Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
DIREITO CIVIL. DEVOLUÇÃO DE CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS E RESPONSABILIDADE CIVIL DE INSTITUIÇÃO BANCÁRIA.
O banco sacado não é parte legítima para figurar no polo passivo de ação ajuizada com o objetivo de reparar os prejuízos decorrentes da devolução de cheque sem provisão de fundos emitido por correntista. De fato, os arts. 2º, 7º e 10 da Res. BACEN n. 2.025/1993 estabelecem regras para a elaboração da ficha-proposta a ser preenchida pelo cliente e procedimento para entrega de talonário de cheques. Mas, em nenhum momento, essas regras impõem o ônus da fiscalização constante do saldo em conta, nem transformam as instituições financeiras em garantes da solvibilidade de seus clientes. Assim, não se tratando de cheque administrativo ou cheque visado, a partir do momento em que o cheque é colocado à disposição do correntista não é possível fazer um controle do valor de emissão do título. Com efeito, na forma do disposto no art. 4º da Lei n. 7.357/1985, “a existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento”. Dessa forma, ao receber um cheque para saque, é dever do banco conferir se está presente algum dos motivos para devolução do cheque, como no caso de o valor do título ser superior ao saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo, conforme previsto no art. 6º da Res. BACEN n. 1.682/1990. A prestação de serviços referente ao portador do título de crédito limita-se a esse procedimento. Não havendo nenhuma mácula nessa conferência, não há defeito na prestação do serviço, e, portanto, não cabe imputar ao banco conduta ilícita ou risco social inerente à atividade econômica que implique responsabilização por fato do serviço. Por isso, não há a responsabilidade da instituição financeira pelas atividades de seus correntistas na utilização de cheques com má gestão de seus recursos financeiros. A responsabilidade por verificar a capacidade de pagamento do cliente em relação a determinado valor é de quem contrata, o qual deve se cercar dos meios necessários para saber se, em caso de falta de provisão de fundos, terá como cobrar a quantia por outras formas. Ademais, o credor pode se negar a receber cheques, caso não queira correr o risco da devolução por falta de fundos, ou, até mesmo, pode transferir o risco da falta de pagamento a outra pessoa, com custo por esse serviço, como nas taxas pela utilização do cartão de crédito, em que a ausência de pagamento não é sentida pelo credor, ou no deságil dos contratos de factoring, nos quais a ausência de fundos é suportada pelo faturizador. O título de crédito é apenas uma forma de facilitar as relações comerciais postas à disposição daqueles que contratam e não representa a criação de responsabilidade solidária com o sacado, até porque a solidariedade no direito brasileiro não se presume, já que depende de lei. Assim, a pretendida solidariedade contraria a norma de regência do título de crédito em questão (REsp 1.324.125-DF, Terceira Turma, DJe 12/6/2015). Pelo exposto, não há defeito na prestação do serviço bancário quando ocorre devolução de cheque desprovido de fundos, sendo o emitente do cheque desprovido de fundos o único responsável pelo pagamento da dívida, não havendo nexo de causalidade direto e imediato com o fornecimento de talonário pela instituição financeira ao seu cliente. REsp 1.509.178-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 20/10/2015, DJe 30/11/2015.
Vamos analisar as regras!
O cheque é ordem de pagamento à vista. Para o seu pagamento, é fundamental a existência de fundos, devendo ele ser emitido contra banco, ou instituição financeira que lhe seja equiparada, sob pena de não valer como cheque.
O emitente deve ter fundos disponíveis em poder do sacado e estar autorizado a sobre eles emitir cheque, em virtude de contrato expresso ou tácito. A infração desses preceitos não prejudica a validade do título como cheque.
A existência de fundos disponíveis é verificada no momento da apresentação do cheque para pagamento. Consideram-se fundos disponíveis: (a) os créditos constantes de conta-corrente bancária não subordinados a termo; (b) o saldo exigível de conta-corrente contratual; (c) a soma proveniente de abertura de crédito.
A Resolução BACEN 2.025 prevê que a ficha-proposta relativa a conta de depósito deve conter cláusula indicando o saldo mínimo para manutenção da conta, e a Resolução BACEN 3.972 estabelece que as instituições financeiras devem ter critérios objetivos para fornecimento de folhas de cheques.
Interessante é que o banco sacado não é devedor do cheque em caso de devolução, mesmo em decorrência de saldos suficientes para o pagamento, por isso o portador do cheque, em face da recusa de seu pagamento, deverá voltar-se imediatamente contra o emitente, que é – ele, e não o sacado – o seu devedor.
