Em regra, a desconstituição em juízo da justa causa não gera, por si só, o direito à indenização por dano moral, mas apenas a obrigação de pagamento das verbas rescisórias devidas em decorrência da despedida sem justa causa. Mas, em se tratando de ato de improbidade, é praticamente unânime na doutrina e na jurisprudência que a reversão da justa causa rende ensejo à responsabilização do empregador em face da conduta ilícita.
Segundo Alice Monteiro de Barros a improbidade constitui uma das faltas mais graves que o empregado pode cometer. Requer prova cabal, dados os reflexos desastrosos que produz na vida funcionai do empregado, maculando-lhe a honra.[1]
Com efeito, é um fato comprometedor, a mais grave de todas as faltas, que, por isso, deve ser aferida com muito cuidado. Como adverte a doutrina por se revestir o ato de improbidade da mais extrema gravidade, como conduta contratual e social, deve ter o empregador excepcional certeza do cometimento da falta e da possibilidade de fazer-lhe prova cabal, pois, se a imputação cair no vazio, o severo abalo que causará à boa fama do trabalhador perante a comunidade decerto justificará a retorsão do agravo com o pedido de indenização por danos morais.[2]
A jurisprudência diverge, no entanto, quanto à necessidade de prova do dano. Em outros termos, revertida a justa causa por ato de improbidade, o dano é in re ipsa ou cabe ao empregado provar efetivamente a existência desses prejuízos?
Parcela da doutrina sustenta que a mera acusação de ato ilícito (improbidade), por afrontar gravemente a honra e a imagem da pessoa humana, pode ensejar danos morais, caso não comprovada a existência do fato imputado.[3] Em abono a essa posição existem algumas decisões do Tribunal Superior do Trabalho, conforme se nota pelas ementas abaixo alinhavadas:
RECURSO DE EMBARGOS. DANO MORAL – DISPENSA COM JUSTA CAUSA FUNDADA EM ATO DE IMPROBIDADE – DESCONSTITUIÇÃO EM JUÍZO – DANO PRESUMÍVEL. O dano moral pode ser definido como lesão à ‘esfera personalíssima da pessoa’ ou, para citar o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, pode ser conceituado como ‘violação do direito à dignidade humana’. Há possibilidade de que ele se evidencie no ‘desprestígio’, ‘na desconsideração social’, ‘no descrédito à reputação’ e ‘na humilhação pública’ do indivíduo. Mas a existência do dano moral fica configurada quando ele é presumível, ou seja, quando, em face da ocorrência de determinado fato ofensivo, o sofrimento íntimo (dano/prejuízo moral) é esperado, provável, razoavelmente deduzido. Sendo assim, sua existência decorre de uma presunção hominis, é fruto da intuição de qualquer um que, exercitando a capacidade de empatia e munido de certa imaginação, tenta colocar-se no lugar daquele que foi ofendido em sua dignidade, para assim concluir pela possibilidade de sofrimento psíquico. Essa presunção acerca da existência (ou não) do dano moral, em razão de algum acontecimento danoso, somente é possível, porque os indivíduos, a par de todas as suas particularidades e idiossincrasias (que é o que os tornam indivíduos), partilham da mesma condição humana e, em última análise, quase sempre sofrem (em maior ou menor grau) pelos mesmos motivos. A ‘prova’ do dano moral, portanto, é a existência do próprio fato danoso – a partir do qual se presume sua existência. Recurso de embargos conhecido e provido.” Processo: E-RR – 164300-14.2009.5.18.0009 – Data de Julgamento: 12/12/2013, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 14/03/2014.
RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007. DANO MORAL. JUSTA CAUSA. ATO DE IMPROBIDADE, INCONTINÊNCIA DE CONDUTA OU MAU PROCEDIMENTO E DESÍDIA. DESCARACTERIZAÇÃO EM JUÍZO. Esta Subseção Especializada tem reconhecido a ocorrência do dano moral em situações de desconstituição da justa causa fundada em ato de improbidade em juízo, sendo desnecessário qualquer tipo de prova para demonstrar o abalo moral. Precedente. Recurso de embargos conhecido e provido. Processo: E-ED-RR-19900-81.2003.5.15.0046, Data de Julgamento: 12/12/2013, Relatora Ministra: Delaíde Miranda Arantes, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 14/03/2014.
Esse é o entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência, em especial no âmbito da SDI-1 do TST, como se viu acima.
