Por: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
Nos debates do Júri, poderá a defesa se utilizar de inovação de teses jurídicas no momento da tréplica?
Como sabemos, se submetem ao Tribunal do Júri, pela sua natureza de crimes dolosos contra a vida, o homicídio, o aborto, o infanticídio e o induzimento, auxílio ou instigação ao suicídio.
O procedimento do Júri é escalonado, uma vez que é dividido em duas fases: iudicium accusationis e iudicium causae.
A primeira fase desenvolve-se perante um juiz singular (sumariante) e é reservada para a decisão acerca da possível existência de um crime da competência do Tribunal do Júri. Na segunda fase, que só ocorrerá se pronunciado o acusado, os fatos serão apreciados pelo conselho de sentença, sob a presidência do juiz-presidente do Tribunal do Júri.
Quanto aos debates em plenário, após os atos instrutórios, serão iniciadas as sustentações orais, a começar pela acusação, sendo que o Ministério Público terá uma hora e meia para produzir a acusação na hipótese de um acusado.
Logo após, pela isonomia processual, a defesa fará a sua sustentação pelo prazo de uma hora na hipótese de um réu.
Findas as alegações da defesa, poderá haver réplica por parte do Ministério Público, pelo tempo de uma hora na hipótese de um acusado.
A réplica trata-se de resposta que a acusação dará à defesa apresentada em plenário de Júri. É nesse momento que o órgão acusador apresentará uma contestação aos argumentos da defesa. Trata-se de uma faculdade, ou seja, poderá ser dispensada pela acusação.
Caso ocorra a réplica, a defesa poderá valer-se da tréplica (resposta à réplica), pelo mesmo tempo de uma hora na hipótese de um só acusado.
A tréplica constitui uma “ressustentação” da defesa, desde que tenha havido a réplica da acusação. É nesse momento que se permite a contestação às considerações da réplica, assegurando ao acusado ou a seu defensor o direito de falar por último.
Assim, haverá o fim dos debates em plenário, pois a acusação não terá mais oportunidade de se manifestar.
E se houver a sustentação de nova tese pela defesa na oportunidade da tréplica, há ofensa ao princípio do contraditório? É possível em razão da plenitude da defesa?
Sobre o tema, existem posicionamentos divergentes. Parte da doutrina, como, por exemplo, Hidejalma Muccio e Levy Emanuel Magno, entendem que a defesa não poderá, em sede de tréplica, invocar tese nova, sob pena de violação ao princípio do contraditório.
Também fundamentam que deverá ser observado o princípio da lealdade processual, pois caso fosse admitida tal possibilidade, restaria evidenciado um inafastável cerceamento de acusação, já que o órgão acusador não mais poderia se manifestar.
Para os defensores dessa corrente, em sede de tréplica, a defesa fará a sustentação das teses que já foram apresentadas no tempo dos debates.
Nesse sentido, a jurisprudência do STJ entende que:
CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. JÚRI. NULIDADE. NÃO-INCLUSÃO DE QUESITOS A RESPEITO DE PRIVILÉGIO. INOVAÇÃO DE TESE DEFENSIVA NA TRÉPLICA. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. RECURSO DESPROVIDO.
I. Não há ilegalidade na decisão que não incluiu, nos quesitos a serem apresentados aos jurados, tese a respeito de homicídio privilegiado, se esta somente foi sustentada por ocasião da tréplica.
II.É incabível a inovação de tese defensiva, na fase de tréplica, não ventilada antes em nenhuma fase do processo, sob pena de violação ao princípio do contraditório. (grifei)
III. Recurso desprovido. (REsp 65379 / PR
RECURSO ESPECIAL 1995/0022116-0. Ministro Relator: GILSON DIPP. T5 – Quinta Turma. Data de julgamento: 16/04/2002. Data da publicação/Fonte: DJ 13/05/2002 p. 218).
