A doce vida de um advogado começa de manhã cedo. Porque tem audiência, tem prazo, tem trânsito. Acordamos, tomamos um banho e um café preto, colocamos sapatos que apertam, gravatas que apertam, saias que apertam. Alguns pegam o carro, que de uns poucos é Mercedes e de uns muitos é Palio, Celta e Corsa. Outros tantos pegam metrô, ônibus e trem. Uns pegam a bicicleta, outros a moto. E começa o dia.
Dia esse que começa com a cabeça cheia. Mas tudo bem, porque os eles também terminam com a cabeça cheia. A gente vai se habituando. Reunião com cliente. Chamar o cara que conserta a impressora. Tirar aquela dúvida com o contador. Comprar o novo código. Preparar três defesas e dois recursos. Tirar cópias. Ver se aquele pagamento atrasado caiu.
Poucos sabem que na nossa doce vida tem um número incontável clientes insanos. Que gritam, que mandam 7 e-mails em 20 minutos, que nos ligam no domingo, que nos acusam de não estar dando atenção ao caso dele, mesmo que estejamos acompanhando o andamento todo santo dia.
Poucos sabem que tem cliente que simplesmente não nos paga. E não são poucos. E que esses honorários que a gente deixa de receber não servem para comprar bolsas caras ou ternos italianos. Servem para pagar aluguel, para pagar o estagiário, para comprar os livros que embasam nossas teses. E mesmo quando os clientes pagam, nem sempre o orçamento fecha.
E nesse doce dia a dia a gente estuda. Lê o Código de Processo que mudou. Lê artigos sobre o que mudou no Código de Processo. Advogados, depois de pelo menos 5 anos de estudo, se matriculam na pós. Vão a congressos. Palestras. Seminários. Querem fazer mestrado. Os que não vão, quase sempre é por falta de grana. Porque com a falta de tempo e com a falta de saúde a gente já aprendeu a lidar, fazer malabarismo, fazer milagre.
E o engraçado é que para o senso comum, todo mundo pode ganhar dinheiro. O jogador de futebol é pelo talento. O artista pelo dom. O médico pelos estudos. O engenheiro pela dedicação. Mas o advogado não. Se o advogado ganha bem, todo mundo já acha que é porque se aproveita dos clientes, faz esquema. Não pode ser por talento, nem dom, nem estudo, nem dedicação.
A verdade é que enche o saco ficar ouvindo que advogado é o cara explora as pessoas, que ganha dinheiro fácil, que enrola todo mundo. Existe advogado desonesto? Sim. Assim como médico desonesto, engenheiro desonesto, jogador de futebol desonesto. Mas digo com a maior tranquilidade: esses caras são exceção, não regra.
Conheço advogados que ficaram ricos. Como? Estudando muito, trabalhando madrugadas, sacrificando outros projetos. Também conheço um monte de advogado que tá sem grana. Por azar, por parcerias erradas, por erro de administração. Mas não conheço nenhum, nenhum advogado que esteja rico ou pobre porque trabalha pouco. Trabalhar pouco e ser advogado são expressões que nunca andam juntas.
Ontem, 11 de agosto, foi dia do advogado. Ouvi um parabéns ou outro, recebi e-mail da OAB, da AASP. Sou professora e advogada. Uma profissão endeusada, outra totalmente estigmatizada. Um 15 de outubro é sempre muito diferente de um 11 de agosto. Eu não coloco asas de fada e uma tiara de flores para dar aula, nem coloco capa vermelha, chifres e um tridente na mão pra ir pro escritório. Sou a mesma pessoa, professora e advogada. Assim como todos advogados que conheço, que ralam, que tomam porrada, que dormem pouco, têm torcicolo, têm preocupações infinitas, ouvem piadas, ouvem grosseria, fingem que não ligam e seguem em frente.
Não espero flores nem presentes por ser advogada. Mas espero respeito. Carrego uma carteirinha vermelha na bolsa e um orgulho imenso no peito pelo que faço. Sou advogada. Tenho orgulho das minhas olheiras e da minha trajetória. Tenho orgulho de pertencer a essa classe que batalha pela própria sobrevivência e pelo direito alheio. Tenho orgulho de desempenhar função essencial à justiça, ainda que o mundo pareça nos ver como inimigos. Mas sabemos quem somos, sabemos o quanto lutamos. E chega de conversa, que mimimi não interrompe prazo. E tem prazo vencendo hoje. Sempre tem prazo vencendo. E a gente tem que vencer os prazos. E vencer os casos. Feliz agosto pra nós. Tamo junto.
Fonte: Estadão
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