Com a entrada em vigor do novo CPC (Lei 13.105/15), diversas dúvidas e questionamentos tem sido gerados em relação a alguns assuntos específicos e polêmicos, entre eles a normatização da dinamização do ônus da prova.
É cediço que o tema atrelado ao ônus da prova sempre foi polemizado, haja vista a disparidade quanto a obrigação da produção do conteúdo probatório por apenas uma das partes litigantes, uma vez que com a existência de presunção da vulnerabilidade o processo se tornara extremamente oneroso para uma das partes.
Olhando por este lado, podemos ver que não houve mudanças significativas quanto à aplicação da norma, ou seja, quem possui a maior condição de provar, continuará suportando tal ônus.
Pelo novo CPC será na fase de saneamento e organização processual que ocorrerá a definição da distribuição do ônus probatório (art. 357, III), estando o ônus da prova entre os litigantes assegurada nos incisos do artigo 373 da nova lei, que, como já dito alhures, conserva a regra anteriormente inserida no artigo 333 do CPC de 1973. Vejamos:
Em regra, como acima demonstrado, a distribuição do ônus da prova é rígida e estática, ou seja, parte da premissa de que os litigantes, após a fase postulatória, se encontram cientes dos fatos que hão de ser provados, bem como o que cada um deverá se encarregar de provar.
Humberto Theodoro Júnior exemplifica de forma sintética:
“Dentro desse sistema legal, a partilha do ônus de provar é muito simples: (i) ao autor cabe a prova do fato constitutivo do seu direito; e (ii) ao réu, incumbe provar a existência de fato que impeça, modifique ou extinga o direito do autor1.”
Contudo, é sabido que não são raros os casos em que a parte encarregada por provar não possua condições favoráveis para tal, de maneira que se dificulte a busca pela solução mais justa do conflito, afrontando o Princípio da Verdade Real, a busca pela rainha das provas e o livre convencimento do próprio magistrado.
Desta forma, a lei 13.105/15 inova e admite o afastamento da rigidez da partilha estática do ônus legal da prova, flexibilizando, e criando o que a doutrina denomina de teoria dadistribuição dinâmica do ônus da prova, tendo como seu principal difusor o doutrinador Jorge W. Peyrano.2 3
Os parágrafos 1º e 2º do artigo 373 da nova lei abarcam, reconhecem e regulam de forma expressa os casos em que pode ocorrer modificação legal ou judicial das regras trazidas nos incisos do artigo acima citado. Vejamos.
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
(…)
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
- 2º A decisão prevista no §1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
- 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. - 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.
O parágrafo primeiro expõe que o magistrado terá que decidir previamente sobre a atribuição do ônus probandi, determinando e criando condições para que a parte incumbida efetivamente se desincumba do respectivo ônus, com as condicionantes do parágrafo segundo. Ou seja, não podendo “gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.”
Já o parágrafo terceiro reproduz o parágrafo único do artigo 333 da lei processual civil de 1973, tratando da distribuição convencional do ônus probatório. E, por fim, o parágrafo quarto inova ao admitir a realização da convenção entre as partes, podendo, ainda, ser celebrada antes ou durante o trâmite do processo.
Com a incidência do parágrafo quarto, tal dispositivo acabará coadunando de forma intensa com a possibilidade das partes realizarem negócios processuais, em conformidade com o artigo 190 do novo Codex.
Insta frisar que da decisão que dinamiza o ônus da prova, com fundamento no art. 373, §1º, cabe o recurso de Agravo de Instrumento, como se vê no inciso XI do art. 1015 do CPC de 2015.
Por outro lado, a dinamização do ônus probatório pode trazer imensa insegurança jurídica se não for aplicada da forma correta.
Imagine a seguinte situação hipotética: “A” ajuíza ação indenizatória em face de “B”, uma vez que “B”, empresa de telecomunicações, teria se utilizado indevidamente de sua imagem. “A” ao ajuizar a demanda explica que se descuidou de produzir a prova anteriormente e que não possui condições de provar, uma vez que “B” teria retirado da rede todas as (publicações, banners e etc…), “B” contesta, aduzindo que as alegações de “A” são inverídicas, contudo, o Magistrado ao sanear o feito e com a finalidade de buscar a verdade real, dá provimento ao pleito de “A”, afirmado que somente “B” teria condições reais de provar, podendo recuperar tais publicações e junta-la aos autos.
Tal situação gera insegurança, colocando o réu em uma “sinuca de bico”, haja vista que o magistrado determinaria que o réu produzisse as provas a seu desfavor. No caso hipotético proposto, o julgador teria de contar tão somente com a boa-fé objetiva do réu. Improvável.
Nesse sentido, é sabido que a distribuição do ônus não pode acarretar que gere prova diabólica à parte, ou seja, aquela que coloca a parte em situação desigual, em desvantagem na produção da credibilidade da prova, uma vez que o fato ou documento posto em questão no processo é difícil ou impossível de se provar.
Mas, mesmo assim, seria permitido fazer com que o réu sofresse com o dever de se auto culpar? Ou melhor, há como garantir que o réu se utilizou de todos os meios possíveis para produção da prova devida?
Para Jeremy Bentham, a decisão do magistrado seria plenamente cabível, pois para ele: “a carga probatória deve ser imposta, em cada caso concreto, àquela das partes que possa aportá-las com menos inconvenientes, ou seja, demora, humilhações e despesas“.4
Parte-se da premissa que, quando houver a dinamização do ônus probatório, e o novo encarregado por provar não esclarecer de forma satisfatória o ponto assinalado pelo juízo sucumbirá, sendo vitorioso aquele que foi desonerado.
