Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
Por José Carlos Portella Jr.
Quando se trata de desrespeito aos direitos humanos por parte de agentes estatais ou por membros de uma organização não-estatal, deve-se distinguir entre as chamadas “graves violações aos direitos humanos” e os crimes contra a humanidade, visto que para cada uma dessas categorias serão aplicados modelos diferentes de responsabilidade jurídica.
Após a 2ª Guerra Mundial, a comunidade internacional investiu seus esforços para a criação do Direito Internacional dos Direitos Humanos, como forma de responder às atrocidades cometidas contra o gênero humano em nome da razão de Estado.
A criação da Organização das Nações Unidas (1945), o estabelecimento dos Tribunais de Nuremberg e Tóquio (1945), a edição da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), bem como a implementação de inúmeros tratados de direitos humanos nas décadas seguintes, representaram a consolidação de um sistema de proteção dos direitos humanos em âmbito global.
Por força do Direito Internacional dos Direitos Humanos, todos os Estados partes desse sistema de proteção devem se submeter à obrigação de promover e efetivar os direitos humanos em âmbito doméstico e internacional.
A omissão em cumprir com a obrigação de salvaguardar os direitos humanos enseja a responsabilidade internacional do Estado, podendo vir a ser sancionado em Cortes Internacionais (como a Corte Interamericana de Direitos Humanos ou Tribunal Europeu de Direitos Humanos), ou em comitês da ONU (como o Comitê contra a Tortura ou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos), ou ainda perante o Conselho de Segurança da ONU.
As sanções podem variar desde medidas de não repetição, de reparação a recomendações de mudança de instituições públicas e marcos legislativos e a imposição de embargo econômico.
A responsabilidade internacional do Estado perante o Direito Internacional, para o tema desta coluna, pode dar-se nos casos em que os agentes estatais, a partir de uma política de Estado, violam direitos humanos de seus cidadãos ou de estrangeiros, como, por exemplo, no caso da guerra às drogas implementada pelo Estado brasileiro contra jovens negros da periferia ou no caso da destruição de comunidades indígenas em razão da matriz econômica implantada por países como México, Equador e Brasil.
Por outro lado, a responsabilidade do Estado também pode se dar por omissão de seus agentes estatais em não reconhecer as violações aos direitos humanos que ocorrem internamente e por se recusar a dar às vítimas acesso à justiça, como ocorre, por exemplo, no caso de persistente exploração de mão obra escrava e da continuidade dos alarmantes níveis de violência doméstica contra mulher no Brasil.
Ainda que, nesses casos, a violação aos direitos humanos não seja perpetrada por agentes estatais e mesmo não havendo uma política de Estado a patrocinar tais atos, o Estado se mantém omisso no seu dever de por fim às violações e de dar eficácia aos tratados que lhe impõem a obrigação de salvaguardar os direitos humanos, razão pela qual lhe pode ser imputada a responsabilidade perante o Direito Internacional.
Casos emblemáticos de graves violações aos direitos humanos geraram a responsabilidade internacional do Estado brasileiro.
No âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos (que apenas julga Estados e tem jurisdição sobre países do continente americano que voluntariamente se submetem a ela), pode ser citada como exemplo a condenação do Brasil no caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia), no qual a Corte condenou o Brasil pelas violações cometidas na repressão aos dissidentes políticos na época da ditadura militar e pelo fato de que o Estado brasileiro não trouxe justiça às vítimas do regime ditatorial.
Nesse caso, reconheceu-se que havia uma política de Estado para a prática sistemática e generalizada de atos de violência contra os que se opunham ao regime, seguido de uma recusa em reconhecer os direitos violados das vítimas.
Outro caso no âmbito da Corte Interamericana que redundou na condenação do Brasil foi o do Ximenes Lopes (doente psiquiátrico que sofreu toda espécie de abuso numa casa de repouso particular), no qual se reconheceu que o Estado brasileiro foi omisso na proteção dos direitos humanos de Ximenes, o que se repetiu de maneira sistemática em inúmeros casos de pacientes psiquiátricos submetidos à violência em manicômios espalhados pelo país.
