No último dia 13/10, realizei, juntamente com a professora Cláudia Assaf, um bate-papo ao vivo, transmitido da sede do Gran Cursos Online, em Brasília, sobre alguns aspectos da carreira diplomática e do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD). Um dos temas tratados nessa conversa despertou a atenção de alguns candidatos, que foi a da possibilidade de um diplomata não servir no exterior, ou permanecer no Brasil por períodos mais longos do que o normal, e, enquanto estiver trabalhando na Secretaria de Estado das Relações Exteriores (SERE)[1], realizar missões ao exterior.
A Professora Assaf e eu discordamos um pouco sobre as consequências dessa opção, pois fui radical ao afirmar que, se uma pessoa não deseja viver no exterior, talvez fosse melhor buscar outra opção de carreira. Ela achou que a diplomacia poderia, sim, ser uma opção interessante mesmo para essas pessoas. De fato, isso é viável, ainda que seja discutível os efeitos dessa escolha. Analisemos quais são.
Antes de mais nada, recordemos o que já vimos em artigos anteriores, que é a diferença entre as missões da carreira diplomática. São basicamente 3 os tipos: a) missão permanente; b) missão provisória (ou temporária); c) missão eventual. A primeira é a transferência de residência do diplomata[2] do Brasil ao exterior (ou de um Posto a outro no exterior). A duração regular é de 3 anos em Postos A e B e 2 anos em Postos C ou D[3]. Nesse caso, a remuneração será em dólar, em valor variável de acordo com o custo de vida local e o estágio da carreira, depositado em uma conta do Banco do Brasil em Miami.
A missão provisória tem duração variável, normalmente de 45 dias a 1 ano, e serve para que o diplomata resolva uma carência temporária de lotação de um determinado Posto. Também nesse caso a remuneração é em dólar, no mesmo valor que receberia se a missão fosse permanente, porém é mantido o vínculo com a SERE, para onde se retorna assim que esgotado o tempo pré-determinado para o serviço provisório.
E na missão eventual, que diz respeito ao tema deste artigo, há o deslocamento do diplomata por poucos dias, sem qualquer alteração na folha de pagamentos, pois continua a receber seu salário em reais, com acréscimo de diárias pagas de acordo com a duração da viagem. É o caso, por exemplo, de um profissional lotado na Divisão de Nações Unidas que viaja a Nova Iorque para participar de uma reunião sobre o tema que acompanha em Brasília. Ao cumprir missão eventual, o diplomata não assume, portanto, um cargo no exterior, já que mantém suas funções em Brasília e representa o Governo brasileiro com o mesmo emprego que tem no Brasil.
A depender do cargo que ocupe na SERE, o diplomata poderá viajar ao exterior com bastante frequência. Eu mesmo já desempenhei atividades que me faziam passar mais tempo no exterior do que no Brasil. Isso é bastante cansativo, pois viagem a trabalho cansa muito mais do que a passeio, mas há de se reconhecer que é muito gratificante profissionalmente.
Mas por que afirmei, então, que a vocação de alguém que só deseja viver em Brasília e viajar eventualmente ao exterior, ainda que seja uma situação possível, deve ser questionada, ou seja, que talvez seja o caso de se avaliar se a carreira diplomática seria uma opção de vida interessante para essa pessoa? Porque considero que os prejuízos dessa escolha superam os benefícios.
Primeiramente, porque a ascensão profissional (promoção) dentro da carreira diplomática depende do cumprimento de condições, entre as quais o tempo de serviço no exterior (permanente ou temporário acima de 1 ano ininterrupto). Assim, são necessários os seguintes tempos, de acordo com a promoção almejada:
– De Terceiro para Segundo-Secretário: 0 (promoção por antiguidade sem a exigência de tempo de exterior);
– De Segundo para Primeiro-Secretário: 2 anos de tempo de exterior;
– De Primeiro-Secretário a Conselheiro: 5 anos de tempo de exterior;
– De Conselheiro a Ministro de Segunda Classe: 7 anos e meio de tempo de exterior;
– De Ministro de Segunda Classe a Ministro de Primeira Classe (Embaixador): 10 anos de tempo de exterior[4].
Ou seja, sem viver no exterior, o diplomata ficará estacionado na classe de Segundo-Secretário.
Em segundo lugar, do ponto de vista da experiência profissional, o trabalho no exterior é bem distinto do realizado em Brasília. Assim, fica difícil ao diplomata avaliar bem as instruções que serão elaboradas na SERE aos Postos, sem conhecer de perto a realidade de sua execução lá fora.
Em terceiro lugar, do ponto de vista financeiro, é bem melhor a remuneração no exterior. Claro que a riqueza de uma pessoa é o que se guarda, não o que se ganha. Mesmo ganhando melhor, como o custo de vida costuma ser mais alto do que no Brasil, essa vantagem pode se dissipar, mas pelo menos a oportunidade de se fazer um pequeno pé-de-meia lhe é dada com essa opção.
Finalmente, a atividade diplomática é essencialmente voltada à interação com interlocutores estrangeiros. Se a resistência a viver no exterior decorre do medo da adaptação a culturas distintas da nossa, o que sem dúvida é custoso, porém necessário, será difícil ao diplomata adaptar-se bem à própria carreira.
Agora, se você acha que esses contras são superados pelos prós, poderá, sem dúvida, ser feliz na carreira, mesmo sem nunca viver no exterior.
[1] Secretaria de Estado das Relações Exteriores, mais conhecida como SERE, é o nome que se dá à “matriz” do Itamaraty, ou seja, da sede do Ministério no Brasil, que dá instruções de atuação aos Postos no exterior (Embaixadas, Consulados, Escritórios e Missões Juntos a Organismos Internacionais), que são como “filiais” de uma empresa.
[2] Tecnicamente, há uma distinção entre residência e domicílio. A primeira é o local onde a pessoa vive em caráter temporário (onde mora, reside), enquanto o segundo é seu endereço oficial (sede jurídica), lugar onde a pessoa estabelece a sua residência com ânimo definitivo. No caso dos diplomatas, enquanto estão na ativa, o domicílio é Brasília.
[3] Exceções: o diplomata pode manifestar o desejo de permanecer em Postos C ou D além dos 2 anos regulares (até o limite de 4 anos). No caso de Ministros-Conselheiros e Embaixadores, o prazo máximo de permanência é de 5 anos.
[4] Há um projeto de nova Lei do Serviço Exterior, ainda em discussão, que prevê o aumento desses tempos. Analisaremos esse projeto em artigo futuro.
Prof.Jean Marcel Fernandes – Coordenador Científico
Nomeado Terceiro-Secretário na Carreira de Diplomata em 14/06/2000. Serviu na Embaixada do Brasil em Paris, entre 2001 e 2002. Concluiu o Curso de Formação do Instituto Rio Branco em julho de 2002. Lotado no Instituto Rio Branco, como Chefe da Secretaria, em julho de 2002. Serviu na Embaixada do Brasil em Buenos Aires – Setor Político, entre 2004 e 2007. Promovido a Segundo-Secretário em dezembro de 2004. Concluiu Mestrado em Diplomacia, pelo Instituto Rio Branco, em julho de 2005. Publicou o livro “A promoção da paz pelo Direito Internacional Humanitário”, Fabris Editor, Porto Alegre, em maio de 2006. Saiba +
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