A Defensoria Pública e o resguardo da legalidade na dosimetria da pena

Guerreiras e guerreiros!

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Vamos conversar hoje sobre o papel essencial desempenhado Defensoria Pública para fins de ser observada a legalidade quando o magistrado fixa a pena.

De acordo com o art. 134, caput, da Constituição Federal, a Defensoria Pública é instituição permanente a quem cabe a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados.

Vejamos:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal .

A individualização da pena revela-se como garantia fundamental prevista no art. 5º, XLVI, da CF, de modo que cabe à Defensoria Pública tutelar a preservação da garantia da individualização da pena.

A garantia da individualização da pena encontra-se presente na fase da COMINAÇÃO DA PENA (quando da seleção dos bens que serão tutelados pela norma penal), da APLICAÇÃO DA PENA (quando da fixação da pena privativa de liberdade pelo sistema trifásico ou da pena pecuniária/multa pelo sistema bifásico) e da EXECUÇÃO DA PENA (quando da aplicação da pena fixado em concreto e da análise de eventuais benefícios próprios da execução penal para os quais as características pessoais do sentenciado/reeducando são analisadas).

Importante acentuar que, em uma primeira fase (FASE DE COMUNAÇÃO DA PENA), a pena é cominada em abstrato, cabendo ao LEGISLATIVO. Em um segundo momento, a pena é fixada em concreto (FASE DA APLICAÇÃO ou DOSIMETRIA DA PENA), sendo tal momento próprio do JUDICIÁRIO. E, por fim, em uma terceira fase, a individualização da pena vem plasmada na FASE DA EXECUÇÃO DA PENA que cabe ao EXECUTIVO sob supervisão do JUDICIÁRIO (juízo da execução penal).

A participação da Defensoria Pública é essencial, enquanto instituição permanente e essencial ao regime democrático, em relação às três fases, tendo papel relevante, por exemplo, na participação em audiências públicas realizadas no âmbito do Legislativo quando do trâmite de determinação projeto de natureza penal. Igualmente, na fase da execução da pena, a Defensoria Pública implementa trabalho de suma relevância no acompanhamento do cumprimento da pena, no resguardo dos benefícios, assim como na participação em mutirões em todo o Brasil envolvendo a situação de encarceramento qualificado pelo Supremo Tribunal Federal como estado de coisas inconstitucional (Súmula Vinculante 56 e RE 641.320/RS).

Hoje, falaremos com mais detalhes do momento da aplicação ou da dosimetria da pena.

Para além do fundamento constitucional da individualização de que já conversamos, vale lembrar o parâmetro legal da aplicação ou dosimetria da pena, qual seja, o disposto no art. 68 do Código Penal, segundo o qual “a pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento”.

No caso de penas privativas de liberdade, a dosimetria da pena opera-se pelo sistema trifásico, no qual, em uma primeira fase, a partir da pena mínima em abstrato cominada para o crime, é fixada a PENA-BASE, mediante a análise das circunstâncias judiciais, não se admitindo pena-base aquém do mínimo ou além do máximo previstos em abstrato (no preceito secundário da norma incriminadora). Na segunda fase, a partir do quantum fixado a título de pena-base, o juízo, considerando eventuais circunstâncias atenuantes e agravantes, fixa a PENA INTERMEDIÁRIA, sendo que, aqui, igualmente, não é possível a fixação da pena abaixo do mínimo ou acima do máximo da pena prevista em abstrato (Súmula nº 231 – STJ e Repercussão Geral no RE 597270). E, por fim, na terceira fase, partindo da pena intermediária, o juízo, examinando a presença de eventuais circunstâncias que componham causa de aumento (majorante) ou de diminuição (minorante), fixará a PENA DEFINITIVA, a qual, agora sim, poderá ser fixada em quantum inferior ao mínimo em abstrato ou superior ao máximo cominado àquele crime.

Na primeira fase, cabe à Defensoria Pública zelar pela necessária fundamentação em relação às circunstâncias judiciais as quais consubstanciam vetores da prevenção e da repressão examinados concretamente, ou seja, sob discricionariedade juridicamente vinculada (caso concreto). Ou seja, não se admite como idônea para fins de exasperação da pena na primeira fase a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do delito. É dizer: não se admite a exasperação da pena a título da circunstância judicial da culpabilidade o fato de o sujeito ter praticado o delito de roubo sob o intento de ganhar a vida de forma fácil.

