Aspectos controvertidos da emissão da certidão de antecedentes criminais

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Por Bruno Fontenele Cabral | Jus.com.br
A certidão de antecedentes criminais representa um importante instrumento utilizado para a prática de uma série de atos relevantes da vida do cidadão, tais como para se comprovar a idoneidade de candidatos aprovados em concursos públicos ou para se pleitear uma vaga de emprego.  Assim, a certidão de antecedentes criminais é vista como um documento útil, que traz segurança para a sociedade, com aptidão para informar a existência, ou não, de registros criminais nos sistemas informatizados dos órgãos policiais.[1]
Nessa toada, o objetivo do presente trabalho é tecer considerações sobre aspectos controvertidos da emissão da certidão de antecedentes criminais, entre eles, a possibilidade ou não de menção, em sede de certidão de antecedentes criminais, de condenação criminal anterior, mesmo que já extinta a punibilidade pelo cumprimento da pena, quando houver novo processo criminal em curso contra o requerente.
Além disso, será abordada a possibilidade de menção na certidão de antecedentes criminais, ainda que na falta de registro no SINIC, quando a autoridade policial tiver conhecimento de tais registros criminais em outros bancos de dados policiais.
Por fim, será abordada a possibilidade da ocorrência de dano moral na exigência de certidão de antecedentes criminais como requisito admissional.
Antes de avançar na análise do presente tema, não se pode esquecer que a emissão da certidão de antecedentes criminais atualmente é considerada uma matéria bastante controversa na ciência jurídica atual, principalmente após a entrada em vigor da Lei nº 12.681/2012.
Nesse ponto, torna-se oportuno mencionar trecho da decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento do Recurso de Revista nº 2357008720135130009, que assim estabelece:[2]
Em interessante trabalho publicado sobre o tema, Bruno Fontenele Cabral, Delegado da Polícia Federal, afirma que a certidão em tela perdeu importância prática, em virtude das alterações introduzidas no Código de Processo Penal por meio da Lei nº 12.681, de 04/07/2012, na medida em que o citado dispositivo assegura o sigilo na tramitação do inquérito policial e determina, no parágrafo único, que nos atestados não possam constar quaisquer anotações referentes a inquéritos instaurados e condenações anteriores ao suprimir, do dispositivo em foco, a expressão contida na parte final “salvo no caso de existir condenação anterior”. Confira-se:
Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes. (Redação dada pela Lei nº 12.681, de 2012)
Por isso, conclui o citado autor:
“Após a leitura atenta da norma em análise, fica fácil observar que a redação anterior do parágrafo único do art. 20 do CPP permitia que a certidão de antecedentes policial mencionasse apenas as condenações criminais anteriores, caso existentes.
No entanto, a nova redação do parágrafo único do art. 20 do CPP foi além e passou a estabelecer, sem nenhuma ressalva, que nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes
Ora, a nova redação do parágrafo único do art. 20 do CPP deixou claro que o legislador pretendeu retirar da certidão de antecedentes criminais a possibilidade de se mencionar as condenações anteriores.
Assim, como consequência dessa alteração, retirou-se qualquer efeito prático na emissão de certidão de antecedentes criminais, pois o objetivo de uma certidão de antecedentes criminais é justamente mostrar se há ou não condenações criminais em desfavor do requerente.
Dessa maneira, se a autoridade policial não pode mencionar na certidão de antecedentes sequer os inquéritos policiais que resultaram em condenações pretéritas transitadas em julgado criminais, cumpre indagar: Qual é o sentido de se continuar emitindo a certidão de antecedentes criminais?
Sendo assim, os adeptos da 1ª corrente de pensamento, na qual me filio, entendem que a certidão de antecedentes policiais, de fato, perdeu seu objeto, pois ela sempre será negativa, pois a certidão emitida pela polícia não poderá mencionar sequer a existência de inquérito que resultou em condenação transitada em julgado em desfavor do solicitante.