Contudo, há uma segunda linha de pensamento que defende a necessidade de prova dos danos sofridos em razão da imputação indevida do ato de improbidade. Nesse sentido encontram-se algumas posições isoladas no TST. É também o antigo posicionamento da SDI (Informativo TST nº 24):
Justa causa. Ato de improbidade. Descaracterização em juízo. Dano moral. Não configuração. É indevido o pagamento de indenização por danos morais se o trabalhador não produzir prova do prejuízo moral sofrido em razão da dispensa por justa causa fundada em imputação de ato de improbidade, quando descaracterizado em juízo. A despedida em tais circunstâncias não constitui prática de ato ilícito por parte do empregador, e se ele agiu de boa-fé, não dando publicidade ao fato, não imputando, de forma leviana, o ato ao trabalhador, e não abusando do direito de dispensa, não há de se falar em abalo à honorabilidade do empregado apta a configurar dano moral. Ademais, o sistema jurídico brasileiro adota, como regra, a teoria da responsabilidade subjetiva, sendo indevida a indenização quando não configurada a culpa. Com base nesse entendimento, a SBDI-I, por maioria, não conheceu do recurso de embargos no tema, vencidos os Ministros Lelio Bentes Corrêa, relator, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta e Delaíde Miranda Arantes. TST-E-RR-774061-06.2001.5.02.0023, SBDII, rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, red. p/ acórdão Min. João Oreste Dalazen, 4.10.2012. Informativo TST nº 24.
Mas, como já dito, em casos mais recentes a SBDI-1 do TST vem acolhendo o entendimento da primeira corrente acima explicada e decidindo que no caso de reversão em juízo da dispensa por justa causa, fundada em imputação de ato de improbidade, é devida a indenização por danos morais in re ipsa, ou seja, independentemente da prova de abalo pessoal sofrido pelo empregado ou de eventual divulgação do ocorrido. Isso se dá porque a gravidade da acusação e o rigor da punição, sem a devida cautela por parte do empregador, autoriza a presunção de lesão à honra subjetiva do reclamante.
A propósito, o entendimento não é novo na SBDI-1 do TST. Em outras oportunidades a Subseção já entendeu que cabem danos morais in re ipsa em caso de desconstituição em juízo do ato de improbidade, sem a exigência de qualquer prova de abalo pessoal individualmente sofrido pela ex-empregada, ou mesmo de eventual divulgação ampla do ocorrido.[4] Também no mesmo sentido constam decisões nos Informativos do TST nºs 7[5], 70[6] e 172:
RECURSO DE EMBARGOS. REGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. JUSTA CAUSA REVERTIDA EM JUÍZO. IMPUTAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE. OFENSA À HONRA SUBJETIVA IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. 1. Esta Subseção Especializada firmou o entendimento de que caracteriza dano moral, in re ipsa, passível de indenização, a desconstituição em juízo da dispensa por justa causa, fundada na prática de ato de improbidade, pois a gravidade da acusação e o rigor da punição, aplicada sem a devida cautela por parte do empregador, autorizam presumir a lesão à honra subjetiva da reclamante, sem a exigência de qualquer prova de abalo pessoal individualmente sofrido pela ex-empregada, ou mesmo de eventual divulgação ampla do ocorrido. 2. Na espécie, a dispensa por justa causa se fundou na imputação de ato de improbidade, envolvendo diferença de caixa no valor de R$ 1.100,00 (mil e cem reais). O Tribunal Regional concluiu ter sido demonstrada a injustiça da acusação, bem como a desproporcionalidade da pena, o que configura abuso no exercício do poder disciplinar do empregador, com repercussões deletérias na esfera extrapatrimonial da reclamante, maculada em sua honra e dignidade pessoal, a ensejar a compensação prevista nos arts. 927, caput, do Código Civil e 5º, X, da Constituição Federal. Recurso de embargos conhecido e provido. (E-RR-1123-90.2013.5.08.0014, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 01/03/2018, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 09/03/2018).
Portanto, são devidos danos morais in re ipsa nos casos de reversão, em Juízo, da justa causa por ato de improbidade, pois o dano decorre inexoravelmente do próprio fato danoso.
Referências
[1] BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 707
[2] PINTO, José Augusto Rodrigues Pinto [et. al]. Dicionário brasileiro de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2013. p. 51.
[3] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 678.
[4] TST-E-ED-RR 1575100-35.2004.5.09.0012, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, SBDI-1, DEJT 01/12/2017; TST-E-ARR 1034-08.2013.5.12.0030, Red. Min. José Roberto Freire Pimenta, SBDI-1, DEJT 19/12/2016.
[5] “A descaracterização da despedida por justa causa em juízo, quando imputado ato de improbidade ao empregado (alínea “a” do art. 482 da CLT), gera direito a indenização por dano moral porquanto se verifica ofensa à honra subjetiva do trabalhador”. (TST-E-RR- 20500-90.2003.5.07.0025, SBDI-I, rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho, red. p/ acórdão Min. José Roberto Freire Pimenta, 3.5.2012).
[6] “A desconstituição em juízo da justa causa fundada em ato de improbidade imputado ao empregado pelo empregador enseja o pagamento de indenização por danos morais, tendo em vista que o prejuízo moral é presumível, ou seja, a prova do dano decorre da existência do próprio fato lesivo” (TST-E-RR-164300- 14.2009.5.18.0009, SBDI-1, rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 12.12.2013).