Vou narrar neste texto uma experiência real que vivenciei sobre a formação e uso da memória, evolvendo a memorização de um número de telefone, e considero que, com os esclarecimentos e explicações a seguir, esta experiência pode ser bastante útil e aplicável aos estudos. Desde já saliento que não há dúvida de que memorizar objetos, nomes de pessoas e números de telefone não se confunde com estudar para concurso público, sendo necessário o devido cuidado com as fórmulas mnemônicas aparentemente milagrosas, propostas por aqueles que se colocam como magos ou gurus da memória.
Então vamos então à experiência…
Estava em viagem com um grupo de amigos e havíamos acabado de desembarcar. Um dos membros do grupo, logo após sair do avião, sacou o telefone e fez uma ligação para definir e combinar o procedimento e encontro para pegar o veículo que seria alugado, conforme previamente agendado. De repente a pessoa do outro lado da linha passou o número do telefone daquele que nos entregaria o carro fora do aeroporto. Ninguém tinha papel e caneta, e todos os demais estavam com o telefone desligado. Ouvimos o nosso amigo interlocutor repetir em voz alta o número pronunciado por aquele que estava do outro lado da linha, talvez até numa estratégia inconsciente para facilitar a memorização. E indagava, com certo desespero e preocupação, se alguém teria como anotar.
Daí eu disse: “fiquem tranqüilos, eu já memorizei!”. Os demais olharam para mim desconfiados. E depois que expliquei a minha estratégia mnemônica, todos os demais memorizaram.
O número era: 9-9-1-2-3-3-2-0. E como fiz? Usei dois recursos e técnicas de memorização que explicarei melhor em seguida.
Primeiramente, separei os números em duplas, isto é, em dezenas. Assim a informação passou a ser 99-12-33-19. Agora, portanto, já não eram mais 8 unidades numéricas, mas 4 dezenas, de modo que reduzi de 8 para 4 dados, e de forma mais organizada.
Em seguida, para cada dezena, e na seqüência correta, criei uma série associativa aos números, correspondente à seguinte:
99- pensei na ideia de que se tratava de número comum de telefone;
12- pensei no número do Partido Democrático Trabalhista – PDT, o qual, por vários motivos, tenho como uma informação consolidada em termos de memória. Poderia até invocar a imagem do saudoso Leonel Brizola, o que não foi preciso;
33- idade de um amigo comum aos membros do grupo, que havia comemorado aniversário recentemente;
20- número da minha casa.
Criei na minha mente uma imagem que contava com todas as imagens que se relacionavam às dezenas, na seqüência, a partir do número 12, já que o 99 eu tentei usar a ideia de que era um número comum para o início de números telefônicos.
Assim deu certo e resolvemos nosso problema.
Mas a grande questão é: o que está por trás disto e como aplicar esta estratégia aos estudos?
No fundo, aqui há duas técnicas a serem compreendidas e consideradas.
A primeira foi organizar a informação. Esta se relaciona com a técnica da categorização, criada por Reuven Feurstein, pai da Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural e do Programa de Enriquecimento Instrumental – PEI. Também se relaciona a esta técnica a ideia de que o cérebro tende a colocar ordem onde há desordem, inclusive como forma de facilitar o trabalho cognitivo. Esta última corresponde à tese defendida pelo psicólogo cognitivo e neurocientista Michael Anderson, o qual sustenta a ideia de que o cérebro procura trabalhar com a lógica das caixas de correspondências, agrupando e organizando informações.
E isto consiste numa primeira estratégia que pode ser adotada nos estudos: tentar organizar a informação de forma a facilitar o seu contato e domínio, inclusive categorizando. Por exemplo, pense no art. 22 da Constituição Federal, o qual trata da competência legislativa privativa da União. Estamos falando de nada mais nada menos que 29 incisos. Assim, uma estratégia possível é tentar criar categorias que possam relacionar as matérias e juntar os incisos que tenham alguma relação.
A segunda técnica foi o uso da lógica associativa. Existem inúmeros fundamentos que explicam este fenômeno, o que deixo de fazer neste texto pois o alongaria bastante. Mas trata-se de um recurso neurocognitivo muito importante. Os acrônimos, como por exemplo o famoso LIMPE (princípios constitucionais da Administração Pública previstos no art. 37 da Constituição: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência) ou o mais recentemente famoso SO-CI-DI-VA-PLU (fundamentos da República, previstos no art. 1º da Constituição: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e livre iniciativa e pluralismo político), são exemplos de uso desta lógica associativa da memória.
Assim, não apenas é possível usar estes recursos nos estudos – sabendo usar, como eu sempre que enxergo uma oportunidade os utilizo enquanto estudo – já que nunca parei e não posso parar de estudar.
Porém, é preciso entender que estudar para concurso público não é o mesmo que participar de campeonato de memória ou memorizar nomes, números e objetos, principalmente para fazer demonstrações, como se estivesse em programa de auditório ou espetáculo circense. Não por acaso, é difícil ver entre a lista de aprovados em concurso público os tais mnemonistas ou campeões de memória.
Neste sentido, uma possibilidade de aplicação da lógica associativa da memória envolve o estudo de informações arbitrárias, ou seja, aquelas não contam com um sentido lógico, como os prazos processuais, quoruns do processo legislativo e mesmo número de leis e súmulas.
Mas para o uso da lógica associativa da memória uma condição importante consiste na criatividade, para criar associações com informações ou experiências que já estão consolidadas e transformadas em memória de longo prazo.
Portanto, pense na possibilidade de aplicação destas estratégias ao seu estudo. Isto sem prejuízo de usar no dia a dia, principalmente quando for útil e necessário.
Fonte: www.amodireito.com.br
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