A partir do momento que não se pode informar a existência de inquéritos em andamento, indiciamentos, ações penais e até mesmo inquéritos que resultaram em condenações criminais transitadas em julgado, a certidão de antecedentes perdeu, por completo, sua razão de ser, pois nela deverá constar sempre a expressão: NADA CONSTA.”
Inicialmente, para a melhor compreensão da presente controvérsia, torna-se fundamental a leitura atenta do disposto no art. 93 do Código Penal assim estabelece: [3]
Reabilitação
Art. 93 – A reabilitação alcança quaisquer penas aplicadas em sentença definitiva, assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre o seu processo e condenação(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único – A reabilitação poderá, também, atingir os efeitos da condenação, previstos no art. 92 deste Código, vedada reintegração na situação anterior, nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo.  (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Art. 94 – A reabilitação poderá ser requerida, decorridos 2 (dois) anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova da suspensão e o do livramento condicional, se não sobrevier revogação, desde que o condenado: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I – tenha tido domicílio no País no prazo acima referido; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II – tenha dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III – tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre a absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.  (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único – Negada a reabilitação, poderá ser requerida, a qualquer tempo, desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos requisitos necessários.  (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Art. 95 – A reabilitação será revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja de multa.  (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Além disso, os arts. 20 e 748 do Código de Processo Penal assim estabelecem:[4]
Art. 20.  A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Parágrafo único.  Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes. (Redação dada pela Lei nº 12.681, de 2012)
(…)
Art. 748.  A condenação ou condenações anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo, salvo quando requisitadas por juiz criminal.
Ademais, o artigo 202 da Lei de Execução Penal, por fim, dispõe que, depois de cumprida ou extinta a pena, “não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei”. [5]
No que se refere ao caráter permanente dos registros criminais, é oportuna a leitura da decisão proferida pela 6ª Turma do STJ, no Recurso em Mandado de Segurança nº 30.182 – SP, que assim dispõe: [6]
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP) (Relator): Trata-se de recurso interposto por Nelson Gonçalves de Oliveira, em face do v. acórdão de fls. 88/95. Esclarece o recorrente que a ação fora ajuizada contra ato do MM. Juiz de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária da Capital (DIPO 5), o qual indeferira pedido de exclusão de informações constantes nos registros do Instituto de identificação Ricardo Gumbleton Daunt – IIRGD. Tais dados se referem a inquérito policial de 2001, no qual fora ele indiciado por suposta prática de porte ilegal de arma de fogo.
O inquérito fora arquivado e declarada extinta a punibilidade em 11 de junho de 2002, com fundamento no artigo 84, parágrafo único da Lei nº 9.099/95. Sustenta que “O peticionário não pretende excluir completamente dos arquivos do Estado a informação sobre o inquérito arquivado. Respeita e entende que para fins judiciais essa informação deve ser preservada e assim o será mesmo após a exclusão aqui pretendida, já que o Judiciário continuará a ter em seus arquivos tal notícia. No entanto, esta informação deve ser clara e unicamente gerenciada pelo Poder Judiciário , única instituição do Estado autorizada a mantê-la, o que não está a acontecer no presente momento , com o acesso a tal informação por inúmeros outros órgãos como polícia civil, militar e IIRGD”. Assevera que o sigilo das informações não é suficiente ao recorrente, porque, na prática, o acesso a elas não se restringe a pessoas autorizadas, sem falar da notória venda de informações sigilosas a empresas. O disposto no artigo 748 do Código de Processo Penal tornou-se obsoleto, pois não é cumprido. Assim, o recorrente possui direito líquido e certo à exclusão dos dados. Pleiteia o provimento do recurso, determinando-se a exclusão das informações relativas ao recorrente constantes do Instituto de identificação Ricardo Gumbleton Daunt – IIRGD, bem como de todos os arquivos ramificados das polícias (fls. 110 a 115).
