Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
Por Brenno Grillo
A demora, pela Polícia Civil do Maranhão, em periciar um carro que tinha sido roubado resultou num embate entre um desembargador e a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no estado. O dono do veículo, que é advogado, impetrou um Habeas Corpus para tentar liberar seu bem.
Porém, na decisão que negou o pedido, o desembargador Jaime Ferreira de Araújo, questionou a capacidade técnica do profissional, pois o HC serve para proteger a liberdade individual do ser humano, não de um bem. Argumentando que o advogado “não detém conhecimentos mínimos para o exercício da profissão”, o magistrado determinou a impressão das peças apresentadas para que sejam encaminhadas à seccional da OAB no Maranhão.
Pediu ainda que o profissional seja inscrito ex-ofício pela entidade na Escola da Advocacia para fazer reciclagem e passar por uma avaliação de capacidade técnica. “Não sendo ele aprovado na prova de que se trata, reúna sua diretoria para decidir se cassam ou não a Carteira daquele que ajuíza ação temerária, que Rui Barbosa, se vivo fosse, teria vergonha de dizer que pertenceria à mesma categoria profissional deste impetrante”, alfinetou o desembargador.
O presidente da OAB-MA, Thiago Diaz, criticou a atitude do magistrado. Em vídeo publicado pela assessoria de imprensa da seccional, ele afirmou que “não cabe a nenhum magistrado deste país avaliar a capacidade técnica dos advogados”.
Em nota de repúdio, a OAB-MA afirmou que o desembargador cometeu “evidentes excessos […], extrapolando suas atribuições”. Disse ainda que as manifestações do magistrado destoam da relação entre Judiciário e advocacia, pois a Ordem não se pronuncia sobre erros cometidos por julgadores, “por mais crassos que possam ser”, assim como sobre decisões proferidas, “por mais inadequadas, antijurídicas ou teratológicas que sejam”.
Críticas ao mérito
Ao analisar o mérito do HC, o desembargador não poupou críticas ao pedido. Segundo ele, a abrangência definida por lei ao Habes Corpus é literal, impedindo interpretações extensivas, ainda mais em um caso como este. Para o magistrado, “a possibilidade de expedição de salvo conduto de veículo, implicaria em erro grosseiro, impossível de ser sanado”.
“Não demanda esforço extrair do texto normativo sua literalidade, de modo que o remédio constitucional manejado tem por objeto a liberdade de locomoção da pessoa humana, ou seja, tem como finalidade amparar a liberdade física do indivíduo, sendo, pois, um direito fundamental”, complementou.
O carro foi roubado em dezembro de 2017 e recuperado no início deste ano. Apesar da solução do crime, o veículo ainda não foi liberado porque falta a perícia da Polícia Civil. Em primeiro grau, a liminar pedindo a liberação foi negada, o que motivou o HC. O autor justificou o pedido alegando que o bem, ao ficar muito tempo parado no pátio da Delegacia, está se deteriorando, exposto ao sol e à chuva.
Nota de repúdio da OAB-MA:
A OAB Maranhão, na manhã de hoje, tomou conhecimento de uma decisão judicial, cujo teor, amplamente divulgado em redes sociais e blogs, contém evidentes excessos, em que um Desembargador, extrapolando suas atribuições, recomenda a cassação do registro de determinado advogado, o que não se coaduna com os limites éticos e jurídicos esperados de uma decisão judicial, a qual deveria se ater ao objeto do processo e aos limites de suas atribuições e competência.
As decisões judiciais são para serem cumpridas ou contra elas se manejar o recurso cabível, por mais inadequadas, antijurídicas ou teratológicas que sejam. No entanto, a partir do momento em que ela transborde o limite do seu conteúdo e do objeto processual e traga a público uma situação de ofensa à advocacia, a OAB exerce, portanto, por meio desta nota, e sem prejuízo da abertura, já determinada, de processo de desagravo público, e dos demais procedimentos judiciais e administrativos cabíveis, seu mister na defesa da coerência institucional, não admitindo elementos que violem as prerrogativas dos advogados e advogadas, assim como venha externar elementos de ofensa à classe ou à instituição.
Destarte, da mesma forma que a Ordem dos Advogados do Brasil não se pronuncia sobre erros técnicos eventualmente cometidos por magistrados ou quaisquer servidores públicos, por mais crassos que possam ser, não suscitando suas inscrições na escola de magistratura ou órgão correlato, não admite que qualquer magistrado se arvore no direito, que não possui, de atacar a capacidade técnica de qualquer advogada ou advogado Maranhense.
De bom alvitre sopesar, outrossim, que sendo Autarquia Federal, a Seccional Maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil não admite que venha a ser, a público, interpelada sem o devido processo legal ou instada a fazer ou deixar alguma coisa senão por ordem judicial emanada por Juízo competente, no caso, a Justiça Federal do Brasil e Tribunais Superiores.
Nesses tempos hodiernos, em que as relações sociais e institucionais no Brasil estão sofrendo sistemáticos ataques desarrazoados, impõe-se, principalmente ao Poder Judiciário, guardião que é da Constituição e das normas legais, parcimônia e cautela em suas decisões, enaltecendo os aspectos formais e sóbrios em detrimento da adjetivação, do exagero, do rebuscamento, dos excessos e de violação das tênues linhas que sustentam todo o sistema interrelacional da sociedade brasileira.
É com firmeza, portanto, que OAB/MA repudia e repudiará qualquer comportamento ou conduta, institucional ou humana, que se envergue de excessos e teratologias, bem como viole a intimidade de qualquer advogado ou advogada, que viole suas prerrogativas ou que os exponha publicamente ao vexame, colocando-se sempre na defesa do Estado Brasileiro, da Democracia, da República, das Instituições e da paz social.”Thiago Roberto Moraes Diaz
Presidente da Seccional Maranhão da OAB
Clique aqui para ler a decisão do desembargador.
Fonte: Conjur
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