Embora o Estado brasileiro não tivesse instituída uma política de Estado voltada à violação de direitos humanos dos pacientes psiquiátricos, reconheceu-se a sua omissão em proteger a dignidade humana desses cidadãos.
Contudo, o que difere nesses casos mencionados das situações em que se justifica a intervenção do Tribunal Penal Internacional (TPI)?
Quando se trata de crimes contra humanidade, submetidos à jurisdição do TPI, as graves violações de direitos humanos devem fazer parte de um ataque sistemático ou generalizado contra população civil, a partir do cometimento das seguintes condutas (em acordo com o artigo 7º do Estatuto de Roma): homicídio; extermínio; escravidão; deportação ou transferência forçada; prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; tortura; agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero; desaparecimento forçado de pessoas; apartheid; ou outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.
De acordo com o artigo 7º(2)(a) do Estatuto de Roma, a fim de se caracterizar o crime contra a humanidade, deve estar presente o elemento de contexto: a existência de uma política de Estado ou de uma organização voltada à prática de múltiplas condutas (acima referidas), o que justifica o tratamento penal mais grave do que aquele dado aos crimes de tortura, estupro, homicídio ou sequestro cometidos em circunstâncias ordinárias (ou seja, fora da situação de um ataque generalizado e sistemático contra a população civil).
Assim como definido no Estatuto de Roma, o elemento de contexto dos crimes contra a humanidade não demanda que as condutas estejam relacionadas com situação de guerra (como outrora era exigido pelo Estatuto do Tribunal de Nuremberg), bastando que as condutas sejam parte de um ataque sistemático ou generalizado contra a população civil, levado a cabo por uma política de Estado ou de uma organização.
Daí que se diz que crimes contra a humanidade podem ser cometidos em tempos de paz.
Não se tratando de política de Estado, mas sim de uma organização (por exemplo, o caso das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia/FARC), a fim de que possa configurar o elemento contextual, a jurisprudência do TPI tem observado alguns critérios não exaustivos para se verificar se uma coletividade não vinculada ao Estado pode configurar uma “organização”, entre eles, que o grupo conte com um comando e estrutura hierárquica bem definidos, que exerça controle sobre certo território e que tenha capacidade de levar a cabo uma política de ataque sistemático ou generalizado contra a população civil.
No caso dos crimes contra a humanidade, a responsabilidade será individual, ou seja, poderão ser responsabilizados penalmente os indivíduos que cometeram ou ordenaram os atos de violência, bem como os que prestaram auxílio aos autores do crime.
De acordo com o Estatuto de Roma, cabe, em primeiro lugar, à jurisdição doméstica a apuração da responsabilidade penal dos perpetradores dos crimes contra a humanidade.
Apenas no caso de não haver disposição política ou diante da impossibilidade por falta de recursos humanos e materiais para levar a cabo investigação e julgamento desses crimes é que o TPI pode exercer sua jurisdição (conforme artigo 17 do Estatuto de Roma).
Se de um lado TPI pode julgar indivíduos por crimes contra a humanidade, podendo aplicar-lhes a pena de prisão, após o devido processo legal, de outro lado tem-se a responsabilidade internacional do Estado por sua ação ou omissão nas graves violações aos direitos humanos, o qual poderá ser sancionado em Cortes Internacionais (já mencionadas) ou perante organismos internacionais.
REFERÊNCIAS
RAMOS, André de Carvalho. Responsabilidade internacional por violação de direitos humanos: seus elementos, a reparação devida e sanções possíveis: teoria e prática do direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
RIKHOF, Joseph. Fewer places to hide? The impact of domestic war crimes prosecutions on international impunity. In: BERGSMO, Morten (org.). Complementarity and the exercise of universal jurisdiction for core international crimes. Oslo: Torkel Opsahl Academic Epublisher, 2010, p. 7-81.
TRIFFTERER, Otto (org.). Commentary on the Rome Statute of the International Criminal Court: observers’ notes, article by article. 2. ed., Munique: C.H.Beck, Hart e Nomos, 2008.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos. Brasília: UnB, 2000.
Fonte: amodireito.com.br
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