O recurso foi respondido a fls. 118/121.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso (fls. 130 a 131). Eis a ementa do parecer:
Recurso em mandado de segurança. Pedido de exclusão de registro criminal do banco de dados do Instituto de Identificação.
Entendimento dessa Colenda Corte, no tema, é de que, por analogia aos termos do art. 748, do Código de Processo Penal, devem ser excluídos dos terminais dos Institutos de identificação criminal os dados relativos a inquéritos arquivados, a ações penais trancadas, a processos em que tenha ocorrido a reabilitação do condenado e a absolvições por sentença penal transitada em julgado ou, ainda, que tenha sido reconhecida a extinção da punibilidade do acusado decorrente da prescrição da pretensão punitiva do Estado. Parecer pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP) (Relator): A matéria de que aqui se trata é idêntica à constante do recurso em mandado de segurança nº 19.153/SP, do qual fui relator.
Assim, por oportuno, transcrevo meu voto, na íntegra:
Trata-se de recurso ordinário constitucional interposto por José Carlos Rosa e Geraldo Bernardeli Meneguetti, contra o v. acórdão de fls. 86/89, do extinto Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo. A ação fora ajuizada contra ato do MM. Juiz de Direito da Primeira Vara Criminal da comarca de Marília/SP, que indeferiu pedido de exclusão das informações referentes ao inquérito policial nº 132/95 e ao processo nº 578/95 do banco de dados do Instituto de identificação Ricardo Gumbleton Daunt. Esclarecem os recorrentes que foram denunciados por infração ao artigo 121, parágrafos 3º e 4º, do Código Penal. O processo foi suspenso condicionalmente e, após cumpridas as condições impostas, foi declarada extinta a punibilidade da espécie, por sentença datada de 21 de maio de 1998. Aduzem que as informações constantes do banco de dados poderão ser acessadas por policiais por meio do sistema informatizado do IIRGD, existente em todas as Delegacias. E que tal possibilidade causa prejuízo aos recorrentes, principalmente no meio profissional, onde a pesquisa não oficial aos candidatos a empregos é muito comum. Ademais, se foi extinta a punibilidade, não há razão alguma para a manutenção das informações no banco de dados.
Pleiteiam seja provido o presente recurso, determinando-se a exclusão dos registros referentes ao inquérito policial nº 132/95 e ao processo penal nº 578/95 do banco de dados do Instituto de identificação Ricardo Gumbleton Daunt (fls. 93 a 107).
O recurso foi respondido a fls. 125/128.
O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso (fls. 132 a 137). Eis a ementa do parecer:
Processo penal. RMS. Exclusão de dados dos registros de instituto de identificação criminal.
Inexiste ato ilegal ou abusivo a ser sanado pela via eleita, eis que resguardado está o sigilo das informações referentes aos recorrentes, para efeitos civis. Porém, para efeitos penais, deverão ser mantidos os seus registros, pois tais dados, somente no caso de requisição judicial, poderão ser fornecidos pelo Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt.
Parecer pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
Os registros, de regra, existem para a comprovação de fatos e situações jurídicas de interesse particular e também público. Tornam públicas tais relações jurídicas.
No caso em exame, os registros dizem respeito à prática de delito e consequente decisão judicial, a extinção da punibilidade do fato delituoso.
Na atividade típica da polícia, de investigar a prática de delitos e coletar dados para a opinio delicti do Promotor de Justiça, o acesso a dados policiais pode contribuir para o esclarecimento da autoria de crimes. Em outras palavras, a polícia precisa de organização.
E, ao cancelar registros policiais, o Judiciário estará contribuindo para a própria desorganização da atividade policial e, de forma oblíqua, prejudicando a própria sociedade, tornando menos eficaz o trabalho investigatório da polícia.
Esses registros permanecem ad aeternum e compõem a própria história do condenado e da sociedade.
Exemplo da importância da manutenção dos registros é a exigência feita pelo Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Lei nº 8.906/1994.
