Jurisprudência Comentada: Edital já publicado e alteração legislativa posterior

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alteração legislativaGran OAB | Cursos Online
A análise de questões de prova em concursos públicos pelo Poder Judiciário é tema delicado. O Poder Judiciário é muito reticente em determinar a anulação de questões realizadas, pois entende que estaria penetrando no campo da discricionariedade do administrador. Somente diante de flagrante ilegalidade tem ocorrido a anulação de questões por este Poder, como, por exemplo, matéria não abordada pelo edital ou tese doutrinária contrária àquela indicada no edital regulador.
Vejamos algumas decisões:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO PARA AGENTE PENITENCIÁRIO. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. PREVISÃO EXPRESSA EM EDITAL. ELIMINAÇÃO DE CANDIDATO QUE RESPONDE À AÇÃO PENAL COMO RÉU, EM CRIME DE RECEPTAÇÃO.

IMPOSSIBILIDADE DE APROFUNDAMENTO DO EXAME DAS PROVAS CARREADAS NA VIA ESTREITA DO MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO INTERNO DO SERVIDOR DESPROVIDO, EM CONSONÂNCIA COM O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

1. Diversamente do que defende o impetrante, no caso dos autos, o edital não previra a eliminação do candidato tão somente na hipótese da existência de condenação criminal. Ao contrário, está claro que a investigação envolve o aspecto criminal e social, toda a conduta do candidato, prevendo, expressamente, o registro em delegacias.

2. Esta Corte já firmou a orientação de que a investigação social, além de apurar infrações criminais, tem por escopo avaliar a idoneidade moral e a lisura social do candidato, objetivando investigar a adequação do candidato à investidura em cargo público que exige retidão e probidade. Precedentes: RMS 45.229/RO, Rel. Min.

HERMAN BENJAMIN, DJe 6.4.2015 e RMS 24.287/RO, Rel. Min. ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA, DJe 19.12.2012.

3. No caso em exame, a banca examinadora do concurso julgou que o candidato apresenta condutas que não se revelam compatíveis com a conduta que se espera de um Agente Penitenciário, em conformidade com as previsões e especificações expressas no edital do certame; extraindo-se do acórdão recorrido que o impetrante não foi eliminado apenas por estar respondendo a inquérito policial, mas também por prestar informações inverídicas ao preencher o questionário de informações pessoais, escondendo o fato de que respondia a inquérito policial, do qual era sabedor da existência. Portanto, não cabe ao Judiciário a revisão do ato administrativo, uma vez que não há evidência de qualquer ilegalidade que justifique tal revisão.

4. Agravo Interno do Servidor desprovido.

(AgInt no RMS 39.643/MT, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe 20/03/2017)

RECURSO ORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROMOTOR DE JUSTIÇA. BANCA EXAMINADORA. QUESTÕES. REVISÃO JUDICIAL.

IMPOSSIBILIDADE.

1. A intervenção do Judiciário no controle dos atos de banca examinadora em concurso público está restrita ao exame da legalidade do procedimento, não lhe cabendo substituir-se à referida banca para reexaminar o conteúdo das questões formuladas ou os critérios de correção das provas. Precedentes do STJ e do STF.

2.Recurso ordinário a que se nega provimento.

(RMS 33.108/MA, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2011, DJe 17/08/2011)

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PROVA SUBJETIVA. REVISÃO. NÃO CABIMENTO.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça determina que é cabível ao Poder Judiciário a apreciação da legalidade do concurso público, sendo-lhe vedado, todavia, substituir-se à banca examinadora do certame, para reexaminar questões de prova, sob pena de indevida incursão no mérito do ato administrativo.

Agravo interno improvido.

(AgInt no RMS 48.382/BA, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 18/08/2016)

 
Diante de questões subjetivas, o assunto é mais espinhoso, na medida em que o Judiciário é ainda menos simpático em analisar as questões. As decisões, quase sempre, afirmam que ao Poder Judiciário compete a análise referente à legalidade do edital e ao cumprimento das suas normas pela banca examinadora.
Porém, o Superior Tribunal de Justiça noticiou, em seu informativo de jurisprudência n. 469, decisão proferida no sentido de que a banca examinadora de concurso público pode elaborar pergunta decorrente de atualização legislativa superveniente à publicação do edital quando estiver em conformidade com as matérias nele indicadas.
No caso concreto, admitiu-se que, na fase oral do certame, fosse formulada questão referente à adoção. Matéria esta, no entender do candidato, excluída na presente fase do concurso, pois pertinente ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Porém, o Tribunal a quo denegou a segurança sob o fundamento de que o assunto faz parte do Direito Civil, disciplina do bloco de matérias que poderiam ser objeto de questionamentos. Nesse contexto, salientou o Min. relator que a nova redação conferida pela Lei n. 12.010/2009 ao art. 1.618 do CC/2002 – o qual passou a prever que a adoção será deferida na forma prevista pelo ECA – já estava em vigor quando da convocação do candidato para o exame oral e, uma vez previsto em edital o subitem “adoção”, dentro do ramo de Direito Civil, é dever do candidato manter-se atualizado quanto à matéria.
Não obstante a repercussão do julgado mencionado, o STJ já se pronunciou sobre o tema em outras oportunidades. No ano de 2004, a Emenda Constitucional n. 45 promoveu a “Reforma do Poder Judiciário”. Os editais publicados anteriormente a esta emenda exigiram, na data da prova, conhecimentos do texto já em vigor, mas não havia no edital menção expressa à emenda, tão somente o tópico “Poder Judiciário”. O STJ confirmou a validade das questões que abordaram as inovações trazidas pela referida emenda. Confira:
 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA.

