O advogado Ericson M. Scorsim, do escritório Meister Scorsim Advocacia, consultor em Direito Público, especializado em Direito das Comunicações, aborda em entrevista as principais questões relacionadas à matéria.
Doutor em Direito pela USP, o causídico é autor do e-book “Direito das Comunicações: internet, telecomunicações, televisão por radiodifusão e TV por assinatura”.
Veja abaixo na íntegra a entrevista.
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Quais as leis que fazem parte do Direito das Comunicações, e os desafios na interpretação da legislação para empresas dos setores de telecomunicações, internet e televisão e respectivos usuários dos serviços de comunicações?
Ericson M. Scorsim – O Direito das Comunicações é composto pelo Marco Civil da Internet1, Lei Geral de Telecomunicações2, Lei da TV e Rádio por Radiodifusão do setor privado3, Lei da Radiodifusão Pública4, Lei da TV por assinatura5, entre outras leis.
No Ebook Direito das Comunicações, com download gratuito na internet, explico em detalhes as principais questões regulatórias relacionadas à legislação do Direito das Comunicações.
Destaque-se que a Constituição do Brasil de 1988 contém capítulo específico sobre a Comunicação Social, bem como capítulo sobre direitos fundamentais individuais e coletivos Daí a necessidade de interpretação das referidas leis sobre serviços de comunicação, a partir da Constituição Federal.
A legislação do Direito das Comunicações impacta milhares de empresas e milhões de usuários dos serviços de telefonia fixa, móvel pessoal, acesso à internet, aplicações de internet, televisão por radiodifusão e televisão por assinatura. Os desafios na interpretação da legislação setorial das comunicações, bem como na visão sistêmica do Direito das Comunicações, decorrem da utilização de termos técnicos específicos e da lógica regulatória adotada pelo legislador.
Ou seja, cada lei específica adota classificações próprias, daí a necessidade na interpretação jurídica considerar estas distinções relevantes entre os respectivos de serviços de telecomunicações, acesso à internet, TV por radiodifusão e TV por assinatura. Daí diante da incidência destas leis setorial, a princípio, há a não aplicação das leis gerais, salvo se que lei setorial permita a aplicação da lei geral.
Em comparação com outros países, como é a legislação brasileira sobre o Direito das Comunicações ?
Ericson M. Scorsim – Como exemplo de lei brasileira moderna e atualizada há o Marco Civil da Internet6, referência para outros países. Esta lei trata dos serviços de acesso à internet e as aplicações de internet, os quais possuem regimes jurídicos diferentes.
Também, há a Lei da TV por assinatura que adotou novo modelo regulatório neste respectivo setor econômico.7 A Lei da TV por assinatura, que trata dos serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado, regula as atividades econômicas de produção, programação, empacotamento e a distribuição de programas de televisão pagos.
Há Lei Geral de Telecomunicações de 1997, que também criou a agência reguladora do setor, no caso a Anatel, bem como previu o regime de prestação dos serviços de telecomunicações e os direitos e deveres das empresas e respectivos usuários.8
Por fim, a Lei dos Serviços de TV e Rádio, por radiodifusão, do setor privado. Esta lei n. 4.117/1962, embora anterior à promulgação da Constituição de 1988, foi julgada recepcionada pela Constituição, em decisão do STF.
Em qual setor há necessidade de revisão e/ou atualização da legislação ?
Ericson M. Scorsim – Alguns sustentam a tese a necessidade de mudar da Lei Geral de Telecomunicações, para regular os serviços de telefonia fixa por autorização administrativa em substituição ao modelo clássico da concessão de serviço público.
Esta proposta de mudança da Lei Geral de Telecomunicações, objeto de projeto de lei n. 3453, Deputado Daniel Vilela, serviria para resolver o problema com a empresa OI, concessionária do serviço de telefonia fixa, ora em recuperação judicial.
O referido projeto de lei n. 3453 propõe a modificação da Lei Geral de Telecomunicações, de modo a permitir a Anatel alterar a modalidade de licenciamento do serviço de telecomunicações de concessão para autorização. A substituição da concessão para autorização pode ser no todo ou parte da área geográfica objeto da outorga. Também, a substituição pela Anatel fica condicionada à comprovação do cumprimento das metas de universalização na prestação do serviço de telefônico fixo comutado.
Também, prevê a alteração do contrato de concessão do serviço telefônico fixo comutado pelo termo de autorização.