Os requisitos para a inscrição do advogado estão previstos no artigo 8º, “in verbis”:
Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:
I – capacidade civil;
II – diploma ou certidão de graduação em direito, obtido eminstituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;
III – título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;
IV – aprovação em Exame da Ordem;
V – não exercer atividade incompatível com a advocacia;
VI – idoneidade moral;
VII – prestar compromisso perante o conselho.
O parágrafo 4º do mesmo artigo esclarece que Não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver sido condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial.
Nem se desconsidere a existência de folha de antecedentes para concurso público e para os julgamentos de ações penais pelo Poder Judiciário, em que é vital a pesquisa sobre antecedentes criminais dos réus.
O ora extinto Tribunal de Alçada Criminal paulista destacou que “Desde logo, cumpre assinalar que a proteção ao sigilo das informações não consubstancia direito absoluto, cedendo passo se presentes circunstâncias que denotem a existência de um interesse público superior, como a necessidade de se apurar fatos da vida pregressa do indivíduo para fins judiciais, não se podendo cogitar, nessa hipótese, de afronta a preceito legal algum.
Não se trata aqui de permitir acesso indiscriminado e imotivado de informações sigilosas e que só interessam quando requisitadas por ordem judicial, pois se ocorrer vazamento desses registros e isso ficar provado, impõe-se a responsabilização, como de direito, de quem os tenha divulgado”.
Sobre a matéria, transcrevo, por oportuno, trechos de trabalho publicado por Clóvis Mendes, constante do “site” Jus Navigandi:
A Constituição Federal, no inciso X, do seu artigo 5°, garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Comentando esse inciso, prelecionam CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS que o direito à reserva da intimidade e da vida privada consiste ‘na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano’ (COMENTARIOS A CONSTITUIÇÃO DO BRASIL, 2° Volume, Editora Saraiva, 1989, pág. 63).
A simples existência do registro e de informações relacionados com o processo do impetrante não fere o direito constitucional à reserva de sua intimidade e de sua vida privada.
O que viola esse direito é a divulgação indevida desse registro e dessas informações.
Por isso, a lei determina que, em determinados casos, se guarde sigilo a respeito desse registro e dessas informações.
A lei não manda cancelar, apenas determina que se observe sigilo sobre esses dados, preservando, com isso, o direito constitucional à reserva da intimidade e da vida privada da pessoa.
Com efeito, o artigo 93, “caput”, do Código Penal, assegura ao condenado reabilitado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação.
O artigo 748 do Código de Processo Penal, na mesma esteira, determina que a condenação ou condenações anteriores do reabilitado não serão mencionadas na folha de antecedentes, nem em certidão extraída dos livros do juízo, ressalvando a hipótese de requisição judicial.
O artigo 202 da Lei de Execução Penal, por fim, dispõe que, depois de cumprida ou extinta a pena, ‘não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei’.
Esse dispositivo legal, por interpretação extensiva, também se aplica aos processos em que resulta a absolvição do réu. Tem pertinência aqui a lição do saudoso autor Julio Fabbrini Mirabete: ‘De toda lógica a afirmação de que não devem também constar das folhas corridas e certidões referências às ações penais encerradas com a absolvição do réu. A proibição da informação relativa ao processo com absolvição é extraída do art. 202 da Lei de Execução Penal, por interpretação extensiva, em virtude dos conhecidos princípios ubi eadern ratio, ibi eadem legis dispositio e favorabilia sunt amplianda, odiosa restringenda’ (EXECUÇÃO PENAL, Atlas, 9 Edição, pág. 694).
Vê-se, pois, que, em nenhum caso, a lei determina o cancelamento ou a exclusão de registros ou informações a respeito de processos na Instituição Policial e no Poder Judiciário, pelo contrário, ela deixa entendida a necessidade de manutenção desses dados para possibilitar o fornecimento deles na hipótese de requisição judicial e em outros casos expressos na legislação. As disposições legais apenas mandam observar o sigilo desses dados naqueles casos específicos.
