A língua portuguesa e provas de concurso público

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8 de Fevereiro de 2016

Redação

A língua portuguesa e provas de concurso público

“O conhecimento gramatical está diluído nas questões que são ditas somente de interpretação. É a magia da complexa e incrível aplicabilidade dos conhecimentos gramaticais para a formação de sentidos!”

 “Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o mais espetacular é , sem dúvida, o livro.Os demais são extensão do seu corpo. (…) O livro, porém, é outra coisa: o livro é a extensão da memória e da imaginação.” (Jorge Luis  Borges)

Jorge Luis Borges, escritor argentino, professor de literatura inglesa por 25 anos, após ficar cego, dizia: “Continuo imaginando não ser cego; continuo comprando livros; continuo enchendo minha casa de livros”. Ele afirma que uma forma de felicidade é a leitura.

Penso que hoje muitos são cegos, mesmo não o sendo de fato. E a cegueira a que me refiro é a cegueira de não estar aberto para receber o que uma boa leitura tem para  ofertar, é a cegueira de olhar para o mundo somente com os meus próprios olhos, é a cegueira de não estar aberto para interpretar o espetáculo da vida.

Estudar para concurso público é uma tarefa muito árdua, pois exige muita dedicação, foco, concentração e uma capacidade extraordinária de organizar os estudos, na verdade, só os estudos não – exige uma capacidade extraordinária

de organizar a vida. Em salas de aula visualizamos inúmeros alunos, mas, ali, cada ser representa um  sonho, ora não só para a realização profissional, mas sonhos necessários para a sobrevivência humana. Por trás de cada aluno, há um filho, um marido, uma esposa, pais que ficam ansiosos, na arquibancada, esperando pela grande notícia da conquista. Fico, então, me perguntando: Como cada um ali interpreta as matérias cobradas em prova? Como cada um ali interpreta os itens de prova? Mas a pergunta que mais me instiga é: como é que cada um ali se interpreta? E esse ‘se’ é um pronome reflexivo. Como é que interpretamos a nós mesmos?

O modo como interpreto a minha vida, as minhas experiências, as minhas conquistas, os meus traumas é um fator determinante que mostra o  que eu sou e o que provavelmente  eu serei. Fernando Pessoa, em um poema chamado Datilografia, afirma que “Temos todos duas vidas: a verdadeira, que é a que sonhamos na infância, e que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa.” Essa verdadeira vida – a que sonhamos na infância – talvez seja a  busca do que eu seria, se …. Quantas conjunções condicionais nós colocamos em nossas experiências… e talvez sejam as várias condições que nós mesmos impomos ou as que nos foram impostas que fazem com que essa verdade se torne um substrato de névoa…

Fernando Pessoa inicia esse mesmo poema assim: “Traço sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano, firmo o projeto, aqui isolado, remoto até de quem eu sou.” Jorge Luis Borges perdeu verdadeiramente a visão, mas não se perdeu… ele afirma que ao entrar em sua biblioteca conseguia sentir a energia que emanava dos livros. Ali ele se encontrava, mesmo sem enxergar o que os outros aparentemente viam… Não podemos estar remotos de nós mesmos, não podemos traçar sozinhos os nossos planos, os nossos projetos. Preparar-se para concurso não pode significar isolamento do eu, pois esse eu é individual,  mas também é social. Se eu me perder de mim mesmo, como vislumbrarei a beleza do outro? É necessário ter disciplina e organização para interpretarmos o que nos rodeia – as matérias cobradas em editais, os itens das provas, o eu em sociedade e a própria sociedade.

Vale observar que as provas de língua portuguesa, a cada dia, estão mais inteligentes. Por várias vezes já ouvi alunos comentarem, em sala de aula, que determinada prova não cobrou gramática, só interpretação de textos. Sendo que, na verdade, o conhecimento gramatical está diluído nas questões que são ditas somente de interpretação. É a magia da complexa e incrível aplicabilidade dos conhecimentos gramaticais para a formação de sentidos!

O modo como a língua portuguesa vem sendo cobrada mudou.  Muitos bons alunos saem de cursos de ensino médio tirando notas boas, mas, quando se deparam com questões, como, por exemplo, da banca Esaf, Cespe, dentre outras, se assustam e frequentemente dizem: “Parece que nunca estudei português!”. É perceptível o susto dos alunos quando se começa a entrelaçar, em sala de aula e nas provas,  morfologia, sintaxe e semântica. E o grande problema é exatamente a palavra que foi usada no período anterior: entrelaçar. Não podemos achar que as frentes de português são independentes, muito pelo contrário, as aulas de gramática alimentam a interpretação de texto e são alimentadas pelo texto. Hoje, dificilmente, a norma gramatical é cobrada de forma isolada – precisamos, com certeza, dominar a norma, mas precisamos conseguir aplicá-la aos textos.

Parece-me que muitos buscam uma fórmula mágica para serem aprovados em concurso. Não existe fórmula mágica para resolução de questões – nem de interpretação, muito menos de gramática. Nós precisamos ter a capacidade de interpretar, primeiro, o que está sendo pedido pelo examinador. E aí começa tudo! Interpretar, interpretar e interpretar… De que precisamos para interpretar bem o comando de uma questão e os textos que são sugeridos em quase todas as disciplinas? Precisamos ler, ler e ler…., mas a leitura  a que me refiro não é só a leitura de teorias, mas a leitura de mundo e também a leitura desse mundo que é o eu… Preciso interpretar de forma produtiva o não, o sim e o ainda não que a vida nos dá!

Aline Rizzi: Especialização em Literatura Brasileira – Universidade de Brasília – UNB Mestrado em Educação – Graduação – Universidade Católica de Brasília. Ministra aulas de Língua Portuguesa, Interpretação de Textos, Produção de Textos, Redação Oficial e Português Jurídico.

OFICINA DE REDACAO 2015

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8 de Fevereiro de 2016

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