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. REEXAME, PELO PODER JUDICIÁRIO, DOS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DAS QUESTÕES DA PROVA OBJETIVA.

IMPOSSIBILIDADE. QUESITO SOBRE A EC 45/2004, EDITADA POSTERIORMENTE À PUBLICAÇÃO DO EDITAL. VIABILIDADE DA EXIGÊNCIA. PRECEDENTES.

  1. Firmou-se na Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça entendimento de que, em regra, não compete ao Poder Judiciário apreciar critérios na formulação e correção das provas. Com efeito, em respeito ao princípio da separação de poderes consagrado na Constituição Federal, é da banca examinadora desses certames a responsabilidade pela sua análise. Ausência de demonstração, no caso, de ofensa aos princípios da legalidade e da moralidade.
  2. De acordo com a jurisprudência desta Corte é cabível a exigência, pela banca examinadora de concurso público, de legislação superveniente à publicação do edital, quando este não veda expressamente tal cobrança. Desse modo, previsto no edital o tema alusivo ao “Poder Judiciário”, é possível o questionamento sobre a Emenda Constitucional 45/2004, promulgada justamente com o objetivo de alterar a estrutura do Judiciário pátrio.
  3. Agravo regimental improvido.

(AgRg no RMS 22.730/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe 10/05/2010)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃO RECORRIDO. IMPUGNAÇÃO. AUSÊNCIA.

SÚMULA Nº 283/STF. CONCURSO PÚBLICO. PROVA OBJETIVA. REVISÃO. NÃO CABIMENTO. QUESTÕES SOBRE LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE À PUBLICAÇÃO DO EDITAL. VIABILIDADE. PRECEDENTES.

  1. O recurso em mandado de segurança não impugnou, expressamente, o motivo principal que levou o tribunal de origem a denegar a ordem, qual seja: o Poder Judiciário não é instância revisora de provas de concurso público, podendo, no entanto, verificar a adequação dos quesitos às disposições editalícias. Aplicação, por analogia, da Súmula nº 283/STF.
  2. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento segundo o qual não cabe ao Poder Judiciário atuar em substituição à banca examinadora de concurso público, apreciando critérios utilizados na formulação de questões ou na correção de provas, salvo quando evidenciada ofensa à legalidade e à moralidade, o que não ocorre no caso.
  3. “De acordo com a jurisprudência desta Corte é cabível a exigência, pela banca examinadora de concurso público, de legislação superveniente à publicação do edital, quando este não veda expressamente tal cobrança. Desse modo, previsto no edital o tema alusivo ao ‘Poder Judiciário’, é possível o questionamento sobre a Emenda Constitucional 45/2004, promulgada justamente com o objetivo de alterar a estrutura do Judiciário pátrio” (AgRg no RMS 22.730/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 20/4/2010, DJe 10/5/2010).
  4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no RMS 21.654/ES, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 01/03/2012, DJe 14/03/2012)

 
É importante destacar, também, que o CESPE já alterou gabarito em razão de alteração jurisprudencial posterior à publicação do edital regulador do concurso. Isso ocorreu no concurso de Procurador do Estado do Espírito Santo, em 2008. A questão afirmava o seguinte: “Não se admite o controle concentrado de normas de efeito concreto”. O gabarito oficial preliminar apontou o item como “Certo”. Contudo, o gabarito oficial definitivo acolheu os recursos, entendendo o item como “Errado”. Uma das justificativas da banca foi que a nova posição do Pleno do STF, na ADI 4048 MC/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.4.2008.(ADI-4048), por maioria de votos, mudou o seu entendimento afirmando a possibilidade do controle concentrado de normas de efeito concreto. Ressalte-se, novamente, que a modificação foi posterior ao edital do certame.
Após, a decisão do STJ é o nosso destaque sobre o ocorrido no concurso de Procurador do Estado do Espírito Santo acima relatado. O candidato deve ficar atento para as alterações legislativas e jurisprudenciais supervenientes à publicação do edital. Vale a pena, na semana que antecede a prova, a consulta das leis indicadas pelo edital a fim de verificar posteriores alterações para que não seja surpreendido na hora da prova.
No concurso feito pelo TST em 2017, no qual teve a Reforma Trabalhista recentemente publicada, alterando boa parte da CLT, a banca FCC e o órgão TST tiveram o cuidado de colocar expressamente em edital que seria cobrada toda a legislação referente à citada reforma, e assim o fez na prova, na qual caíram vários itens da nova legislação. Como ficou previamente esclarecido no edital que o tema seria cobrado, os candidatos não foram pegos de surpresa (e estudaram bastante) e não houve questionamentos posteriores.
Quando há algum assunto acerca do qual uma determinada LEI é colocada no edital e, após a publicação desse edital, a lei sofre alteração por medida provisória, essa alteração pode ser cobrada no concurso, pois faz parte da lei. No entanto, não é comum as bancas pedirem as alterações da MP em prova, pois se trata de normativo que pode não ser aprovado pelo Poder Legislativo. Assim, o tema pode cair, por isso é bom saber, mas não é comum.
 
Forte abraço!


Gustavo Scatolino – Direito Administrativo – Atualmente é Procurador da Fazenda Nacional. Bacharel em Direito e Pós-graduado em Direito Administrativo e Processo Administrativo. Ex-Assessor de Ministro do STJ. Aprovado em vários concursos públicos, dentre eles, Analista Judiciário do STJ, exercendo essa função durante 5 anos, e Procurador do Estado do Espírito Santo.
 
 
 


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