(…)
O registro histórico do processo e das informações relativas a ele não pode ser cancelado, apagado ou eliminado dos assentamentos das repartições policiais e do Poder Judiciário, pois é necessário para a preservação da memória histórica da Administração Pública, que exige que seus arquivos sejam completos e fidedignos, a fim de que se saiba tudo que nela tramitou.
Atualmente, com a informatização das repartições públicas, imprimindo maior agilidade e eficiência aos serviços da Polícia e do Judiciário, os registros e informações a respeito de processos são lançados no computador, os quais podem ser protegidos com a utilização de códigos de modo a torná-los inacessíveis ao público, tendo acesso a eles apenas funcionários autorizados. O
cancelamento ou exclusão desses dados no computador tornariam incompletos os lançamentos, impossibilitando o fornecimento de informações fidedignas na hipótese de requisição judicial e em outros casos previstos em lei, como para fins de concurso publico.
[…]
O sigilo do registro de sentenças penais absolutórias e inquéritos arquivados nos terminais dos computadores do IIRGD, assim como no Departamento de Investigação e na Delegacia de Polícia, não impõe, necessariamente, a exclusão desses registros. A manutenção do registro histórico do processo é necessária para a preservação da memória dos atos praticados pela Administração Pública. O sigilo pode ser assegurado sem a exclusão desses registros. (…) Ademais, a exclusão dos dados daqueles impetrantes dos computadores do IIRGD tomou os arquivos dessa instituição falhos, incompletos, inviabilizando o fornecimento de informações corretas na hipótese de requisição judicial e em outros casos previstos em lei, como, por exemplo, concursos públicos.
É importante registrar que o IIRGD é o Órgão encarregado de fornecer a folha de antecedentes das pessoas no Estado de São Paulo. Nele se centralizam as anotações sobre todos os processos instaurados contra as pessoas neste Estado. É através da folha de antecedentes, requisitada ao IIRGD, que os Juízes tomam conhecimento da existência de outros processos, em outras Comarcas, de réus sob seu julgamento, e, eventualmente, requisitam às Comarcas certidões relativas a esses processos, para fins de individualização da pena, decisão sobre transação penal e suspensão condicional do processo etc. E através da folha de antecedentes, requisitada ao referido Instituto, que as comissões de concursos públicos avaliam a idoneidade moral de candidatos, para fins de aprovação para cargos públicos. A exclusão de registro de processos, regularmente feito, irá tornar falha e omissa as folhas de antecedentes naqueles casos de requisição judicial e em outros previstos em lei, retirando-lhe a credibilidade “. (A possibilidade de exclusão de inquéritos e processos dos registros de instituto de identificação. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, nº 18/sete/2006).
Trago à colação julgado desta Corte Superior, de relatoria de relatoria do eminente Ministro Humberto Martins, assim ementada:
ADMINISTRATIVO – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – ANTECEDENTES CRIMINAIS SIGILOSOS – INQUÉRITO ARQUIVADO – ACESSO APENAS PELOS AGENTES PÚBLICOS – MANUTENÇÃO DE DADOS DE CONSULTA RESTRITA – POSSIBILIDADE.
1. Mandado de segurança impetrado para excluir dados relativos a antecedentes criminais de impetrante – de caráter sigiloso – de cadastros mantidos por órgãos públicos estaduais.
2. Por analogia ao que dispõe o art. 748 do CPP, que assegura ao reabilitado o sigilo das condenações criminais anteriores na folha de antecedentes, salvo para consulta restrita pelos agentes públicos, devem ser mantidos nos registros criminais sigilosos os dados relativos a inquéritos arquivados e a processos, em que tenha ocorrido a absolvição do acusado por sentença penal transitada em julgado, com o devido cuidado de preservar a intimidade do cidadão.