Segundo, ainda, o referido projeto de lei que propõe a alteração da Lei Geral de Telecomunicações, o poder concedente determinará o valor econômico associado à substituição da modalidade de delegação da prestação do serviço de telefonia fixa. Este valor econômico servirá como parâmetro para realização de investimentos na implantação da infraestrutura de rede de alta capacidade de comunicação de dados. Também, o projeto de lei trata dos bens reversíveis, classificados com ativos essenciais utilizados na prestação do serviço telefônico fixo comutado.
Sobre a reversão dos bens afetados na concessão do serviço de telefonia fixa, há desafio de conciliar a necessidade de intensos investimentos na infraestrutura de rede de telecomunicações. Se houver a reversão dos bens afetados à concessão de telefonia fixa para a União, ao final do contrato de concessão, o qual ocorrerá em 2025, há a tese, encampada no projeto de lei, da incerteza quanto à realização de novos investimentos na inovação da infraestrutura de rede de telecomunicações. Daí a flexibilização do regime de reversão de bens, com a possibilidade de aplicação de seu valor econômico em investimentos na infraestrutura de rede de internet banda larga fixa.
Por outro lado, há tese diversa no sentido de que a antecipação desta mudança do modelo regulatório da telefonia fixa, antes do final do contrato de concessão, representa quebra da segurança jurídica, bem como do próprio contrato de concessão de telefonia fixa. Sustenta-se que eventual mudança do marco regulatório do setor de telecomunicações somente deve valer a partir do fim da atual concessão do serviço de telefonia fixa.
Enfim, o referido projeto de lei, que propõe a modificação da Lei Geral de Telecomunicações, tem por objetivo a atribuição da competência explícita para que Anatel delibere sobre a modalidade de licenciamento do serviço de telecomunicações de concessão para autorização.
Destaque-se que a previsão da aplicação do regime de autorização no serviço de telefonia fixa não é novidade, na medida em que a própria Lei Geral de Telecomunicações prevê esta possibilidade. A novidade consiste na atribuição de competência explícita à Anatel para deliberar sobre a questão da substituição do regime jurídico aplicável ao serviço de telefonia fixa. Na prática, o regime da autorização administrativa favorece a flexibilidade na realização de investimentos pelas empresas de telecomunicações.
Além deste aspecto sobre a telefonia fixa e a proposta de mudança da Lei Geral de Telecomunicações, outro ponto em destaque é a regulação dos serviços over-the-top (OTT), como Netflix, Facebook, WhatsApp, Youtube, etc. Os serviços baseados em aplicações de internet over-the-top são classificados como serviços de valor adicionado à rede de telecomunicações, nos termos da Lei Geral de Telecomunicações. Estes serviços OTT têm, inclusive, garantias de acesso às infraestruturas de redes de telecomunicações, em preços não discriminatórios. Além disto, os serviços OTT submetem-se às regras e princípios do Marco Civil da Internet, por se tratarem de serviços de aplicações de internet.
De fato, há uma assimetria regulatória entre os tradicionais serviços de telecomunicações (telefonia fixa e móvel pessoal) e os serviços over-the-top, como Netflix, WhatsApp, Youtube, entre outros. Ao que parece, a equiparação entre as duas espécies diferentes de serviços (telecom e OTT) não tem sentido, diante da distinção da natureza entre ambos.
Alguns defendem a equivalência das condições de competição no mercado, com a equiparação das regras entre as empresas de telecomunicações e a empresas over-the-top (OTT), diante da carga tributária. Esta é uma outra questão concorrencial e tributária a ser resolvida pelo poder público, diferente da questão regulatória propriamente dita.
Qual é a orientação da jurisprudência, especialmente dos tribunais superiores (STF e STJ), quanto ao Direito das Comunicações?
Ericson M. Scorsim – Em breve, lançarei o Ebook Direito das Comunicações na Jurisprudência do STF, para download gratuito na internet. Neste Ebook abordo os principais julgamentos do STF sobre a legislação de telecomunicações, internet e TV por radiodifusão e e TV por assinatura, principalmente as questões sobre a constitucionalidade das referidas leis.
Em síntese, o STF tem jurisprudência sobre vários casos relacionados aos Direito das Comunicações. A título exemplificativo, o julgamento da constitucionalidade da Lei da TV por assinatura, ainda pendente de votação final no STF, embora haja o voto do Rel. Min. Fux favorável à constitucionalidade da lei, à exceção de um único artigo da referida lei, o qual trata da publicidade contratada por agência no exterior.
