Como vencer o CACD?

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No melhor dos casos, a ideia costuma surgir cedo – cedo o suficiente para que o aspirante incorpore à sua formação alguns interesses e leituras que haverão de ajudá-lo a, mais adiante, tornar-se diplomata. No meu caso, como no de tantos colegas, foi decorrência de uma relativa facilidade no aprendizado de idiomas (ou, ao menos, de uma facilidade que ainda estava lá na juventude). Naquela altura, em fins dos anos oitenta, começo dos noventa, esse era o caminho natural: num país ainda bastante fechado, e num mundo em que a internet era apanágio de uns poucos militares e pesquisadores americanos, aprender bem e cedo o inglês nos condicionava a interessar-nos antes dos demais pelo que se passava fora das nossas fronteiras.

Depois do inglês, veio o francês, que, até meados dos anos noventa, era considerado tão importante quanto o inglês para o ingresso no Instituto Rio Branco. E com o francês, abriam-se possibilidades insuspeitas. Para além da Times e da Newsweek, de repente se tornavam acessíveis e inteligíveis l’Express e o Nouvel Observateur, que chegavam com algum atraso à biblioteca da Aliança Francesa. Para além do cinema americano, da Guerra do Vietnã e da nostalgia pela América do pós-guerra, descortinava-se uma sensibilidade europeia, em que as guerras eram mais trágicas e os bons tempos fadados a acabar mais cedo do que tarde (em compensação, havia Emmanuelle Béart e Isabelle Adjani).

Aos dezessete, já pensando em seguir a carreira diplomática, prestei vestibular para Direito. Era o caminho óbvio, ou assim parecia. Não havia ainda no Brasil os cursos de Relações Internacionais, mas já se operava uma mudança substantiva no perfil dos futuros diplomatas: dentre os que ingressaram comigo no Rio Branco, ainda havia um predomínio de advogados, mas começavam a tornar-se mais numerosos os economistas, jornalistas, historiadores.

Neste ponto, o importante era não perder de vista o objetivo último, mas tampouco descartar as outras possibilidades. Ao longo de cinco anos, creio que estudei a sério o Direito Civil, o Penal e o Processual, para o caso de, no final das contas, acabar optando por ganhar o pão advogando. Mas era natural que, já sugestionado desde a infância, acabasse dedicando maior atenção àquelas matérias que guardavam alguma relação mais próxima com a diplomacia ou, ao menos, com o formato e funcionamento das instituições: a Teoria Geral do Estado, o Direito Constitucional, os dois ramos do Direito Internacional.

Paralelamente, convinha preservar algo daquela curiosidade ecumênica adquirida com os idiomas estrangeiros. Para manter a diplomacia, ao menos, no terreno das possibilidades, era preciso continuar a ler e interessar-se por temas que iam além do currículo: política internacional, evidentemente, e a atualidade política nos Estados Unidos, na Europa, na América Latina; história do Brasil e do mundo; literatura brasileira e universal; e o que mais ajudasse a preparar o ingresso numa carreira de generalistas, de gente da qual se esperava que conhecesse um pouco de tudo (mas talvez — contrapartida óbvia — muito de pouco, ao menos no momento do ingresso).

Dito assim, parece haver no processo muito mais método do que de fato havia. O fato é que, ao menos para mim, a receita foi cursar a sério uma faculdade que, tudo o mais dando certo, havia de ter um valor adjetivo, e continuar aprendendo por conta própria o que mais fosse útil para ingressar na diplomacia. Evidentemente que, a certa altura, e tomada a decisão, é preciso, sim, estudar com muito mais foco e método tudo aquilo que se exige no exame de ingresso. Para mim, foi o momento de sistematizar o que tinha aprendido meio de orelhada, com o diletantismo natural do processo que descrevi. E foi, sobretudo, a hora de superar as carências que, por formação ou inclinação, se foram acumulando ao longo dos anos. Noutras palavras, foi preciso investir tempo, dinheiro e esforço num aprendizado prático voltado especificamente para o concurso de ingresso.

Tudo isso já faz algum tempo e, de lá para cá, o Itamaraty mudou um tanto, e o concurso de ingresso outro tanto. Mas acho que boa parte desse receituário continua válida para quem, ainda na escola ou já na universidade, pensa com carinho na carreira de diplomata. A esses aspirantes a futuros colegas, queria ainda dizer que a maior vantagem da carreira está no fato de o aprendizado não terminar por aí. Para mim, sem nenhuma dose de cabotinismo, o Instituto Rio Branco foi uma experiência genuinamente enriquecedora, de um ponto de vista intelectual. Ali, pela primeira vez, li em primeira mão alguns clássicos que conhecia de segunda: de Tucídides a Schumpeter, passando por Kant e Gilberto Freyre. Ali tomamos consciência de que, mesmo na modéstia de nossas funções cotidianas, agíamos como depositários de um legado histórico, construído com vícios e virtudes por uma infinidade de agentes, dos bandeirantes aos negociadores comerciais de hoje, passando por Alexandre de Gusmão, José Bonifácio, pelo Visconde e pelo Barão do Rio Branco, por Osvaldo Aranha e por uns tantos nomes de colegas que a gente aprende a declinar com respeito e até uma dose de devoção: João Augusto de Araújo Castro, Mario Gibson Barbosa, Antonio Francisco Azeredo da Silveira, Ramiro Saraiva Guerreiro, Luiz Felipe Lampreia ou Luiz Felipe de Seixas Corrêa.

E aprende que, para ser bem-sucedido, o diplomata não pode nunca perder aquela curiosidade ecumênica que o levou a buscar uma carreira de generalista. Acabará, pela força das circunstâncias ou de suas inclinações, a interessar-se mais por este ou aquele domínio, de forma que entre nós sempre haverá quem discorra com maior autoridade sobre a proibição de bombas de fragmentação, a Convenção relativa à Supressão da Exigência da Legalização de Atos Públicos Estrangeiros ou, para citar uma professora e negociadora muito querida na Casa, sobre o “discreto charme das regras de origem”. Mas deve estar pronto para, a cada três ou quatro anos, voltar a aprender com humildade e interesse genuínos sobre uma cultura e um país inteiramente diversos.

E este é, de todos, o maior dos privilégios da carreira.

Saiba TUDO sobre o edital do CACD 2017 assistindo ao vídeo abaixo:

Pablo Duarte Cardoso – ingressou na carreira diplomática em 2000 e desde 2013 exerce a função de Conselheiro na Embaixada do Brasil em Ottawa. É formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. No Itamaraty, trabalhou na Divisão da América Meridional I, ocupando-se das relações com a Argentina, o Chile e o Uruguai (2002-2005), e chefiou as Divisões da Europa II (2011-2012) e da Europa I (2012-2014). No exterior, serviu nas Embaixadas em Buenos Aires (2005-2008), Washington (2008-2011) e Ottawa (2014-). Além do Instituto Rio Branco, cursou um semestre no Instituto del Servicio Exterior de la Nación (Argentina), em 2001.


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