Recurso ordinário improvido.
(RMS 28838/SP, relator Ministro Humberto Martins, DJe 04/11/2009).
Não se desconhece a existência de ponderosos argumentos contrários e decisões deste e. Tribunal, dentre os quais cito Resp. 443927, relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ. 04/08/2003; RMS 25096/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, DJe. 07/04/2008; e Pet 5948/SP, relator Ministro Felix Fischer, DJe. 07/04/2008.
No meu sentir, no entanto, o direito que deve ser garantido aos recorrentes consiste somente no sigilo das informações constantes do instituto de identificação.
Em face do exposto, nego provimento ao recurso.
Assim, em que pesem os entendimentos contrários e o parecer favorável do Ministério Público Federal, mantenho meu entendimento e nego provimento ao recurso.
Em face do exposto, nego provimento ao recurso.
EMENTA
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE EXCLUSÃO DE INFORMAÇÕES RELATIVAS A INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO, DECLARADA EXTINTA A PUNIBILIDADE, NOS TERMOS DO ARTIGO 84, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.099/95. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
1. As informações relativas a inquérito policial arquivado e declarada extinta a punibilidade, nos termos do artigo 84, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95 (agente fora indiciado por porte ilegal de arma de fogo) não podem ser excluídas do banco de dados do instituto de identificação, porque fazem parte da história de vida do agente e, assim, devem ser mantidas ad aeternum.
2. Ao recorrente assiste o direito somente ao sigilo das informações, as quais só podem ser fornecidas mediante requisição judicial. Os registros, de regra, existem para a comprovação de fatos e situações jurídicas de interesse particular e também público. Tornam públicas tais relações jurídicas.
3. Recurso ordinário em mandado de segurança ao qual se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE), Maria Thereza de Assis Moura e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Brasília (DF), 17 de fevereiro de 2011(Data do Julgamento)
Por fim, no que tange à ocorrência de dano moral em razão da exigência de certidão de antecedentes criminais como requisito admissional, o TST firmou o seguinte posicionamento: [7]
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. RELAÇÃO DE EMPREGO. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. REQUISITO ADMISSIONAL. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Demonstrada possível divergência jurisprudencial, merece processamento o recurso de revista. Agravo de instrumento provido. II – RECURSO DE REVISTA. RELAÇÃO DE EMPREGO. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. REQUISITO ADMISSIONAL. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. A exigência de apresentação de certidão de antecedentes criminais por ocasião da admissão no emprego não viola, por si só, a dignidade da pessoa humana e a intimidade do trabalhador, uma vez que a referida certidão é disponibilizada gratuitamente via internet, por diversos órgãos do Poder Público, ou seja, é de livre acesso a qualquer cidadão. Ademais, em virtude das alterações introduzidas por meio da Lei nº 12.681, de 04/07/2012, o artigo 20 do Código de Processo Penal assegura o sigilo na tramitação do inquérito policial e determina, no parágrafo único, que nos atestados não constem quaisquer anotações referentes a inquéritos instaurados e condenações anteriores. Dessa forma, o documento em questão deixou até de ter relevância. Na hipótese dos autos, não tendo sido demonstrado o uso indevido ou com finalidade discriminatória da aludida certidão, não se há de falar em indenização por dano moral. Precedentes da SBDI-1 desta Corte. Recurso de revista de que não se conhece. (TST – RR: 2357008720135130009, Data de Julgamento: 29/04/2015, Data de Publicação: DEJT 19/06/2015)
Ante o exposto, sem a menor intenção de esgotar o presente tema, e considerando a necessidade de maiores estudos sobre a utilidade da emissão das certidões de antecedentes criminais após a entrada em vigor da Lei nº 12.681, de 2012, e considerando a interpretação sistemática do disposto no art. 93 do CP c/c art. 748 do CPP c/c art. 202 da Lei de Execuções Penais, pode-se chegar as seguintes conclusões:

  1. As informações relativas a inquérito policial arquivado e declarada extinta a punibilidade não podem ser excluídas do banco de dados do instituto de identificação, porque fazem parte da história de vida do agente e, assim, devem ser mantidas ad aeternum.