Nesse turno, cabe à Defensoria Pública, entre outros pontos, zelar pela não utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base (Sum. 444-STJ e Repercussão Geral no RE 591054); coibir a utilização de condenações criminais transitadas em julgado não utilizadas como reincidência para fins de valorar negativamente a circunstância judicial da conduta social ou da personalidade (EAREsp 1.311.636-MS, Terceira Seção, DJe 26/04/2019 – Informativo 647 STJ); assegurar a não apreciação desfavorável do agente a partir do comportamento da vítima o qual pode revelar circunstância neutra ou, caso a vítima tenha contribuído para o fato, análise favorável ao agente etc.

A Defensoria Pública implementa papel fundamental quando evita a prática do bis in idem na primeira fase da dosimetria, uma vez que as circunstâncias judiciais devem sempre ser analisadas de forma residual. Assim, somente podem as circunstâncias judiciais ser valoradas acaso não constituam elemento do tipo penal, ou seja, não pode configurar elementar/essencial do tipo penal (tipo básico), circunstância que qualifica o crime (tipo derivado), circunstância que caracteriza causa de aumento de pena/majorante (terceira fase da dosimetria da pena), tampouco circunstância agravante (segunda fase da dosimetria da pena).

Em relação à segunda fase da dosimetria da pena, merece destaque o trabalho da Defensoria Pública na análise sobre se persistem os efeitos de reincidência quanto a uma condenação criminal transitada em julgada anterior ao fato em relação ao qual se está a fixar a pena. Para tanto, é analisado o período depurador previsto no art. 64, I, do Código Penal, de modo que, acaso transcorrido, a condenação transitada em julgado anterior não poderá ser utilizada como agravante da reincidência, mas poderá ser utilizada como maus antecedentes (Repercussão Geral no RE 593818, julgamento concluído em agosto de 2020). Indico a leitura de artigo nosso publicado aqui no blog a respeito desse ponto!

No que tange às atenuantes, a Defensoria Pública exerce papel ímpar ao aferir acerca da observância do entendimento sedimentado no enunciado 545 da Súmula da Jurisprudência do STJ, segundo o qual “quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no artigo 65, III, d, do Código Penal”. Muitas vezes, não é reconhecida a referida atenuante nas hipóteses de confissão parcial (não compreende a totalidade) ou qualificada (o réu admite a autoria, mas alega causa excludente de ilicitude ou culpabilidade). Contudo, o parâmetro adotado pelo entendimento do mencionado enunciado não excepciona, cabendo apenas a análise se a confissão foi utilizada na fundamentação pelo julgador.

Ademais, a Defensoria Pública, instituição atenta e sensível à realidade social, pode, com base no art. 66 do Código Penal, sustentar a presença da coculpabilidade como atenuante genérica inominada. Trata-se de teoria concebida para apontar e evidenciar a parcela de responsabilidade que deve ser atribuída à sociedade quando da prática de determinadas infrações penais pelos seus cidadãos (Eugenio Raúl Zaffaroni). Não vemos muito na prática, mas já caiu em prova! Na oportunidade, foi julgado verdadeiro o seguinte item: o agente que não teve acesso às mesmas oportunidades e direitos conferidos a outros indivíduos da sociedade possui limitado âmbito de autodeterminação, o que enseja a redução do seu grau de culpabilidade (FCC – 2019 – DPE-SP – Defensor Público).

Após a fixação da pena, o magistrado passa sucessivamente às seguintes atividades: fixação do regime inicial de cumprimento de pena; análise da possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e/ou multa; acaso não caiba a substituição por restritiva de direitos, é feita a análise do cabimento de suspensão condicional da pena; e a aferição da manutenção, ou não, da prisão preventiva.

Considerada a dimensão e os desdobramentos acerca da fixação do regime inicial de cumprimento de pena, cabe, por fim, pontuar a missão da Defensoria Pública de analisar se houve fundamentação idônea para tanto, pois “a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada” (Sum. 718 STF). Em outros termos, “fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito” (Súmula 440 STJ), de modo que “a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea” (Sum. 719 STF).

Em relação a cada um desses passos, como vimos, é indispensável o papel desempenhado pela Defensoria Publica de zelar pela legal e proporcional fixação da pena, como concretização do primado constitucional da individualização da pena.

É isso, pessoal! Nos encontramos por aqui em uma próxima ou no nosso curso de penal! E, claro, se lembrem: desistir jamais!

Forte abraço,

Túlio Mendes

Defensor Público e professor de Direito Penal

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