Essa é a posição da doutrina acerca do assunto. Segundo FÁBIO ULHOA COELHO:
“O sacado de um cheque não tem, em nenhuma hipótese, qualquer obrigação cambial. O credor do cheque não pode responsabilizar o banco sacado pela inexistência ou insuficiência de fundos disponíveis. O sacado não garante o pagamento do cheque, nem pode garanti-lo, posto que a lei proíbe o aceite do título (art. 6º), bem como o endosso (art. 18, §1º) e o aval de sua parte (art. 29). A instituição financeira sacada só responde pelo descumprimento de algum dever legal, como o pagamento indevido de cheque, a falta de reserva de numerário para a liquidação no prazo de apresentação do cheque visado, o pagamento de cheque cruzado diretamente ao portador não cliente, o pagamento em dinheiro de cheque para se levar em conta etc. Ou seja, o banco responde por ato ilícito que venha a praticar, mas não pode assumir qualquer obrigação cambial referente a cheques sacados por seus correntistas.” (in Manual de Direito Comercial, 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.014, p 314/315).
A existência de fundos é verificada na apresentação do título. O banco sacado não tem condições de estabelecer qualquer mecanismo de controle para permitir que somente os correntistas que ostentem saldo emitam cheques, até porque o sacador pode ter valores suficientes depositados em sua conta quando da emissão do título e não os ter quando da sua apresentação para pagamento.
Sobre o tema, FÁBIO ULHOA COELHO leciona: “destarte, por entender que o banco sacado não pode ser responsabilizado pelos danos sofridos pelo recebedor do título em virtude da devolução da cártula por falta de provisão de fundos, votei pelo desprovimento do recurso, a fim de manter a sentença que reconheceu a ilegitimidade passiva da casa bancária”.
Da mesma forma é o posicionamento do STJ acerca do tema:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL.
INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO.
- Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros – como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos –, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno.
- Recurso especial provido.
(REsp 1199782/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 12/09/2011)
Outro posicionamento:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PROMOVIDA POR SOCIEDADE EMPRESÁRIA TENDO POR PROPÓSITO RESPONSABILIZAR A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDADA PELOS PREJUÍZOS PERCEBIDOS EM DECORRÊNCIA DO RECEBIMENTO DE CHEQUES COMO FORMA DE PAGAMENTO, QUE, AOS SEREM APRESENTADOS/DESCONTADOS, FORAM DEVOLVIDOS PELO MOTIVO N. 25 (CANCELAMENTO DE TALONÁRIO), CONFORME RESOLUÇÃO N. 1.631/89 DO BANCO CENTRAL. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO.
NÃO CARACTERIZAÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
INAPLICABILIDADE. DANOS QUE NÃO PODEM SER ATRIBUÍDOS DIRETAMENTE AO DEFEITO DO SERVIÇO. VERIFICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
- Não se afigura adequado imputar à instituição financeira a responsabilidade pelos prejuízos suportados por sociedade empresária que, no desenvolvimento de sua atividade empresarial, ao aceitar cheque (roubado/furtado/extraviado) apresentado por falsário/estelionatário como forma de pagamento, teve o mesmo devolvido pelo Banco, sob o Motivo n. 25 (cancelamento de talonário), conforme Resolução n. 1.631/89 do Banco Central do Brasil.
- Afasta-se peremptoriamente a pretendida aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie, a pretexto de à demandante ser atribuída a condição de consumidora por equiparação. Em se interpretando o artigo 17 do CDC, reputa-se consumidor por equiparação o terceiro, estranho à relação de consumo, que experimenta prejuízos ocasionados diretamente pelo acidente de consumo.
- Na espécie, para além da inexistência de vulnerabilidade fática – requisito, é certo, que boa parte da doutrina reputa irrelevante para efeito de definição de consumidor (inclusive) stricto sensu, seja pessoa física ou jurídica -, constata-se que os prejuízos alegados pela recorrente não decorrem, como desdobramento lógico e imediato, do defeito do serviço prestado pela instituição financeira aos seus clientes (roubo de talonário, quando do envio aos seus correntistas), não se podendo, pois, atribuir-lhe a qualidade de consumidor por equiparação.
- O defeito do serviço prestado pela instituição financeira (roubo por ocasião do envio do talonário aos clientes) foi devidamente contornado mediante o cancelamento do talonário (sob o Motivo n. 25, conforme Resolução n. 1.631/89 do Banco Central), a observância das providências insertas na Resolução n. 1.682/90 do Banco Central do Brasil, regente à hipótese dos autos, e, principalmente, o não pagamento/desconto do cheque apresentado, impedindo-se, assim, que os correntistas ou terceiros a eles equiparados, sofressem prejuízos ocasionados diretamente por aquele (defeito do serviço). Desse modo, obstou-se a própria ocorrência do acidente de consumo.
