As posições conflitantes e preocupantes do STJ sobre a impenhorabilidade de bens

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Por Luiz Rodrigues Wambier e Regiane França Liblik

A impenhorabilidade de determinados bens e os limites da relativização de tal regra têm sido alvo de inúmeras discussões entre os estudiosos e profissionais do direito. Ainda não há um posicionamento uníssono nos tribunais sobre o assunto. Uma dessas regras que merece especial atenção é a que diz respeito ao bem de família. A Lei 8.009/90 estabeleceu a impenhorabilidade do imóvel residencial do casal ou da entidade familiar.

Considerou-se que residência, para efeitos da aplicação da lei, seria o imóvel único ou o de menor valor, ressalvando-se a hipótese de haver outro imóvel (que não o de menor valor) registrado para essa finalidade. Embora nobre a intenção do legislador – pois buscou-se preservar a dignidade do devedor e de sua família, na garantia de seu direito fundamental à moradia, cultura e lazer – no plano concreto, a regra sofreu inúmeras desvirtuações.
Artigos supérfluos, absolutamente inacessíveis para a grande maioria da população brasileira, passaram a ser protegidos pela impenhorabilidade nos tribunais. Grosso modo, no balanço entre o direito do credor de receber o que lhe é devido e a regra da impenhorabilidade, o que se verificou com o passar do tempo foi verdadeiramente uma enxurrada de decisões beneficiando o “luxo” e a abastança.
Já há muito se questiona essa posição excessiva e desnecessariamente protetiva adotada pelos tribunais. É necessário buscar o ponto de equilíbrio entre não submeter o devedor a desmedidos sacrifícios e a satisfação rápida e integral do credor, de modo a se alcançar a execução equilibrada. E a sugestão é que se estabeleçam parâmetros bem delimitados acerca do que seria o bem de família, de modo que impenhoráveis sejam tão somente aqueles bens de uso comum de uma residência. Para se definir o que seriam esses bens de uso comum, já se propôs que se leve em conta o padrão de vida médio da sociedade brasileira, estimado, por exemplo, segundo índices do IBGE.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado ao valor do imóvel em si. Não se pode considerar impenhorável, para um devedor, um suntuoso imóvel avaliado em duzentos milhões de reais, e para outro devedor, uma casa avaliada em duzentos mil reais. E a intenção, ressalte-se, não é o nivelamento a condições absolutamente mínimas, preservando-se pela impenhorabilidade nada além do estritamente necessário para a sobrevivência do ser humano. Deve-se estabelecer como parâmetro o que se chamou de “média nacional de conforto”, dentro da qual estão inseridos os bens de uso geral da vida em sociedade.
Pois bem. Recentemente, a Terceira Turma do STJ, no julgamento de um recurso especial de relatoria da ministra Nancy Andrighi, em ação de despejo por falta de pagamento com cobrança de aluguéis e encargos locatícios, decidiu que a impenhorabilidade pode ser relativizada para autorizar o bloqueio de parte do salário, observadas as peculiaridades do caso concreto e desde que se preserve o suficiente para garantir a dignidade e a subsistência do devedor e de sua família.
No voto da ministra relatora, assentou-se que o direito à satisfação executiva seria uma outra vertente do princípio da dignidade da pessoa humana, que deveria imprescindivelmente ser ponderado na interpretação da regra da impenhorabilidade. Essa decisão representa um notável avanço no tratamento da questão pelos tribunais, e se coaduna com o que acima se disse a respeito do estabelecimento de parâmetros à proibição de se levar à penhora o bem de família.
Seria o panorama ideal se não fosse o fato de que, cerca de um mês antes, no mesmo tribunal superior, houve uma decisão da Quarta Turma em sentido completamente diverso para idêntica situação. No caso, entendeu-se que a execução de débito decorrente de contrato de aluguel não se enquadraria na exceção à impenhorabilidade e que, portanto, estaria vedada a penhora de parte das verbas salariais do devedor.
E essa divergência muito nos preocupa. Não apenas pela possibilidade de que continue havendo decisões que “favoreçam o calote”, mas também pela falta de segurança jurídica (pois nunca se sabe qual será a resposta do Poder Judiciário). Além disso, preocupa-nos, é claro, a evidente violação ao princípio constitucional que impõe tratamento isonômico a todos os que buscam no Judiciário a solução de seu conflito – o que vai de encontro ao que já se evoluiu na legislação processual, com a implementação de técnicas de julgamento de casos repetitivos – uma vez que o resultado será diferente para um jurisdicionado e para outro, a depender de qual turma julgará o recurso.
 

Fonte: conjur.com.br

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