como tal pelo alter. O alter vai adotar, por sua vez, uma posição de concordância em relação à pretensão de validade embutida no conteúdo do proferimento do ego.
Dessa forma, uma asserção pode ser dita racional somente se o falante satisfizer as condições necessárias para alcançar um entendimento sobre algo no mundo com pelo menos um outro participante na comunicação, buscando o reconhecimento intersubjetivo de pretensões de validade criticáveis (consenso).[2]
A proposta de Habermas nos leva a várias reflexões acerca dos dogmas do direito, bem como sobre a legitimidade das decisões judiciais. Por essa razão, finalizo deixando um questionamento: existe racionalidade comunicativa no nosso judiciário? O que vocês acham?
Até breve.
Chiara Ramos
[1]ARAGÃO, Lucia Maria de Carvalho. Razão comunicativa e teoria social crítica em Jürgen Habermas. 2 ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 28.
[2] HABERMAS, Jürgen. Racionalidade e comunicação, 1988, p. 96.