- A Lei n. 7.357/85, em seu art. 39, parágrafo único, reputa ser indevido o pagamento/desconto de cheque falso, falsificado ou alterado, pela instituição financeira, sob pena de sua responsabilização perante o correntista (salvo a comprovação dolo ou culpa do próprio correntista). Com o mesmo norte, esta Corte de Justiça, segundo tese firmada no âmbito de recurso especial representativo da controvérsia (Recurso Especial n. 1.199.782/PR), compreende ser objetiva a responsabilidade do banco que procede ao pagamento de cheque roubado/furtado/extraviado pelos prejuízos suportados pelo correntista ou por terceiro que, a despeito de não possuir relação jurídica com a instituição financeira, sofre prejuízos de ordem material e moral, porque falsários, em seu nome, procedem à abertura de contas correntes, e, partir daí, utilizam cheques.
- Incoerente, senão antijurídico, impor à instituição financeira, que procedeu ao cancelamento e à devolução dos cheques em consonância com as normas de regência, responda, de todo modo, agora, pelos prejuízos suportados por comerciante que, no desenvolvimento de sua atividade empresarial e com a assunção dos riscos a ela inerentes, aceita os referidos títulos como forma de pagamento.
- A aceitação de cheques como forma de pagamento pelo comerciante não decorre de qualquer imposição legal, devendo, caso assuma o risco de recebê-lo, adotar, previamente, todas as cautelas e diligências destinadas a aferir a idoneidade do título, assim como de seu apresentante (e suposto emitente). A recorrente, no desenvolvimento de sua atividade empresarial, tal como qualquer outro empresário, detém todas as condições de aferir a idoneidade do cheque apresentado e, ao seu exclusivo alvedrio, aceitá-lo, ou não, como forma de pagamento. Na espécie, não há qualquer alegação, tampouco demonstração, de que o banco demandado foi instado pela autora para prestar informação acerca dos cheques a ela então apresentados, ou que, provocado para tanto, recusou-se a presta-la ou a concedeu de modo equivocado.
- Recurso especial improvido.
(REsp 1324125/DF, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 12/06/2015)
É certo que, nas relações jurídicas envolvendo o pagamento em cheque, os bancos estão proibidos de emitir aceite. Por outro lado, na relação de emissão do cheque, participam o sacador (emitente) e o beneficiário (tomador), e de maneira nenhuma está presente o sacado. Portanto, por que este teria responsabilidade se a legislação o exime e ainda determina que o pagamento do cheque dependerá da existência de fundos perante o banco sacado?
Como a situação poderia ser cobrada em concurso público, observando a questão da zona de exclusividade nos contratos de representação comercial:
Marcondes Silva celebrou com a empresa Indústria de Cerâmicas Ltda. um negócio jurídico. Dele emitiu um cheque em favor do sujeito Marcondes, cujo sacado é o banco X. Assim, segundo a jurisprudência do STJ, assinale a alternativa correta.
a) O banco sacado não é parte legítima para figurar no polo passivo de ação ajuizada com o objetivo de reparar os prejuízos decorrentes da devolução de cheque sem provisão de fundos emitido por correntista.
b) As regras legais impõem o ônus da fiscalização constante do saldo em conta ao banco em que o correntista mantém a sua conta-corrente.
c) A responsabilidade por verificar a capacidade de pagamento do cliente em relação a determinado valor é de quem contrata e da instituição financeira no momento em que fornece o talão de cheques.
d) O credor não pode se negar a receber cheques, pois o cheque corresponde ao pagamento de um título de crédito à vista.
Gabarito: letra A.
Justificativa: REsp 1.509.178-SC, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 20/10/2015, DJe 30/11/2015.
Leonardo Gomes de Aquino – Direito Empresarial Mestre em Direito. Pós-Graduado em Direito Empresarial. Pós-graduado em Ciências Jurídico Empresariais. Pós-graduado em Ciências Jurídico Processuais. Especialização em Docência do Ensino Superior. Autor na área jurídica, Articulistas em diversas revistas nacionais e internacionais. Conferencista. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Empresarial, atuando principalmente no seguinte tema: Direito Societário; Contratos Mercantis; Propriedade Intelectual, Títulos de Crédito; Falimentar; e Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem. Professor de Direito no sistema presencial e no semi-presencial (Ensino à Distância). Colaborador na Rádio Justiça. Membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/DF Advogado.
Estude conosco e tenha a melhor preparação para a 2ª fase do XXIV e para o XXV Exame de Ordem!
O Gran Cursos Online desenvolveu o Projeto Exame de Ordem focado na aprovação dos bacharéis em Direito no Exame Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. A renomada equipe de professores, formada por mestres, doutores, delegados, defensores públicos, promotores de justiça e especialistas em Direito, preparou um método online que dará o apoio necessário para o estudante se preparar e conseguir a aprovação. O curso proporciona ao candidato uma preparação efetiva por meio de videoaulas com abordagem teórica, confecção de peças jurídicas e resolução de questões subjetivas. É a oportunidade ideal para aqueles que buscam uma preparação completa e a tão sonhada carteira vermelha.