Em sentido contrário, alguns defendem que, por força do princípio da plenitude de defesa (artigo 5º, XXXVIII, alínea “a”), é plenamente possível que o advogado apresente tese nova por ocasião da tréplica. Essa é a posição de Guilherme de Souza Nucci e de Antônio Alberto Machado.
Para seus defensores, é perfeitamente admissível a inovação de tese no momento da tréplica, pois à luz da plenitude de defesa, o acusado deve ter a mais adequada defesa possível, incluindo, por óbvio, a arguição de qualquer tese, sendo plenamente possível que a acusação seja surpreendida.
Assim, não haveria violação ao postulado do contraditório, pois o referido princípio garante à parte contrária a possibilidade de se manifestar a respeito de uma prova nova ou fato novo que surja durante o processo, mas não garante a manifestação quando ocorrerem novas teses jurídicas.
Nesse sentido, traz-se à baila a decisão da sexta turma do STJ – HC 61615/MS, relator Min. Nilson Naves, 10/02/2009:
RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DO JÚRI CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. MODIFICAÇÃO DA TESE DE DEFESA ARGUIDA NA CONTRARIEDADE AO LIBELO, POR OUTRO SOBRE A QUAL NÃO SE DISCUTIU NA INSTRUÇÃO, NEM DELA COGITOU A PROVA TESTEMUNHAL.
Contrariado o libelo, à invocação da legítima defesa própria, ao tempo do julgamento, de forma surpreendente, a defesa inovou para a coação moral irresistível, que passou a preceder o quesito da legítima defesa. Acolhida a tese da coação, prejudicado ficou o da legítima defesa. Absurdo que se confirmou com a ausência do quesito sobre quem teria sido o coator (artigo 22 do CP). Frontal divergência entre o veredictum e a prova colhida na instrução e no plenário de julgamento. Nulidade declarada pelo Tribunal de Justiça (art. 593, III, d, do Código de Processo Penal) com determinação de novo julgamento. Recurso Especial de que não se conhece, por não haver violação às normas processuais apontadas. (STJ, Resp r.329-GO, 6ª Turma, ministro relator José Cândido, julgamento em 31/08/1992)
Na mesma linha:
TRIBUNAL DO JÚRI (PLENITUDE DE DEFESA). TRÉPLICA (INOVAÇÃO). CONTRADITÓRIO/AMPLA DEFESA (ANTINOMIA DE PRINCÍPIOS). SOLUÇÃO (LIBERDADE)
1.Vem o júri pautado pela plenitude de defesa (Constituição, art. 5º, XXXVIII e LV). É-lhe, pois, lícito ouvir, na tréplica, tese diversa da que a defesa vem sustentando.
2.Havendo, em casos tais, conflito entre o contraditório (pode o acusador replicar, a defesa, treplicar sem inovações) e a amplitude de defesa, o conflito, se existente, resolve-se a favor da defesa – privilegia-se a liberdade (entre outros, HC-42.914, de 2005, e HC-44.165, de 2007). (grifei)
3.Habeas corpus deferido. (HC 61615 / MS
HABEAS CORPUS 2006/0138370-8. Ministro relator: HAMILTON CARVALHIDO e NILSON NAVES. Órgão julgador: T6 – Sexta Turma. Data do julgamento: 10/02/2009. Data da publicação/Fonte: DJE 09/03/2009)
Por fim, com um posicionamento um tanto diferenciado, Renato Brasileiro sustenta que a defesa poderá valer-se de novas teses na oportunidade da réplica, todavia, à acusação deverá ser concedida a palavra imediatamente, pelo mesmo prazo destinado à tréplica. O fundamento estaria respaldado no princípio do contraditório estampado na Constituição de 1988.
Para o autor, se de um lado a plenitude de defesa autoriza que o advogado inove na tréplica do outro; de outro, a Constituição Federal também assegura a observância do contraditório.
José Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.
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