Mais uma vez aparece a vulnerabilidade, vez que restando demonstrada “impossibilidade ou à excessiva dificuldade” no que tange a produção da prova, como já dito, poderá fazer com que o processo fique extremamente oneroso a uma só das partes. Contudo, nesses casos o entendimento razoável seria pela utilização da regra da teoria estática do ônus da prova, ora já explicitada alhures.
Com se sabe, o novo CPC é embrionário e apenas com tempo surgirão os regramentos exatos da sua utilização. Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior, em sua mais nova obra, se preocupou e pontuou quais seriam os requisitos para a correta aplicação da Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova. Vejamos.
“(a) A parte que suporta o redirecionamento não fica encarregada de provar o fato constitutivo do direito do adversário; sua missão é a de esclarecer o fato controvertido apontado pelo juiz, o qual já deve achar-se parcial ou indiciariamente demonstrado nos autos, de modo que a diligência ordenada tanto pode confirmar a tese de um como de outro dos litigantes; mas, se o novo encarregado do ônus da prova não desempenhar a contento a tarefa esclarecedora, sairá vitorioso aquele que foi aliviado, pelo juiz, da prova completa do fato controvertido;
(b) A prova redirecionada deve ser possível. Se nenhum dos contendores tem condição de provar o fato, não se admite que o juiz possa aplicar a teoria da dinamização do ônus probandi; para aplicá-la de forma justa e adequada, o novo encarregado terá de ter condições efetivas de esclarecer o ponto controvertido da apuração da verdade real (art. 373, § 2º); 126 se tal não ocorrer, o ônus da prova continuará regido pela regra legal estática, isto é, pelo art. 373, caput;
(c) A redistribuição não pode representar surpresa para a parte, de modo que a deliberação deverá ser tomada pelo juiz, com intimação do novo encarregado do ônus da prova esclarecedora, a tempo de proporcionar-lhe oportunidade de se desincumbir a contento do encargo. Não se tolera que o juiz, de surpresa, decida aplicar a dinamização no momento de sentenciar; o processo justo é aquele que se desenvolve às claras, segundo os ditames do contraditório e ampla defesa, em constante cooperação entre as partes e o juiz e, também, entre o juiz e as partes, numa completa reciprocidade entre todos os sujeitos do processo;
(d) O NCPC deixa bem claro que “a aplicação da técnica da distribuição dinâmica do ônus da prova não deve ser aplicada, tão somente, na sentença. Cabe ao magistrado, quando da fixação dos pontos controvertidos e da especificação das provas, na audiência preliminar ou na decisão saneadora, deixar claro que a causa não será julgada pela técnica da distribuição estática do ônus da prova (art. 333 do CPC/73) [NCPC, art. 373], esclarecendo o que deve ser provado pela parte onerada pela distribuição dinâmica do ônus probatório. Caso contrário, se utilizada a técnica de distribuição dinâmica como regra de julgamento, ficará comprometida a garantia constitucional do contraditório, retirando da parte o direito à prova contrária. Justamente para evitar a utilização da técnica de distribuição dinâmica como mecanismo de prejulgamento da causa e a fim de evitar decisões surpresas, contrárias à ideia do Estado Democrático de Direito e às garantias fundamentais previstas na CF, é que deve ser oportunizada à parte onerada o direito à prova”;
(e) O NCPC não deixa lugar à dúvida: “o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído” (art. 373, § 1º, in fine).”5
Desta forma, em primeira análise, haja vista o recente momento, não existem doutrinas sólidas ou precedentes, contudo, não há o que se discordar dos requisitos apontados pelo Ilustre Doutrinador, vez que zela pela segurança processual e pela razoabilidade de sua aplicação, tratando-se a dinamização do ônus da prova de um facilitador e de mais um meio a ser utilizado para a busca da verdade real.
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1 Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I / Humberto Theodoro Júnior. 56. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 882.
2 Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I / Humberto Theodoro Júnior. 56. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 883.
3 Segundo JEREMY BENTHAM, o problema da produção das provas reclamadas pela instrução processual, deve ser assim equacionado: “a carga probatória deve ser imposta, em cada caso concreto, àquela das partes que possa aportá-las com menos inconvenientes, ou seja, menos demora, humilhações e despesas” (Tratado de las pruebas judiciales. Trad. Manuel Ossorio Florit. Buenos Aires: EJEA, 1971, p. 149). BRUNO GARCIA REDONDO registra que a tese de JORGE W. PEYRANO (Nuevos lineamentos de las cargas probatórias dinâmicas. Cargas probatórias dinâmicas. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2008) e seus seguidores apoiou-se, também, nas concepções de JAMES GOLDSCHMIDT (Distribuição dinâmica do ônus da prova: breves apontamentos. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 93, p. 17, dez. 2010. Cf. também, LAZARINI, Rafael José Nadim de; SOUZA, Gelson Amaro de. Reflexões sobre a perspectiva de uma distribuição dinâmica do ônus da prova: análise de viabilidade. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 99, 2011, p. 99-100).
4 Tratado de las pruebas judiciales. Trad. Manuel Ossorio Florit. Buenos Aires: EJEA, 1971, p. 149. Apud – Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I / Humberto Theodoro Júnior. 56. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 883.
5 Theodoro Júnior, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I / Humberto Theodoro Júnior. 56. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 887.
Fonte: www.migalhas.com.br
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