Gabriel Alves Elias
Nos idos dos anos 80/90, o saudoso jurista Alfredo Augusto Becker editou uma brilhante obra sobre o Direito Tributário intitulada de “Carnaval Tributário” (Editora Saraiva), uma espécie de autobiografia profissional, conforme expressão do Ilustre Professor Condorcet Rezende. A (eterna) atualidade do termo é inegável; e não é, infelizmente, pela tradição festiva anual.
No capítulo 2 do referido livro, BECKER afirma com propriedade que “a tributação irracional dos últimos anos conduziu os contribuintes (em especial os assalariados) a tal estado que, só lhes resta a tanga. E além da tanga, restam-lhe apenas a fé e a esperança na mudança desse estado de coisas simultaneamente com a mudança dos ministros da Fazenda e do Planejamento”. Leitura mais atual, impossível. E continua o ilustre autor, ao sustentar que, “Porém, se a estes contribuintes tributarem até mesmo a tanga, então, perdidas estarão a fé e a esperança. Infelizmente existem fundadas razões para que tal aconteça. E se a exposição que o leitor lerá parecer-lhe caótica, recorde-se que eu estou procurando descrever o caso”.
Nada mais adequado para o atual momento do Brasil. Tanto é que o próprio Condorcet Rezende1, em uma “releitura” da obra de Becker, intitulou o cenário jurídico-tributário brasileiro de “Pandemônio Tributário”, ao sustentar que “todos que acompanham a ‘evolução’ do ‘soi-disant’ – sistema tributário nacional – sabem que do Carnaval a que se referia Becker, passamos à Orgia, e desta para o atual pandemônio”. Agora, ousamos sustentar que o Brasil do “Pandemônio Tributário” ficou no passado.
Para fundamentar, chamamos a atenção do leitor para o mais recente levantamento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), que aferiu que no período de 1/1/16 a 22/7/16, a sanha arrecadatória dos entes governamentais já que permitiu a expropriação de R$ 1,1 trilhão de reais a título de tributos2 – sim, nobre leitor, em pouco menos de 7 meses, já estamos na casa do TRILHÃO em arrecadação!
Com efeito, o Exmº Michel Temer, no exercício do cargo de Presidente da República, com a devida ponderação que lhe é peculiar, tenta arrefecer os ânimos arrecadatórios, mas, na prática, o que se vê são projetos surgindo a pleno vapor para que – de forma transitória (o que duvidamos, categoricamente) – os brasileiros possam contribuir (!) com a “retomada do crescimento”. É a mesma profilaxia para a antiga enfermidade.
E nesta seara arrecadatória, não obstante a crise, cremos, fundada em nossa experiência profissional na área, que o “Pandemônio Tributário”, que há muito ficou no passado, é criado pelos Governos Federal, Estadual e Municipal, especialmente pela edição de dezenas de normas a cada momento, o que é comprovado por um recente estudo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), que concluiu que, desde 1988 até Outubro de 2015, foram editadas mais de 5,2 milhões de normas3 que regem a vida dos cidadãos brasileiros.
Conforme notícia divulgada pelo IBPT sobre o referido estudo, “cálculo foi feito (…) detectou que no que diz respeito à matéria tributária, foram editadas 352.366 normas, a maioria exigente em excesso, e responsável por exaurir os contribuintes, confundindo-os e exigindo de pessoas físicas e jurídicas um trabalho infinito para a compreensão e o cumprimento de todas as regras”. Com certeza, esse emaranhado, um verdadeiro cipoal legislativo, convergiu para que os contribuintes, em 2015, recolhessem – extenuantes – R$ 2 trilhões de reais aos cofres públicos (fonte: Impostômetro).
Cumpre frisar que, em 2005, o IBPT realizou pesquisa similar4 e demonstrou que de 1988 a outubro do referido ano haviam sido editadas 3.510.804 normas, das quais 229.616 dispunham especificamente sobre matéria tributária. Ou seja, apenas em matéria tributária, segundo dados do IBPT, em 10 (dez) anos (outubro/05 – outubro/15) os Entes Federativos emitiram mais de 1.000 (um mil) normas tributárias por mês!
A dificuldade criada pelos Governos Federal, Estadual e Municipal para atendimento à legislação fiscal e tributária, dada a profusão de normas é tamanha que, em 1989, quando foi utilizada a terminologia “Carnaval Tributário”, o brasileiro gastava 2 meses e 13 dias somente para pagar tributos5. Em 2015, com base nesta mesma pesquisa, o brasileiro gastou 5 meses.
A seu turno, para assegurar o cumprimento das obrigações acessórias, no estudo do Banco Mundial, o “Doing Business” – desenvolvido em parceria com a PricewaterhouseCoopers (PwC) – o Brasil aparece nas últimas posições de uma lista de mais de 180 países. De acordo com este levantamento, as empresas brasileiras gastam, em média, 2.600 horas (108 dias)6.
Com o fito de (tentar) mitigar os maléficos efeitos do Estudo do Banco Mundial/PwC, a Receita Federal do Brasil apresentou um levantamento contestando dito estudo do Banco Mundial, e orgulhou-se em divulgá-lo, pois – supostamente – gastaríamos, em média, “apenas” 600 horas/ano, o que nos coloca em destacada posição na América Latina: atrás da Argentina (405 horas) e Chile (291 horas).
Como visto, tais fatos só reforçam a necessidade e importância de profissionais altamente dedicados e atualizados na área, a fim de evitar o recolhimento indevido ou a maior de tributos, permitir a otimização da carga fiscal, bem como permitir a conformidade com as diversas exigências da Receita Federal, Estadual e Municipal (compliance fiscal).
Ultrapassamos a meta risível do “carnaval tributário”.
Fonte: www.migalhas.com.br
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