Por Ana Carolina Tavares Torres
A Constituição da República de 1988 trouxe como determinação ao legislador a necessidade de promover, na forma prevista em lei, a defesa do consumidor. Não por outro motivo, foi promulgada, em 11 de setembro de 1990, a lei 8.078 que dispõe sobre “a Proteção do Consumidor”.
Em uma rápida análise pode-se entender que a legislação não traz margem à dúvida: fala-se de um código de defesa do consumidor, ente hipossuficiente que deve ser protegido de seu aparente algoz, o fornecedor.
No entanto, é impossível menosprezar que o espírito da lei é muito maior, pois há por detrás do Código de Defesa do Consumidor um verdadeiro “Código de Defesa do Consumo”, em todas as suas vertentes e prismas. Portanto produtores, fabricantes, negociantes, entre outros, também estão (ou deveriam estar) albergados por este manto normativo.
Corroborando para tanto, há capítulo específico na legislação consumerista que trata da Política Nacional das Relações de Consumo, determinando o atendimento de alguns princípios, dentre eles:
“a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”. (CDC, art.4º, inciso III)
Aqui se identifica, de forma clara, a aplicação do antigo adágio: “o direito de alguém vai até onde inicia o de seu próximo”. Ou seja, a ideia é demonstrar a efetiva definição do conceito de consumo, a função do Estado na relação negocial, a exploração aprofundada das possibilidades de exclusão de responsabilidade dos fornecedores, a busca por seus Direitos Fundamentais e os meios de sua defesa frente ao Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, via de regra, os bancos acadêmicos ensinam o Código de Defesa do Consumidor sob um único enfoque, qual seja, a proteção e defesa do consumidor, deixando de lado a outra parte envolvida na relação que também deve acessar o direito do contraditório e ampla defesa, ao duplo grau de jurisdição, entre outros permissivos legais constantes no direito processual pátrio.
Aparentemente esquece-se que é necessário que ocorra uma análise aprofundada da repercussão econômica surgida pela dificuldade (quiçá impossibilidade) na defesa do fornecedor em uma sociedade em que a intervenção estatal, ao invés de educar e proporcionar condições ao consumidor para que ele possa sair da posição de atonia, tende a manter a cultura paternalista de extremo protecionismo, fomentando a manutenção da desigualdade e o eterno litígio entre produção e consumo.
Não podemos deixar de lado o fato de que a legislação atual veio atender os anseios da população que, com o aumento de sua capacidade econômica, viu-se inserida em um mercado de consumo até então gerido pela lei do mais forte, ou seja, das grandes corporações.
No entanto, passados mais de duas décadas de sua promulgação, parece que se pode pensar em um equilíbrio adequado desta relação, abrindo-se novos horizontes de defesa do fornecedor, reduzindo os custos crescentes e permitindo a facilitação do acesso ao consumo para uma parcela cada vez maior da população.
Não é possível a manutenção da visão inocente de que não há diluição dos custos para todos os consumidores, pois o que se percebe é um verdadeiro sistema mutualístico de despesas, ou seja, quanto maior é o custo com condenações judiciais e proteções ao consumidor individual, maior será o custo final de qualquer produto ou serviço à população em geral, dificultando o acesso e mantendo permanente a desigualdade social.
O amadurecimento da aplicação da norma é necessário, pois, em que pese ter havido a necessidade inicial de um endurecimento para sua efetivação, o contexto da sociedade brasileira foi alterado, sendo necessária uma releitura da legislação, trazendo-se elementos econômicos para sua adequada aplicação.
Numa perspectiva de Direito e Economia, identifica-se que se há necessidade de intervenção estatal no sentido de proteger o consumidor, esta deveria ocorrer de maneira diversa, qual seja, fomentando a educação e aculturamento social, facilitando e proporcionando desta forma um consumo sadio para todas as partes envolvidas.
Há latente necessidade de demonstração dos direitos dos fornecedores na intenção de garantir-se uma relação de consumo equilibrada e harmoniosa entre este e seus consumidores.
Obviamente a ideia não é fomentar retrocesso aos direitos fundamentais, mas sim demonstrar o direito dos fornecedores na intenção de garantir o equilíbrio na relação de consumo, tornando esta mais harmoniosa entre as partes, fomentando a adequação das relações comerciais, prevenindo e punindo abusividades, protegendo a correta concorrência e incentivando o livre mercado pensando sob o prima da Análise Econômica do Direito e avaliando outros ângulos para efetivação da aplicação do verdadeiro espírito do Código de Defesa do Consumidor.
Ou seja, uma sociedade preparada, educada e estável atrai investimentos que carregam consigo desenvolvimento, poder econômico e estabilidade. Nesse diapasão os institutos jurídicos tornam-se agentes propulsores da economia garantindo, acima de tudo, o bem da coletividade baseada em direitos fundamentais.
Fonte: Migalhas
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