Antes de tratar do instituto processual propriamente dito, é preciso esclarecer que a abordagem que aqui se faz tem caráter estritamente técnico; e, muito embora, tenha opinião formada a respeito da condução do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Polícia Federal, deixo de lado a manifestação política, por entender que o interesse dos meus leitores tem primazia; ante à possibilidade concreta de que, em eventuais concursos num futuro próximo, a matéria seja objeto de avaliação em processo penal.
A condução coercitiva é medida cautelar de natureza probatória que encontra previsão legal no art. 260 do Código de Processo Penal. O referido artigo tem a seguinte redação:
Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
Deve-se ressaltar, no entanto, que o dispositivo legal em questão, necessariamente, deve ser interpretado à luz da Constituição Federal, haja vista tratar-se de redação que remonta a 1942, ano de entrada em vigor do atual código de processo penal.
O processo penal constitucional, dentre outros princípios, assegura o direito do acusado ao silêncio, bem como o de não ter obrigação a produzir provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere).
É preciso lembrar que princípios são mais que normas programáticas, contendo verdadeira força normativa, cuja desobediência importa no reconhecimento de nulidades absolutas no processo.
Diante de tal panorama, é preciso se diferenciar o suspeito/indiciado do acusado no processo penal, para fins de utilização da referida medida cautelar de condução coercitiva.
Suspeito é o sujeito, submetido a investigação, contra quem pairam indícios de que tenha cometido um ilícito penal; e, caso tais indícios tenham força suficiente para convencer a autoridade policial de que o suspeito possa vir a ser apontado como autor do delito, este passa a ser o indiciado. Lembrando-se que o indiciamento é ato privativo da autoridade policial que aponta o suspeito como provável autor do delito objeto do inquérito policial.
Acusado, por sua vez, é a pessoa que figura no pólo passivo da relação processual penal, aquela contra quem foi oferecida a ação penal, onde se lhe imputa a prática de uma conduta proibida que encontra descrição como crime, seja no Código Penal ou em legislação extravagante.
Pois bem, ultrapassada esta necessária etapa conceitual, vejamos como a condução coercitiva pode ser utilizada em relação a um, suspeito; e outro, acusado; porém, antes, é necessário esclarecer que a doutrina e a jurisprudência entendem possível a utilização da medida coercitiva tanto na fase inquisitorial, quanto na fase judicial.
Na fase policial, o sistema adotado é o inquisitorial; ou seja, não se assegura o contraditório e a ampla defesa, já que a autoridade policial não decidirá acerca da responsabilidade penal do investigado, mas limita-se a colher o maior número possível de elementos que possam esclarecer a materialidade e autoria do crime. Desta maneira, o investigado poderá ser conduzido para interrogatório, muito embora não tenha a obrigação de falar, nem de dizer a verdade; para o reconhecimento de pessoas ou para outra medida necessária ao esclarecimento dos fatos como, por exemplo, a reconstituição de cena do crime.
Já na fase processual, a estória é outra. Após o oferecimento da denúncia e citação válida do denunciado, este passa a ter o status de acusado; e, portanto, o interrogatório é entendido como um ato da defesa, no qual o próprio acusado tem a oportunidade de oferecer, por conta própria, e não por intermédio de seu advogado, a sua versão dos fatos, na tentativa de afastar a pretensão punitiva do Estado, ou mesmo, concordar com ela, parcial ou integralmente, por meio da confissão.
Portanto, uma vez instaurado o processo, com a citação válida do acusado, este não mais poderá ser conduzido para interrogatório, uma vez que ninguém pode ser constrangido a exercer um direito, mas tão somente um dever processual. Subsistem, no entanto, as demais possibilidades apontadas no art. 260 do CPP, já que integram o rol de diligências probatórias admitas em direito.
Tá, mas aí surge a pergunta: Quem pode determinar a condução coercitiva do suspeito ou acusado?
Para que se obtenha a resposta, é necessário que examinemos a natureza jurídica da condução coercitiva, nos termos em que prevista no art. 260 do Código de Processo Penal.
A condução coercitiva é medida restritiva de liberdade que submete o suspeito ou acusado à disposição da autoridade policial ou judiciária por até 24 (vinte e quatro horas), caso não seja alcançada a finalidade do ato com maior brevidade. A submissão do suspeito ou acusado por tempo superior a este importa em abuso de autoridade.
Não se trata, por outro lado, de prisão cautelar, já que estas são as que encontram previsão no art. 283 do CPP:
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
E, como toda medida cautelar no processo penal (art. 282, §2º), a condução coercitiva deve ser decretada pelo juiz de direito, de ofício, ou mediante requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial. Cuida-se portanto de medida submetida à cláusula de reserva de jurisdição, a exemplo de outras tantas, como o mandado de prisão, interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário etc.
Então, já que o suspeito não precisa falar, nem produzir provas contra si mesmo, para quê sua condução coercitiva?
Muitas vezes a autoridade policial utiliza a estratégia de afastar o suspeito do local onde serão cumpridos mandados de busca e apreensão, seja sua residência ou escritório, a fim de impedir que este destrua eventuais provas que poderão atestar sua responsabilidade penal.
Pronto, acho que tudo foi esmiuçado a contento, com a intenção de esclarecer o leitor acerca das peculiaridades do instituto de direito processual penal em evidência.
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Flávio Milhomem Mestre em Ciências Jurídico-Penais, Doutorando em Direito e Políticas Públicas, Docente nas disciplinas de Direito Penal e Processo Penal desde 1997, Docente titular do curso de Direito (bacharelado) e da pós-graduação do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, Brasília/DF, professor de cursos preparatórios para concursos, Promotor de Justiça Criminal do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios desde 1.997.
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