Descaso do governo pulveriza efetivo do banco Instituição fundamental para a garantia da estabilidade econômica do país, o Banco Central (BC) tem sofrido nos últimos anos com um aparente descaso do governo quanto à situação do seu quadro de pessoal. O risco de recursos humanos vivido pelo banco, como ficou conhecido internamente o fluxo de aposentadorias maior do que o volume de admissões, não tem sensibilizado suficientemente a administração federal na hora de atender aos pedidos feitos pela autarquia visando à contratação de servidores. O resultado disso é que nos últimos seis anos o BC perdeu quase 20% da sua força de trabalho, ao mesmo tempo em que acumulou diversas novas atribuições.
Ano após ano, a autarquia tem alertado o governo sobre a sua situação e atualmente luta para conseguir autorização para nomear 735 aprovados no último concurso para técnico e analista, promovido em 2013. Desse total, 200 estão classificados dentro do número de vagas previstas em edital restantes e têm nomeação garantida. Já a contratação dos outros 535 dependerá do poder de persuasão da administração do banco. Uma batalha que conta com o apoio da representação sindical das duas categorias e dos próprios candidatos que aguardam nomeação. No último dia 21, parte do grupo de aprovados aproveitou que a diretoria do banco estava reunida para decidir sobre a Taxa Básica de Juros (Selic) para protestar pelas nomeações em frente à sede da autarquia, em Brasília.
No ano passado, a discussão sobre a contratação de mais servidores chegou ao Congresso Nacional, com a realização em junho de uma audiência pública na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos Deputados. No evento, que contou inclusive com a presença de representante do Ministério do Planejamento, responsável pela autorização de concursos e nomeações, diversos argumentos foram apresentados para justificar a convocação de todos os aprovados na última seleção, entre eles, a perda de conhecimento institucional, em função da saída de servidores sem a possibilidade de transferência dos seus conhecimentos para outros que estejam ingressando.
Apesar disso, de lá para cá, a única conquista obtida foi a permissão, em outubro, para se nomear mais 50 aprovados para o cargo de analista. Com isso, das 500 vagas oferecidas em edital, sendo 100 para técnico e 400 para analista, apenas 300 foram preenchidas até o momento (50 e 250, respectivamente). As primeiras 250 nomeações haviam sido liberadas em maio. O banco também possui concurso em vigor para procurador, com os 15 classificados para as vagas previstas em edital já tendo sido chamados.
Em entrevista em meados de 2013, a chefe do Departamento de Gestão de Pessoas (Depes) do BC, Nilvanete Ferreira da Costa, contava com a sensibilidade do governo para o banco “não ter que chegar ao momento de ter que priorizar o que vai fazer”. O momento, porém, já chegou. Durante a audiência do ano passado, o presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), Daro Marcos Piffer, destacou uma informação do próprio banco, de que vem racionalizando os processos de trabalho e fixando suas metas institucionais de forma compatível com o efetivo de servidores de que dispõe. “Essa é uma forma educada de se dizer: olha, estamos parando de fazer trabalhos importantes, porque não temos gente. Isso está dito”, lamentou Piffer.
Pedido de concurso só depois de setembro
E nos próximos anos, período em que a economia brasileira dependerá muito da atuação do BC para voltar a crescer, a situação poderá piorar, principalmente, se o governo não liberar rapidamente a nomeação de todos os 735 aprovados que restam do último concurso. O Banco Central informou que somente após o fim do prazo de validade da atual seleção, em 27 de setembro, passará a trabalhar na proposta de um novo pedido de concurso. Isso pode acarretar uma nova leva de ingresso de servidores (após a convocação dos últimos concursados) apenas no fim de 2017 ou em 2018.
O motivo é que, de acordo com regra informada pelo Ministério do Planejamento, pedidos de concurso que visem a inclusão no orçamento do ano seguinte precisam ser feitos até maio do ano corrente. Ou seja: caso o BC queira contar com um novo concurso em 2016, precisará apresentar uma solicitação até maio deste ano, para que ele possa ser considerado na elaboração do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa), que será entregue ao Congresso Nacional até 31 de agosto. Como isso não deve acontecer, Piffer, do Sinal, afirmou que a categoria conta com a possibilidade de flexibilização da regra. “Não é uma regra rígida”, argumentou. E de fato não é: em dezembro de 2011, o próprio Planejamento solicitou ao Congresso a adequação da proposta orçamentária que já se encontrava em análise, visando à realização de diferentes concursos em 2012. A adequação foi negada pelo parlamento, mas ainda assim, diversas seleções que estavam previstas na solicitação foram realizadas naquele exercício.
Para o presidente do Sinal, caso o banco consiga nomear todos os aprovados no último concurso até agosto, haverá tempo para solicitar um novo concurso já para 2016. Entretanto, para isso, o BC terá que contar com a boa vontade do governo. “Se houver boa vontade, coloca-se os 730 para dentro agora, consegue-se organizar um novo concurso para o fim deste ano ou início do ano que vem no mais tardar, para contratação em 2017”, projetou Piffer, lembrando que é gasto quase um ano entre a abertura do concurso e a convocação dos aprovados.