Em outro caso, o STF julgou constitucional o decreto de criação do sistema de TV Digital, obrigando as concessionárias dos serviços de radiodifusão de sons e imagens a adotar a tecnologia digital na transmissão dos programas de televisão.
Também, há jurisprudência do STF sobre a inconstitucionalidade de leis estaduais que a invadam a competência legislativa exclusiva da União para legislar sobre serviços de telecomunicações.
Outro caso interessante é o mandado de segurança impetrado pelo ex-Diretor Presidente da Empresa Brasil de Comunicação, responsável pela transmissão do sinal da TV Brasil, contra o ato de sua exoneração praticado pelo Presidente da República em exercício.
Em liminar, o Min. Relator Dias Toffoli, no MS n. 34205, suspendeu os efeitos do ato de exoneração do Diretor-Presidente da EBC, praticado pelo Presidente da República em exercício, sob o fundamento da autonomia da Empresa Brasil de Comunicação diante do governo, à luz da Lei da Radiodifusão Pública, na forma da Lei n. 11.652/2008.
Por sua vez, no STJ, no Resp n. 1.525.174-RS, Min. Relator Luis Felipe Salomão, como tema de julgamento de recursos repetitivos nos serviços de telefonia fixa a questão do direito à indenização por danos morais na hipótese de modificação do plano de serviço/franquia nos serviços de telefonia fixa sem solicitação do usuário, bem como o prazo de prescrição da ação. Ao escolher o tema representativo da controvérsia, o STJ fixou-se na afetação da indenização no caso da telefonia fixa, com a exclusão dos serviços dos provedores de acesso à internet.
Também, no STJ, ainda pendente de julgamento, o Conflito de Competência n. 138.405/DF, a questão da competência interna do STJ, se a Seção de Direito Privado ou a Seção de Direito Público, para julgamento do recursos relacionados às ações sobre indenização por danos morais, na hipótese de modificação do plano de serviço/franquia sem solicitação do usuário, bem como prazo prescricional.
Os precedentes do STF e STJ, em matéria de Direito das Comunicações, servem como orientação à interpretação da Constituição e legislação, aos demais Tribunais e magistrados, inclusive a agência reguladora de telecomunicações. Daí a relevância da análise jurisprudencial.
O marco civil da internet, que entrou em vigor há pouco tempo, teve dispositivo impugnado no STF. Na sua opinião, quais as principais questões controvertidas do texto do Marco Civil da Internet, se é que elas existem, bem como o impacto sobre as empresas ?
Ericson M. Scorsim – A principal questão é sobre o bloqueio judicial das aplicações de internet. O tema surgiu em decorrência da suspensão por ordem judicial do aplicativo de comunicações WhatsApp, em todo território nacional, e que afetou o direito da comunicação de milhões de usuários do aplicativo.
O caso do bloqueio judicial do WhatsApp, além de afetar significativamente o direito à comunicação de milhões de brasileiros, afetou o direito da empresa que fornece o aplicativo de comunicação pela plataforma da internet.
Também, é significativo o impacto do bloqueio judicial do WhatsApp sobre as empresas que utilizam este aplicativo para vender produtos e serviços, no ambiente da plataforma da internet.
O Marco Civil da Internet permite a suspensão de aplicações de internet na hipótese de operações de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações, em contrariedade à legislação brasileira que protege a privacidade dos dados pessoais dos respectivos usuários, bem como o sigilo das comunicações privadas.
Portanto, o Marco Civil da Internet não permite a imposição do bloqueio judicial do aplicativo, sob fundamento do descumprimento a ordem judicial.
De todo modo, o STF, na ADI n. 5527, Rel. Min. Rosa Weber, ainda sem julgamento de mérito, terá a oportunidade de se manifestar sobre a melhor interpretação constitucional em relação ao Marco Civil da Internet, principalmente à luz do direito fundamental à livre comunicação.
O STF tem relevante papel na definição dos limites da interpretação do Marco Civil da Internet, à luz da Constituição Federal, com a orientação aos demais Tribunais e magistrados.
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1 Lei 12.965/15
2 Lei 9.472/97
3 Lei 4.117/62
4 Lei 11.652/08
5 Lei 12.485/11
6 Lei 12.965/15
7 Lei 12.485/11
8 Lei 9.472/97
Fonte: Migalhas
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