Por Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
Recentemente o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 181 de 07 de agosto de 2017, que dispõe sobre instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público.
A Resolução se apoiou na decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal que fixou, em repercussão geral, a tese de que o “Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado”. (RE 593727, Repercussão Geral, Relator: Min. CÉZAR PELUSO, Relator para Acórdão: Min. GILMAR MENDES, julgamento em 14/5/2015, publicação em 8/9/2015).
Considerou-se a necessidade de permanente aprimoramento das investigações criminais levadas a cabo pelo Ministério Público, especialmente na necessidade de modernização das investigações com o escopo de agilização e efetividade.
Assim, o objetivo da Resolução do CNMP foi o de conferir ao Ministério Público maiores poderes investigatórios no âmbito criminal. Em suma, a norma visou um combate mais efetivo aos crimes de colarinho branco e a corrupção que assolam o país.
Na Resolução, o CNMP também fundamentou a necessidade de soluções alternativas no Processo Penal que proporcionem celeridade na resolução dos casos menos graves, priorização dos recursos financeiros e humanos do Ministério Público e do Poder Judiciário para processamento e julgamento dos casos mais graves e minoração dos efeitos deletérios de uma sentença penal condenatória aos acusados em geral.
Prima facie, percebe-se que a intenção do CNMP foi positiva, mas, todavia, a redação da Resolução extrapola aos poderes conferidos ao Parquet, uma vez que confere ao referido órgão poderes não contemplados pela carta política de 1988.
Vejamos o artigo 18 da Resolução nº 181/17 do CNMP:
DO ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL
Art. 18. Nos delitos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não persecução penal, desde que este confesse formal e detalhadamente a prática do delito e indique eventuais provas de seu cometimento, além de cumprir os seguintes requisitos, de forma cumulativa ou não: (grifei)
I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima;
II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, de modo a gerar resultados práticos equivalentes aos efeitos genéricos da condenação, nos termos e condições estabelecidos pelos arts. 91 e 92 do Código Penal;
III – comunicar ao Ministério Público eventual mudança de endereço, número de telefone ou e-mail;
IV – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo Ministério Público.
V – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito.
VI – cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.
§1º Não se admitirá a proposta nos casos em que
I – for cabível a transação penal, nos termos da lei;
II – o dano causado for superior a vinte salários-mínimos ou a parâmetro diverso definido pelo respectivo órgão de coordenação;
III – o investigado incorra em alguma das hipóteses previstas no art. 76, § 2º, da Lei nº 9.099/95;
IV – o aguardo para o cumprimento do acordo possa acarretar a prescrição da pretensão punitiva estatal.
§2º O acordo será formalizado nos autos, com a qualificação completa do investigado e estipulará de modo claro as suas condições, eventuais valores a serem restituídos e as datas para cumprimento e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e seu advogado. (grifei)
§3º A confissão detalhada dos fatos e as tratativas do acordo deverão ser registrados pelos meios ou recursos de gravação audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações.
§4º É dever do investigado comprovar mensalmente o cumprimento das condições, independentemente de notificação ou aviso prévio, devendo ele, quando for o caso, por iniciativa própria, apresentar imediatamente e de forma documentada eventual justificativa para o não cumprimento do acordo.
§5º O acordo de não-persecução poderá ser celebrado na mesma oportunidade da audiência de custódia.
§6º Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo ou não comprovando o investigado o seu cumprimento, no prazo e nas condições estabelecidas, o membro do Ministério Público deverá, se for o caso, imediatamente oferecer denúncia.
§7º O descumprimento do acordo de não-persecução pelo investigado, também, poderá ser utilizado pelo membro do Ministério Público como justificativa para o eventual não-oferecimento de suspensão condicional do processo.
§8º Cumprido integralmente o acordo, o Ministério Público promoverá o arquivamento da investigação, sendo que esse pronunciamento, desde que esteja em conformidade com as leis e com esta Resolução, vinculará toda a Instituição.
Pelo exposto, percebe-se que a referida Resolução afronta a Constituição Federal, pois não incumbe ao Ministério Público legislar sobre Processo Penal, muito menos, lhe foi dada a possibilidade de prescindir do Poder Judiciário.
Ressalte-se que a distribuição da competência legislativa vem descrita na Constituição de 1988, no art. 22, I, que determina competir, privativamente à União legislar sobre Direito Processual. Sendo permitido que lei complementar autorize aos Estados a legislar sobre questões específicas (locais) da matéria.
Ademais, esse novel acordo proposto pelo CNMP está instituindo em solo pátrio o instituto do “Plea Bargaining”, que não possui previsão em nosso ordenamento jurídico.
O plea bargaining teve origem na common Law, consiste em uma negociação, um acordo realizado entre o Ministério Público e o acusado. No acordo, o acusado presta informações ao Ministério Público, e, este abre mão de acusá-lo criminalmente.
No sistema norte americano há uma verdadeira política criminal de barganha, pois antes do julgamento, há uma fase de negociação entre o órgão acusador e o acusado e seu defensor, podendo culminar na confissão de culpa por parte do acusado – guilty plea ou plea of guilty.
O instituto é bastante polêmico no âmbito jurídico, uma vez que há a supressão de direitos fundamentais do acusado e assentimento de sua culpa sem que exista um devido processo legal com direito a ampla defesa e ao contraditório.
Quanto a sua aplicação no Brasil, não se pode confundir o plea bargaining com os o institutos despenalizadores previstos na Lei nº 9.099 de 1995, pois na transação penal, bem como, na suspensão condicional do processo, não há assentimento de culpa por parte do autor do fato. Também há de se consignar, que em ambos, é obrigatória a interveniência do Poder Judiciário na aplicação de sanções.
Pela leitura do artigo 18 da Resolução nº 181 do CNMP, para que haja acordo com o Ministério Público, o acusado precisará “confessar” a prática do delito.
A nosso ver, o acordo é inconstitucional, pois o Ministério Público se encarrega de aplicar pena sem que haja processo, afrontando o princípio da Nulla poena sine judicio (é nula a pena sem processo).
Cabe ainda lembrar que não mais se pode considerar a confissão como a rainha das provas, pois não estamos sob a égide do Processo Penal da inquisição.
Ademais, o acusado possui a garantia da não autoincriminação (Nemo tenetur se detegere), pois ninguém é obrigado a se autoincriminar ou a produzir prova contra si mesmo (nem o suspeito ou indiciado, nem o acusado). Tal princípio está amparado na Constituição Federal com a garantia do direito ao silencio (Art.5º, Inciso LXIII) e expressamente previsto no Pacto de São José da Costa Rica (Art. 8º, 2, g).
Também deve ser respeitado o devido processo legal, com direito ao contraditório e a ampla defesa e a assistência por advogado
Observe, ainda, que em momento algum, a Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Ministério Público a possibilidade de aplicar pena prescindindo do Poder Judiciário. Veja que pela redação da Resolução do CNMP, não haverá interveniência do juiz na aplicação de pena.
Por fim, mesmo que a intenção da Resolução do CNMP seja de criar mecanismos de soluções alternativas no Processo Penal e celeridade em crimes sem violência ou grave ameaça, da mesma forma que se combate ao ativismo judicial, rechaça-se qualquer intromissão indevida ou usurpação do Ministério Público na função legislativa delineada na Constituição.
José Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.
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