Nova equipe econômica traz otimismo
Mas a mudança da equipe econômica do governo deve favorecer as pretensões do banco, na opinião do sindicalista. Para ele, o primeiro governo da presidente Dilma Rousseff sempre “olhou torto” para o BC, por ir de encontro às medidas implementadas na economia no período. Ele lembrou que o último pedido de concurso do banco foi para 1.850 vagas, tendo sido liberadas apenas 515 (incluindo as de procurador). Piffer classificou a postura como um tiro no pé, uma vez que um Banco Central que trabalha em condições adversas prejudica a política econômica do país.
“Com esse novo governo, os novos ministros estão mais cientes de que se deve fazer ajuste fiscal. Imagino que esse novo governo entende que os formuladores de política econômica, e isso inclui o Banco Central, têm que estar bem guarnecidos, tanto tecnicamente quanto de pessoal”, avaliou o presidente do Sinal, para quem o perfil dos novos ministros traz, portanto, um otimismo com relação à recomposição dos quadros do banco.
Experiência internacional serve de exemplo
Em sua fala na audiência pública realizada no ano passado, o presidente do Sinal, Daro Marcos Piffer, mostrou que a experiência internacional tem explicitado que o Brasil está na contramão de outros países no que diz respeito à gestão de pessoal em bancos centrais. Ele relatou que após a crise financeira internacional de 2008, o Federal Reserve (FED), banco central dos Estados Unidos, recompôs o seu quadro, com o objetivo de reforçar a fiscalização. O país vem demonstrando sinais de recuperação na sua economia, tendo obtido em 2014 o melhor resultado na geração de empregos em 15 anos, apesar da cenário internacional desfavorável.
Piffer também apresentou uma comparação entre os diversos bancos centrais com relação à quantidade de funcionários por grupo de habitantes. “A zona do euro tem 14 funcionários por 100 mil habitantes; o G-7 (grupo dos sete países mais industrializados do mundo) tem 8,42; os Estados Unidos têm 7,5; o G-20 (maiores economia desenvolvidas e emergentes) tem 7,32; o mundo todo tem 6,70; a América Latina tem 4,94; e o Banco Central do Brasil, coitadinho, tem só dois funcionários praticamente por 100 mil habitantes”, ironizou o sindicalista, ressaltando que o BC brasileiro ainda puxa para baixo as estatísticas da América Latina, do G-20 e do mundo.
Além disso, o país é o 171º em número de efetivo para cada 100 mil habitantes, de uma lista com 178 países, estando ao lado da Coreia do Norte. “Fiquei cismado com esse 171 e cheguei à conclusão de que realmente é o que o governo está fazendo, principalmente contra a população deste país: em verdadeiro estelionato. Aumenta a renda da população, dá mais acesso ao sistema financeiro e não reforça o Banco Central”, criticou Piffer. “E vai deixar a população à mercê de um sistema financeiro ávido por dinheiro, sem quem a proteja.”
O BC está em desvantagem inclusive quando comparado com outras instituições nacionais. “Nos últimos anos, principalmente, no pós-crise, se procurou reforçar as outras entidades que regulam o sistema financeiro nacional. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) aumentou o quadro em 21%, a Susep (Superintendência de Seguros Privados) aumentou em mais de 30%. O que aconteceu com o Banco Central? Perdeu 20% da sua força de trabalho”, apontou o presidente do Sinal, afirmando que mesmo que sejam chamados todos os aprovados do concurso de 2013, ainda seriam necessárias mais cerca de 700 pessoas para se igualar o quadro pré-crise de 2008 e “fazer a lição de casa como os Estados Unidos”.
Ele lembrou, no entanto, que até esse quantitativo ainda seria insuficiente, uma vez que, por imposição legal, o quadro necessário é ainda maior. Por lei, o banco pode contar com até 6.470 especialistas (analistas, técnicos e procuradores). Atualmente, apenas 4.077 vagas estão preenchidas, havendo, portanto, 2.393 ociosas. Até o fim de 2016, mais 673 servidores poderão deixar o banco, apenas em razão de aposentadoria. Há ainda a possibilidade de outras saídas por morte, demissão, aprovação em concurso para outros órgãos, entre outros.
O banco informou no último dia 22 que, além da revisão de processos já citada, tem trabalhado na intensificação do uso de tecnologia da informação para contornar o encolhimento verificado nos quadros da autarquia, obtendo ganhos de eficiência e produtividade. Já o Ministério do Planejamento, ao ser questionado sobre o aproveitamento dos aprovados de 2013 para técnico e analista, informou que não antecipa previsões de autorização para concursos e nomeações.
Status, estabilidade e remuneração são atrativos
A carreira de especialista do Banco Central (BC) é uma das mais desejadas do Executivo federal. Seja pela estabilidade – prevista no regime de contratação, que é o estatutário -, seja pela boa remuneração ou pelo status de fazer parte de uma instituição reconhecida internacionalmente, as seleções para o banco costumam atrair um grande número de candidatos.
O cargo de técnico é aberto a quem possui o ensino médio completo e garante ganhos iniciais de R$ 6.065,36. No caso de analista, o requisito é o ensino superior completo em qualquer área e a remuneração inicial é de R$ 15.376,70. Já o cargo de procurador, cujo salário é de R$ 17.703,33 no início da carreira, tem como alvo advogados com pelo menos dois anos de prática forense.