No dia 24 de setembro de 2018, foi publicado o Decreto n. 9507/2018, que tem em sua ementa: “ Dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal.”
Inicialmente, vale dizer que o Decreto abrange apenas o Poder Executivo, já que se trata de ato administrativo e, assim, só tem sua eficácia em relação àqueles órgãos submetidos ao Poder Hierárquico da autoridade que expediu o ato, não se aplicando aos demais Poderes.
O Decreto trata da execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal. A execução indireta ocorre quando o Estado faz licitação e contrata uma empresa para prestação da atividade. É uma espécie de terceirização? Digamos que sim, inclusive o Decreto chega a usar essa expressão em seu corpo.
No entanto, o ato deve ser analisado com calma, a fim de não gerar o pânico naqueles que buscam uma vaga no serviço público.
O Decreto n. 9.507/2018 revogou o Decreto n. 2271/1997, que, inclusive, já falava em execução indireta. No entanto, o Decreto n. 2271/1997 listava as funções que admitiam a terceirização. Vejamos:
Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.
- 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.
Assim, há tempos já se tem na Administração Pública a terceirização de atividades administrativas. O novo decreto não lista as atividades a serem terceirizadas, ele é mais amplo, porém traz vedações. Vejamos:
Art. 3º Não serão objeto de execução indireta na administração pública federal direta, autárquica e fundacional, os serviços:
I – que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle;
II – que sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias;
III – que estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; e
IV – que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.
Note que o Decreto expressamente diz que os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de que tratam os incisos do caput poderão ser executados de forma indireta, vedada a transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos ou a tomada de decisão para o contratado.
Com efeito, atividades de apoio a serviços administrativos e aquelas como limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações poderão ocorrer mediante execução indireta. Entretanto, as atividades institucionais serão, e devem ser, desempenhadas por servidores concursados. Veja que o inciso IV mantém às atividades relacionadas a categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do respectivo órgão. Observe que o inciso I é bem amplo à manutenção de servidores, assuntos que se referem à tomada de decisão são de servidores.
Por exemplo, na Polícia Federal, toda a atividade de poder de polícia, investigação, prisões, autorizações, passaporte e demais áreas serão desempenhadas por policiais concursados. Entretanto, os serviços de apoio administrativo que não envolvam tomada de decisão e acesso a documentos sigilosos poderão ocorrer por execução indireta.
Na Secretaria da Receita Federal do Brasil as funções de auditoria, lavrar autos de infração e fiscalização (que é poder de polícia em si) serão exercidas pelos Auditores-Fiscais. Análise de processos, baixa de restrições de CPF, criação de CPF e outros atos de tomada de decisão serão de técnicos e analistas.
A meu ver, as funções de Analista Administrativo e Técnico Administrativo não serão afetadas, pois envolvem tomada de decisão e por haver plano de cargos nos órgãos para as atribuições.
Essa execução indireta não é novidade na Administração Pública, já acontece faz tempo e não há como fechar os olhos. Veja a função de ascensorista (de elevador), qual a necessidade de se ter um servidor concursado nesta função? Veja como mudou a atividade de motorista. Antigamente, eram concursados, depois motorista passou a ser execução indireta, terceirização, e, hoje, muitos órgãos fazem licitação e contratam empresas de aplicativos.
Logo, podemos dizer que o Decreto n. 9507/2018 NÃO acaba com os concursos, nem poderia, pois há a previsão Constitucional para tanto. E se ocorrer execução indireta fora das situações admitidas, os órgãos de controle (Tribunais de Contas, Ministério Público etc) devem ser acionados para que se cumpra a Constituição.
Gustavo Scatolino
Atualmente é Procurador da Fazenda Nacional. Bacharel em Direito e Pós-graduado em Direito Administrativo e Processo Administrativo. Ex-Assessor de Ministro do STJ. Aprovado em vários concursos públicos, dentre eles, Analista Judiciário do STJ, exercendo essa função durante 5 anos, e Procurador do Estado do Espírito Santo.