  2. Ao recorrente assiste o direito somente ao sigilo das informações, as quais só podem ser fornecidas mediante requisição judicial. Os registros, de regra, existem para a comprovação de fatos e situações jurídicas de interesse particular e também público. Tornam públicas tais relações jurídicas.
  3. A lei não manda cancelar os registros criminais, mas apenas determina que se observe sigilo sobre esses dados, preservando, com isso, o direito constitucional à reserva da intimidade e da vida privada da pessoa.
  4. Com efeito, o artigo 93, “caput“, do Código Penal, assegura ao condenado reabilitado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação.
  5. O artigo 748 do Código de Processo Penal, na mesma esteira, determina que a condenação ou condenações anteriores do reabilitado não serão mencionadas na folha de antecedentes, nem em certidão extraída dos livros do juízo, ressalvando a hipótese de requisição judicial.
  6. O artigo 202 da Lei de Execução Penal, por fim, dispõe que, depois de cumprida ou extinta a pena, ‘não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei‘.
  7. Não é possível a menção na certidão de antecedentes criminais de registros criminais constantes em outros bancos de dados policiais, que não seja o SINIC.
  8. A exigência de apresentação de certidão de antecedentes criminais por ocasião da admissão no emprego não viola, por si só, a dignidade da pessoa humana e a intimidade do trabalhador, uma vez que a referida certidão é disponibilizada gratuitamente via internet, por diversos órgãos do Poder Público, ou seja, é de livre acesso a qualquer cidadão. Ademais, em virtude das alterações introduzidas por meio da Lei nº 12.681, de 04/07/2012, o artigo 20 do Código de Processo Penal assegura o sigilo na tramitação do inquérito policial e determina, no parágrafo único, que nos atestados não constem quaisquer anotações referentes a inquéritos instaurados e condenações anteriores. Dessa forma, o documento em questão deixou até de ter relevância. Na hipótese dos autos, não tendo sido demonstrado o uso indevido ou com finalidade discriminatória da aludida certidão, não se há de falar em indenização por dano moral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2017.
  2. BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2017.
  3. BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2017.
  4. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança nº 30.182. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 24 mar. 2017.
  5. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. TST – RR: 2357008720135130009, Data de Julgamento: 29/04/2015, Data de Publicação: DEJT 19/06/2015. Disponível em: <https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/200532333/recurso-de-revista-rr-2357008720135130009/inteiro-teor-200532354>. Acesso em: 24 mar. 2017.
  6. CABRAL, Bruno Fontenele. Certidão de antecedentes criminais e novo art. 20, parágrafo único, do CPPRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3368, 20 set. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/22651>. Acesso em: 24 mar. 2017.

NOTAS


[1] CABRAL, Bruno Fontenele. Certidão de antecedentes criminais e novo art. 20, parágrafo único, do CPPRevista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3368, 20 set. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/22651>. Acesso em: 24 mar. 2017.
[2] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. TST – RR: 2357008720135130009, Data de Julgamento: 29/04/2015, Data de Publicação: DEJT 19/06/2015. Disponível em: <https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/200532333/recurso-de-revista-rr-2357008720135130009/inteiro-teor-200532354>. Acesso em: 24 mar. 2017.
[3] BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2017.
[4] BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2017.
[5] BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2017.
[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança nº 30.182. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 24 mar. 2017.
[7] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. TST – RR: 2357008720135130009, Data de Julgamento: 29/04/2015, Data de Publicação: DEJT 19/06/2015. Disponível em: <https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/200532333/recurso-de-revista-rr-2357008720135130009/inteiro-teor-200532354>. Acesso em: 24 mar. 2017.



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